terça-feira, 14 de junho de 2011

Primitivos portugueses: o século de Nuno Gonçalves

Íamos porque nunca tínhamos visitado a colecção permanente. Porém, fomos surpreendidos quando entrámos e nos avisaram de que os “Primitivos Portugueses” tinham uma visita guiada daí a cerca de 15 minutos. Não era uma exibição tribal, mas sim uma exposição de pintura. Foi no Museu Nacional de Arte Antiga. Domingo, de manhã, quando a maioria dos museus são gratuitos. O tal serviço público...
Logo após a entrada lateral, uma pequena sala parecia não atrair muita gente. Dentro, exposto numa das paredes, um dos quadros da exposição dos “primitivos” – por sinal, o mais famoso – havia sido glossado por um tipo polémico, o Manuel João Vieira. E o resultado foi este: uma figura a fumar, o diabo aparece com os seus míticos pés de bode, uma preta com mamas pelo corpo todo. Aquele delírio...
A caminho do átrio principal, e enquanto tentávamos orientar rapidamente os olhos pelas paredes da exposição permanente, reparámos no detalhe de um dos quadros: a Torre de Belém aparecia praticamente no meio do Tejo. Sabia que o Tejo já foi mais largo, mas não tanto. Os Jerónimos, esses, surgiam quase à beira-rio. Se nós mudamos, por que é que a natureza também não o fará...?
Depois, mais de meia centena de pessoas, e uma guia. Dado o sinal de partida, dirigimo-nos ao último andar o edifício, onde anteriormente haviam estado as Tapeçarias de Pastrana. Desta vez, estava exposto um retábulo do Mosteiro da Trindade - quem é que ainda não bebeu lá umas cervejas? :) - datado de 1537 e atribuído à oficina de Garcia Fernandes.
A mostra passou frequentemente por um roteiro de oficinas, de estilos, de mestres, de técnicas, de influências, de perspectivas, de estrategias, que nos levaram a perceber melhor, ou simplesmente a ter uma ideia, do que é a pintura. De outro modo, a "leitura" de um quadro é uma tarefa difícil. Só talvez auxiliada com alguma exaltação, como o fazia Fernando Pessoa...
Alguns espaços mostravam a obra e a respectiva radiografia. Essa e outras técnicas laboratoriais - infravermelhos, etc - têm permitido verificar o projecto, percebendo-se qual foi o ponto inicial, a evolução ou as alterações que o mestre foi introduzindo ao longo da obra.  
Outro aspecto interessante passou pela observação das perspectivas. Se bem que em algumas obras o traço da perspectiva (a)parecia incorrecto ou elementar, em outras a observação cuidada de outros ângulos explicava a aparente distorção. Este quadro, sobre o tema da paixão de São Sebastião, era paradigmático neste aspecto.
A tentativa de atingir a perfeição - realizar uma cópia de Deus - também é notória em certas telas. Em algumas, só muito próximo ou quase a tocar-lhes, se podia confirmar não se tratar de uma fotografia, tal o rigor empregue, tal o assumir dessa condição, desse intento de perfeição, típico desta época.
Não havendo ainda fotografias, a perpectuação do ser e do ego fazia-se através da pedra ou da tela (ou da tapeçaria). Nesse propósito, os mecenas faziam-se muitas vezes reproduzir num quadro épico/comemorativo, como personagens da acção ou do lugar. Parece que até no famoso triptíco atribuído a Nuno Gonçalves lá estão representados... 
Outro aspecto salientado prendia-se com o tipo de imagens representadas na tela. Eram personagens reais ou imaginárias? O mestre estava a vê-las? Guiaram-nos nessa procura, entre rostos enigmáticos, padronizados e cópias de pessoas de carne e osso. talvez fosse esta uma das observações mais fáceis para leigos, sobretudo quando a tela mostra uma extensa espécie de repetição por superfície.
A temática religiosa é dominante. A Igreja já era, nesta altura, uma grande encomendadora de arte. A reprodução de cenas biblícas e a sua repetição foi uma constante, sobretudo na tela e nos frescos. Os mecenas burgueses ainda não se batiam de igual para igual com o poder económico da igreja. Talvez em Itália já o fizessem...
Percebemos também, pela dimensão, pela disposição, pela recuperação efectuada, pela excelente apresentação e descrição, para onde vai parte dos nossos impostos. Talvez não seja possível ter uma ideia razoável da logística que é preciso para, apenas, transportar um quadro de 4x5 metros, mas é possível imaginar... 
Música: Silvestre Fonseca, Jeux Interdits / Romance








