sexta-feira, 30 de abril de 2010

Passeio Pelos Impérios XII - PELAS ENTRANHAS DE FEZ

Regressámos a Fez pela estrada nacional, que se encontrava em recuperação e com muito trânsito. À chegada, rodeámos lentamente as muralhas da medina já o sol andava baixo na parte mais recente da cidade. Pena foi que não tenhamos entrado por uma porta (bab) mais a sul, onde as casas fazem parte da muralha. Estacionámos as motos numa área construída não há dois anos, e que, curiosamente, está filmada, ainda em obras em http://www.youtube.com/watch?v=SGnYv4UrTSQ.
Agora, acompanhados do guia, penetrámos na medina através da Bab Guissa e dirigimo-nos de imediato para a mais antiga universidade do mundo, a madrassa (universidade corânica) de Attarine. Apesar de as paredes serem praticamente monocromáticas, está exemplar em matéria de conservação. Embora dispusesse de uma varanda no andar superior – de ligação aos quartos dos estudantes - não nos possibilitaram ultrapassar o pátio. Nunca protagonizei uma visita tão curta.
Antes, havíamos deixado passar um dos transportes mais populares naquele sufoco, o burro, animal que, à excepção dos gatos, é o único admitido nas estreitas ruas da medina. Nas albardas levam de tudo: roupas, garrafas de água, sacos de cereais, máquinas e ferragens. Tal como há séculos.
Próximo da madrassa de Attarine, espreitámos a mesquita Kairouine, a maior da medina e de Fez. Percebe-se a dimensão quando, ao circundá-la, se vão contando as muitas portas que lhe dão acesso. Pela primeira vez, percebi estarmos próximo do rio, cuja maior parte do leito está oculta na travessia da Medina, não sem antes termos passado por uma zona de tingimento exclusivo de cabedais negros.
Mais à frente, entrámos numa casa, subimos dois andares e desembocámos uma espécie de varanda, de onde era possível observar a famosa zona de tingimento de curtumes, onde domina o activo cheiro das peles e as cores fortes das tintas.
Quase tão fascinante, mas numa outra escala e tema, o elevado número de antenas parabólicas individuais que envolvem o sítio, naquela teia de telhados cor de terra e arquitectura de traços geométricos. Parecem favos.
Circunstancialmente caótica, a intensa circulação pedestre dentro das exíguas ruas da medina, é um elemento típico, em que a quietude de muitos – sobretudo dos lojistas – contrasta com agitação dos fornecedores e da passagem apressada dos turistas com guia. Outra constatação: a de que não existem lojas fechadas, ou seja, que a diminuta dimensão, escassez de stock ou fraca clientela, não são condições de “portas fechadas”.
Feliz, a paragem numa pequeníssima loja que vendia chá. Deixámos passar mais um burro e cercámos o balcão para comprar uns quantos pacotes de chá a um preço que agradou. O chá é bom, sobretudo quando acompanhado de algumas folhas de hortelã. Comprovámo-lo em Portugal.
Comprovámos outra teoria que, nesta fase, já é tese: a fraca manutenção de edifícios, redes eléctricas, e equipamentos públicos em geral. É frequente ver fios eléctricos à mostra, protecções de quadros eléctricos arrombadas, portas de madeira roídas da água, lajes levantadas ou em falta. E o panorama de alguns hotéis, também não é famoso: há tinta que caiu, madeiras empenadas, teias de fios, tapetes surrados. Também é preciso sorte para que não existam mais tragédias, e os marroquinos parecem tê-la.
Prosseguimos pelo labirinto, para desembocarmos pouco depois no largo dos caldeireiros, cujo trabalho de alguns é feito à porta das lojas. Estávamos ainda junto da Karouine, quando percebemos que já iniciávamos a caminhada de regresso às motos. Voltámos ao dédalo de ruas, muitas delas por onde não passam mais do que três pessoas lado a lado, outras cuja dimensão oculta inclusivamente torres de mesquitas, outras ainda que, por estarem cobertas, eclipsam qualquer referência de orientação.

Acreditava que ainda iríamos parar numa loja de artigos de madeira e/ou outra de adornos e, por tal, atrasar a nossa saída, mas o guia não devia ter comissão nessa área. Mesmo assim, chegámos junto das motos com a noite a tombar. Avançámos para o trânsito da hora de ponta e batemo-nos com uma imensa legião de “petit táxis”, alguns dos quais ocupavam uma das faixas de rodagem contrárias. Fiquei desapontado com o facto de, uma vez mais, ter percorrido as ruas da Medina de Fez ao ritmo do guia. Tinha esperança que pudéssemos ter tempo para captar mais detalhes e conhecer aquele todo, desde o rio que mal vimos, passando pelas vielas sem saída onde os braços abertos tocam as paredes, pelos túneis escuros e assimétricos.A Medina é um espaço ímpar. È das mais estreitas, das mais cobertas, é assimétrica a par da de Chefchaouen, labiríntica como a de Marraquexe, rica e variada. Mas, sobretudo, tem uma vida que não se percebe à passagem veloz e inquietada que protagonizamos. A noite no bar foi mais divertida do que a anterior e ainda mais do que o período do aperitivo para o jantar. Desta vez, envolveria também alguns franceses que viajavam em Citröens “Arrastadeira” e contestavam os critérios de quantidade no que respeitava a bebidas servidas pelo tal barman sovina. Depois, desdobramos mapas, efectuámos cálculos ligeiros e discutimos percursos com os que sairiam cedo no dia seguinte.

Música: Return To forever, Magestic dance


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