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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Passeio Pelos Impérios III - RUMO A JADIDA, COM CASABLANCA DE PERMEIO

Saímos com a noção de que estaríamos em Casablanca a tempo de almoçarmos antes das duas da tarde, de modo a podermos visitar a mesquita Hassan II a partir dessa hora. Não passava do meio-dia e meia quando chegámos ao Scala, um restaurante agradavelmente decorado no interior das muralhas de uma pequena fortaleza localizada perto do porto. Um fausto discreto, mas sobretudo um envolvimento simpático.

Foi o primeiro contacto com a criatividade, a estética e sabor da gastronomia marroquina, desde as entradas (excelentes vegetais temperados e notáveis sumos de fruta – exceptuando um exótico com amêndoa) aos petits furs da sobremesa. Foi aqui que nos encontramos com a Nênê e com os Leais. Ela revelar-se-ia uma anfitriã notável e eles os menos bafejados pela sorte da mecânica.



Esperava-nos uma guia – que seria a primeira e única que vimos em Marrocos - para nos mostrar a mesquita Hassan II, a maior de África, à qual pertence o mais alto minarete do mundo, com 200 metros de altura. Dotada de um tecto amovível, soalho aquecido e portas eléctricas, é uma das raras mesquitas a permitir a visita a turistas não muçulmanos. Aproveitámos.


Na recepção, pediram-nos para descalçar as botas, uma vez que ninguém entra calçado nas mesquitas. Depois daquela árdua operação, colocámo-las num saco de plástico fraquito, que não estava preparado para asilar pares de botas de combate. Uma questão de etiqueta.

Os números e as valências revelam a dimensão da obra: mais de 500 milhões de euros de custo, a contribuição de10 mil artesãos, uma capacidade para 25 mil pessoas na sala de orações, funções de madrassa (escola corânica), salas de conferências, hammams (banhos), bibliotecas especializadas e um estacionamento subterrâneo. Um mundo de sumptuosidade.

Depois, separamo-nos em dois grupos. Mas não demorámos a reagrupar. O trânsito intenso, numa cidade que comporta mais de 3 milhões de pessoas, não perdoa demoras ou distracções. Se, há 3 anos, demorámos 1 hora a sair da urbe, desta vez, não ficámos longe desse recorde. Até de moto, não é fácil “furar” entre os milhares de “petit táxis” e as correspondentes buzinadelas. Uma alegria.

O desencontro deveu-se a uma alteração no programa, mercê de um convite para passarmos pela casa da Nênê, motivados sobretudo por uma prova de vinhos marroquinos. Porém, a prudência e a excelência da primeira garrafa, fez-nos ficar por ali. E lá ficaríamos, se se continuasse a abrir o magnífico vinho da região de Meknes. Celeste.

Em hotéis e restaurantes, o preço das bebidas alcoólicas é elevado. Pagávamos habitualmente 50 DH (cerca de 4,5€) por uma cerveja nacional ou estrangeira, e entre 80 e 150 DH (entre cerca de 7,5 e 13,5€) por uma garrafa de vinho. Bebemos melhores vinhos do que há 3 anos, sendo que nessa altura nos havíamos resumido à marca Ksar. A menção “Vinhos de Meknes” foi vulgarmente sinónima de qualidade. Uma referência.



Alterámos também o trajecto, previsto junto ao mar, para o da estrada nacional. Apesar de não ter muito trânsito, as estradas são estreitas, têm riscos contínuos (contínuos, porque se estendem por quilómetros), a velocidade média dos veículos, especialmente dos camiões, dificulta a maioria das ultrapassagens. Um cansaço, sobretudo de carro.

Foi já com o sol a baixar no horizonte que chegámos a Azemor. Depois da ponte, acompanhámos as muralhas portuguesas o século XVI, a caminho dos baluartes concebidos pelos irmãos Arruda. Confirmamos ser dia de mercado, quando saímos através da praça fronteira à entrada principal da medina encrava no interior das muralhas. Começava a ser tarde para a visitar. Tínhamos mais uma vintena de quilómetros pela frente, estava mais fresco, e ainda o habitual e importuno preenchimento da ficha do hotel. E ninguém queria chegar de noite. Não conseguimos.


