quinta-feira, 15 de julho de 2010

Ambientes Minhotos: entre Tibães e Lanhoso


Detalhes e referências: é  o que nos conquista num todo. Escolhemos uns e outros de acordo com um conjunto de circunstâncias e convicções. Desta vez, andámos em redor de Braga, entre Tibães e Lanhoso, levados pelo Clube Paneuropean de Portugal.
Começámos pelo hotel Sentir Falperra, recuperado das ruínas de um convento dos últimos anos do século XVIII, com espaços amplos e um panorama excelente sobre o vale que dá para Guimarães. Pormenor: naquelas duas manhãs, o vale esteve pintado por nevoeiro baixo e só mostrava raros picos e longínquos.
Depois, duas referências do nosso património monumental - o mosteiro de Tibães e o castelo de Lanhoso - a franquearem outras duas do património gastronómico - o "Victor" e a "Quinta do Pico". O mosteiro foi recuperado há alguns anos; o castelo há muito que devia ter sido. Depois do “Victor”, há que recuperar; depois da “Quinta do Pico”, não há recuperação possível!
Em Tibães – fundado no final do século X - percebe-se para onde vai algum do orçamento estatal da cultura, especialmente na obra de recuperação de que foi alvo. Entrada, pátios, corredores, dependências de registo, cavalariça, catres, hospedaria, passadiço, refeitório e fontes dos jardins, são espaços excelentes.
Detalhes, muitos. Por exemplo, a igreja, além de ricamente decorada, tem detalhes decorativos raros, sátiros, por exemplo, que adornam a varanda de um dos órgãos; outro exemplo, a área do Coro Alto encerra um espaço destinado às reuniões monásticas com curiosas cadeiras basculantes.
Em Lanhoso, descobre-se também para onde podia ir parte do orçamento para a cultura, estando o castelo (o que resta dele) relacionado com uma parte fundamental da nossa nacionalidade. Porém, não se percebe ser dada relevância ao castelo onde se diz ter estado presa a mãe do primeiro de Portugal.
Detalhes: se, para automóveis, o estacionamento disponibilizado deixa algumas viaturas em plano verdadeiramente inclinado, para motos, é bastante propenso à queda. Todavia o panorama cativa a trepar.
Pouco trânsito, bom piso, ambiente misto urbano/rural, estradas estreitas, muros de pedra, bermas baixas com escorredouros, muito verde. Mais verde a trepar para o Bom Jesus e/ou a descer a Falperra. Parece ser bem mais fácil e excitante subir ao Bom Jesus de moto do que trepar aquela escadaria interminável. Pormenor: alguma semelhança com o ambiente serrano sintrense, a que estamos habituados.


No "Victor", do senhor Victor, é o ambiente rústico e o célebre bacalhau assado na grelha que dominam. Sentamo-nos num alpendre fechado que podia ter janelas mais rasgadas sobre o vale. Detalhe: a preparação do bacalhau para a grelha tem segredos, e um deles é demolhá-lo em leite…
Na "Quinta do Pico", do nosso amigo Leal, impera a envolvência bucólica representada pelos animais, pelas vinhas, pelos socalcos, aliada a uns rojões de estalo.

Pormenor: muitos "bichos" estavam curiosos, como estes dois exemplares em baixo, excepto os cavalos que estavam serenamente na hora da refeição. Ficou prometida uma “pega” de porco, seja lá o que isso for… 
... mas nem por tal deixou de haver "festa". A fechar, as lembranças da Quinta do Pico, vieram em branco e tinto, de produção própria.
E ainda outra referência, a das estradas por onde rodámos entre os espaços florestais verdejantes e as famosas vinhas minhotas, ao longo de muros de granito que circundam as propriedades.
Detalhe: rodar em grupo tem a vantagem, entre outras, de não ser preciso procurar referências para encontrar caminhos. Por isso, é rolar ao sabor da estrada, abrir bem os olhos para dominar tudo e encher a espírito da harmonia que o espaço nos oferece.
Neste domingo, o trânsito permitia vaguear pelas nacionais. Atravessámos sossegadamente a Trofa. Dali, em dias assim, é rápido chegar ao Porto. Já lá não íamos há muito. E há sempre um pormenor ou outro que nos espevita a memória sobre o Porto: ou nos perguntam se somos casados no registo de alojamento, ou assistimos ao vazamento de baldes para plena rua, ou nos confundem com turistas a caminho da Sé.
O Porto é uma cidade antiga e acolhedora, que conserva locais interessantes e pessoas de uma simpatia distinta. Guarda também as virtudes e os vícios de exercer como aldeia grande e cidade pequena, uma garantia de diferença, por exemplo, face à capital. Detalhe: o Casal Lounge, a meio da avenida, um café chic de proprietários da Trofa, estava cheio, de tal forma que, durante os 15 minutos em que estivemos na esplanada, não apareceu ninguém para nos atender…
O Palácio da Bolsa era um dos sítios que pretendíamos espreitar. Desta vez, a urbe suava, tal como as protagonistas da Corrida da Mulher. A avenida dos Aliados estava repleta de mulheres vestidas de cor-de-rosa, e de estruturas associadas ao evento. Do Palácio, ficámos com a fachada e com a sombra que projectava para o estacionamento onde parámos a moto.
Como é habitual, só a partir da Figueira da Foz começámos a sentir aquele vento carismático da costa oeste a fustigar a Pan. Outras referências e detalhes, já aqui em baixo.