Foi um entardecer sombrio e ventoso que nos acolheu no Ibis de El Jadida, situado num dos extremos da cidade, frente a uma longa praia que se estende até a um pequeno porto de pesca. Após o jantar, ao convite para visitarmos um “casino”, associou-se a possibilidade de entrarmos num hotel de “seis estrelas”.

Alugámos duas carrinhas e fomos. De segurança em segurança, chegámos ao átrio uma espécie de vestíbulo com arquitectura romana. Depois, é de átrio em átrio, até um espaço central com bar, que também dá acesso a um pequeno casino, restaurantes e lojas de produtos requintados.

Não foi certamente pelos preços de bar, relativamente acessíveis, que o complexo se distingue de outros: talvez essa excepção se reconheça na segurança, na qualidade dos materiais, no apuro das peças, organização e decoração do espaço. Um requinte.

Foi a partir daqui que a Julieta capitulou, sob febre elevada e um mau estar gripal, que apenas a deixaria após algumas tomas de antibióticos, já nos últimos dias de viagem. Aproveitou a oportunidade do jipe da Nênê na caravana para se recolher de alguma ventania. Em geral, exceptuando alguns antipiréticos destinados a dois ou três, não houve apertos de realce a registar em mais ninguém.

Música: Peerguint Lobogris, Aynara's Dream

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Passeio pelos Impérios I - DE NORTE A SUL, RUMO A TANGER

Louco é o viajante que quer construir uma casa no caminho, Provérbio árabe

INTRODUÇÃO


Tal como o rei Sebastião, também nós falhámos Ksar El Kebir, aquela planície feroz que comprometeu Portugal por algumas décadas. Sebastião enfrentou cerca de 60 mil árabes, e nós apenas algumas dezenas de ciclistas magrebinos.

Porém, o objectivo primordial, cuja concretização se revelou mais abrangente do que o previsto, era visitar alguns dos vestígios da presença portuguesa em Marrocos. Essas pegadas existem – os baluartes de Azemor, a cisterna da antiga Mazagão, o castelo de Safi, os ‘canhões’ da fortaleza da idosa Mogador - mas estão fragilmente acessíveis, protegidas e apregoadas.


Acabámos por associar a este périplo pelos vestígios do império português quinhentista, as cidades imperiais marroquinas – Rabat, Casablanca, Marraquexe, Fez e Meknes - e, daí, juntar o significativo dos dois impérios. Mais, aliamos ainda uma perspectiva paisagística, que nos levaria das praias e falésias atlânticas aos vales verdejantes do Médio Atlas.

Anunciavam-se algumas estreias – Tanger, Rabat, Azemor, El Jadida, Safi, Essaouira, Ouzoud, Fez e Volubilis – e duas recapitulações – Marraquexe e Meknes. Se bem já conhecíamos as ligações entre Tanger e Casablanca, e entre Azrou e Volubilis, o restante percurso era novidade.



Outra novidade, relacionava-se com a imposição de, uma vez em território marroquino, apesar de rodarmos todos os dias - à excepção de dois em que estaríamos em Essaouira e em Fez - devermos chegar aos locais de visita e/ou pernoita, o mais tardar, a meio da tarde. Cumprimos, salvo num dia em que recebemos um convite particular para uma prova de vinhos…


Para mim, havia elegido como marcos da viagem, a visita à mesquita Hassan II de Casablanca, um pouco de tudo o que fosse herança histórica portuguesa, as cascatas de Ouzoud, o regresso à Medina de Fez e Volubilis. Era o suficiente, imaginei. Afinal, e como é costume, as minhas expectativas cobriam de maneira uniforme todo o percurso, desde a partida na área de serviço de Alcochete, até ao regresso quando da despedida na A5.


Todavia, face à viagem de há três anos, creio que as expectativas se enobreceram. Agora, era necessário, pelo menos, tentar rectificar o que não havia corrido tão bem: demasiados quilómetros por dia, melhorar em matéria de hotelaria, não chegar de noite, contar com os deuses no aspecto meteorológico.

As divindades excederam-se: nem muito calor, nem muito frio, choveram apenas borrifos, e neve, só ao longe nos cumes mais longínquos do Médio Atlas. O tempo bera, esse que abana, gela ou fustiga, esteve ausente. Por outro lado, o alojamento medrou e conseguimos chegar a horas decentes a todos os bares antes de jantar, factores-chave de sucesso para que o estimado tenha sido praticamente todo cumprido.


Já li um comentário à viagem que afirmava ter a realidade ultrapassado até as expectativas dos organizadores. Concordo, considerando fundamental o contributo da Marie (Nênê), cujo apoio logístico, e não só, foi uma mais-valia significativa durante a parte da viagem em que nos acompanhou, assim como já havia sido na reserva dos alojamentos e na escolha dos locais de refeições que se revelaram notáveis.


Exemplares foram também a tolerância e o entrosamento que o grupo confirmou. Acho que houve menos ansiedade, melhor solidez logística, uma cooperação uniforme. Talvez tenham sido estas as autênticas condições responsáveis pelos nove admiráveis dias que passámos juntos.

Onze motos – 8 STX, 2 ST, 1 KLT - dezasseis pessoas, cerca de três mil e seiscentos quilómetros percorridos, entre 24 de Março e 3 de Abril de 2010, uma média de duzentos e cinquenta quilómetros diários, reabastecimentos a cada trezentos quilómetros percorridos, paragens para descanso a cada cem, sistema de meia-pensão em hotéis de quatro estrelas, excepto em três locais onde a opção recaiu sobre a cadeia hoteleira Ibis.


Vamos viajar!


DE NORTE A SUL, RUMO A TANGER


Encontrámo-nos ao sabor das opções de cada um. Na AS de Alcochete pelas oito e meia, na AS de Loulé com mais três motos por volta das onze, na AS de Trigueros - onde almoçámos - com mais uma, no porto de Tarifa, cerca das dezoito, com os restantes, à excepção da BMW que só se juntaria ao grupo em Casablanca. Um despontar aberto, rumo a Tanger.


Cairam algumas pingas de chuva antes de Algeciras, que apaneas molharam a estrada. Junto ao porto da cidade capital do windsurf, dominam as muralhas do castelo de Guzman el Bueno, “paredes-meias” com o edifício da alfândega. Estava fresco, na espera pelo ferry, enquanto aproveitávamos para nos despedirmos desta Europa. Mas, como se fosse apenas um pequeno intervalo.

O catamaran da FRS apareceu lentamente na entrada do porto, quase em silhueta, mas rapidamente se desfez da carga que trazia, para a substituir pelos mais recentes passageiros com destino a Tanger. Assistimos com curiosidade à manobra de extensão de uma espécie de garra que servia de ponte às entradas e saídas do porão. Entramos-lhe no âmago, com a ideia de que começava ali mais uma etapa. Outro passo na viagem.

Mais uma vez, as motos foram postas “a ferros”, bancos esborrachados pela pressão das cintas, que apenas permitem uma ténue protecção de panos ou cartões que lhe aliviam o garrote. Depois, é subir aos “decks”, espreitar do alto as pequenas vagas e fazer controlar o passaporte por um funcionário alfandegário que dizia aos portugueses serem os únicos a não preencherem o famigerado papel branco conforme o determinado. O rigor como pedra de toque...

A chegada à fronteira de Tanger não surpreende: há que ficar sob a jurisdição dos angariadores que tratam de toda a papelada. Desta vez, a situação resolveu-se com recursos influentes, que nos possibilitaram demorar pouco mais de meia hora a entrar em Marrocos. Daí a pouco, estávamos a fazer o que a economia marroquina (também) precisa: que muitos troquem divisas (e as utilizem no país), e não, ter de mostrar o passaporte de cinco em cinco metros, como se fosse a fotografia do nosso mais querido recém-nascido…

Trocámos dinheiro num instante, ainda à vista da fronteira, e avançámos sobre a “sortie” que, para nós, era decididamente uma “entrée”. O trajecto até ao Ibis é fácil: sair da fronteira, virar à esquerda, continuar na marginal até à rua principal e, a partir daí, continuar sempre em frente durante cerca de doze quilómetros. Na ocasião, havia muito tráfego, sobretudo no interior da cidade, mas era fluido. Mais à frente, alguns miúdos aproveitavam a boleia da traseira de um camião, para se transportarem, muito à imagem dos nossos que, há 40 anos o faziam amiúde. Num instante, estávamos perto do aeroporto: o Ibis fica a dois passos, num largo cruzamento. Também por isso, se ouçam os estilhaços que o trânsito deixa na proximidade. Fechámos o dia com uma conta difícil de resolver no que respeitava ao vinho do jantar. Parcimónias.

Música: Emerson Lake & Palmer - The Show That Never Ends