Música: Emerson, Lake & Palmer, Pictures At An Exhibtion
Ver nesta dimensão, uma vez que o filme está muito comprimido. 

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Dom dos Azulejos


A arte é um dos meios que une os homens
Leon Tolstoi, escritor

Parece que existem desde o século V a.C. no Egipto, tendo sido também utilizados por assírios e babilónicos. Depois, foram os romanos que os distribuíram pelo Mare Nostrum. Mais tarde, os árabes divulgá-los-iam na Península Ibérica.
Etimologicamente, ficamos entre origens árabes – zellij, azzelij, al zuleycha, al zuléija, al zulaiju, al zulaco – e persas – lazhward.
Independentemente de outra utilização – painéis decorativos, informativos, chãos, coberturas, molduras - há muitos prédios lisboetas, sobretudo nos bairros tradicionais, cujas fachadas são revestidas a azulejo decorativo.
Diz-se que durante o tempo de Salazar, aliavam a estética à poupança, associando esse padrão de revestimento utilizado nas mansões mais ricas, à menor manutenção desse material face a uma obrigatoriedade de manter as fachadas imaculadas. 
Os aspectos históricos, estéticos e económicos realçam o azulejo, que distingue, identifica, provoca. Diferencia-se pela forma e textura, é praticamente arte(sanal), estimula índoles estéticas e inflama sensações.
Talvez tenha sido a diversidade de motivos, a riqueza cromática, e algum sentido cenográfico, a levar-me a captar a profusão de azulejos que muitas das fachadas de Alfama, da Mouraria, do Castelo, ainda hoje revelam. 
As diversas incorporações confirmam-lhe o cosmopolitismo, o enriquecimento estético produzido num material pobre potencia-lhe dignidade, e a textura, a pigmentação e os brilhos acrescentam-lhe sensualidade.

Não são exemplos devotos, mas ficam aqui alguns modelos mais comuns, apostos em edifícios lisboetas que, ainda assim, já seduzem pelo colorido, traço, composição e efeito.
É seguramente esse cativar dos sentidos que o azulejo pratica. Nós gostamos de nos distinguir. O azulejo incorpora-se espontaneamente nessa capacidade única, que faz de nós pessoas.

Música: António Pinho Vargas, Vilas Morenas




sábado, 10 de julho de 2010

A Arte das Mansardas

É na mansarda que a terra acaba, lá em cima, no reino das nuvens próximo do firmamento. É no cimo da terra que a mansarda se estira para o céu, espicaça as nuvens, a caminho das estrelas. Estende-se como uma ponte, projecta-se como açoteia, liga-se como elo.
Para lá chegar, há que, habitualmente, galgar degraus, abordar uma subida íngreme, um sublime esforço para alcançar o último piso. O caminho estreita, o espaço confrange-se, a luz mingua. Ao ascender ao sótão, escala-se à quietude, ao isolamento, à meditação.
Lugar excelente para explorar os sonhos, recuperar memórias, reaver objectos de outras eras. Fica íntimo, criativo, poético. Dali, observa-se ou reflecte-se, espreita-se ou fantasia-se. Há muito para descortinar, mais para descobrir.
A mansarda é normalmente esconsa, apertada, coactiva, porém, harmoniosa, equilibrada, protectora. Alarga-se na medida da exiguidade dos segredos que esconde. Acanha-se conforme os silêncios que vulgariza. Fecha-se aos outros: recua nos telhados, esconde-se entre vegetação, oculta-se ao olhar diferente.

De lá, mira-se habitualmente de frente, através de janelas redondas, quadradas, rectangulares, amplas, mas esguias e acanhadas na maioria dos casos. O horizonte apertado afaz-se ao olhar exíguo, porém, dedicado e preciso.
Do cume, o querer tem mais arrimo, sente-se protegido e poderoso na procura do secreto. É a intimidade da mansarda que abriga, a dimensão que aconchega. É nas mansardas que termina a terra e se chega mais perto do céu, para apresar as estrelas.

Musica: The Lord Of The Rings, Many Meetings
Howard Shore e Suzana Peric