quarta-feira, 1 de junho de 2011

Itália 2011 - Cannes, Nice, Frankfurt, Lisboa - Útima Etapa

Voltamos à auto-estrada, às pontes e aos túneis, tal como à chegada a Génova. De vez em quando, entre túneis, conseguíamos descobrir, lá em baixo, o Mediterrâneo. Até que ultrapassamos uma placa onde se anunciava a chegada a França. Do outro lado do túnel, começava a Riviera francesa. Por altura da cidade do Mónaco, saímos para a estrada nacional que leva a La Turbie. Andámos ao longo de uma estrada que acompanhava o relevo, quase sempre com vista de mar.
Algum trânsito obrigou a andar devagar e o ponteiro da temperatura da moto voltou a aproximar-se da zona vermelha. Parámos para almoçar, no restaurante Le Terrasse, em La Turbie. Ficava num local panorâmico e servia bem a preços módicos.
 
Estávamos numa zona de paisagem excelente, quer sobre os cerros a montante, quer sobre o Mediterrâneo a jusante. Conforme descíamos, íamos também reconhecendo algumas denominações afamadas daquela zona – Mónaco, Nice – que seriam, depois, locais de passagem.
Entretanto, havia que verificar o aquecimento anómalo da moto. O veredicto obtido numa oficina multimarca, em Beausoleil, paredes-meias com a cidade do Mónaco, foi decisivo: o sensor da temperatura da água do radiador não funcionava. Daí a moto não aquecer em auto-estrada, mas afoguear-se na cidade. Sugeriram que me dirigisse ao representante Honda, em Nice.
Lá fui, enquanto os restantes membros do grupo cumpriam o que estava programado: uma passagem pela cidade do Mónaco. À chegada ao representante Honda, dirigi-me ao recepcionista e expliquei-lhe o problema detalhadamente: estava em viagem para Portugal, tinha de chegar a casa daí a 3 dias, a moto precisava de um sensor de temperatura, uma vez que a ventoinha do radiador não funcionava.
Tal como se tratasse de uma resposta padronizada, o recepcionista também me informou detalhadamente do método de trabalho da Honda Nice: a oficina fechava dali a duas horas; sendo preciso uma peça, só na 3ª feira (2ª era feriado em França) a podiam obter; só podiam resolver o problema na semana seguinte. Nem sequer viram a moto.
Por tal, o próximo passo era recorrer à assistência em viagem. A primeira chamada foi efectuada para o ACP. Quando ouvi do outro lado da linha a palavra “complicado” fiquei surpreendido, uma vez que é das últimas expressões que se precisa ouvir nestas circunstâncias. Devido às inseguranças que adivinhava, optei por contactar a minha companhia de seguros. Estes foram mais eficazes e, embora a solução não tenha sido a mais confortável, trataram do incidente de forma mais aceitável.

Entretanto, o resto do grupo aparecera para saber novidades. Também ficaram bem impressionados com a “assistência” Honda e sugeriram-me optar por uma oficina de bairro, ou mesmo continuar, evitando as cidades. Talvez tivesse sorte com a primeira hipótese, mas com a segunda teria problemas, uma vez que eles chegaram a ser apanhados por uma dezena de quilómetros de filas na auto-estrada.
Dai a uma hora, chegava o táxi para nos levar a Cannes, onde tínhamos reservado hotel. Daí a mais meia hora, aparecia o reboque para a moto. Despedimo-nos da moto e da Honda Nice com sentimentos distintos. A falta de assistência obrigar-nos–ia a regressar de avião, via Frankfurt. Por outro lado, implicava levantarmo-nos às 4 e meia da manhã para voltar a Nice e apanhar o avião.
Escrevi à Honda (info@honda.com), à Honda Nice (werther@werther.fr) e à companhia de seguros. Expliquei-lhes que, afinal, aquele episódio não tinha sido uma “Nice situation”. A companhia de seguros pagou dois voos, 20 quilómetros de táxi Nice-Cannes-Nice, o reboque e o repatriamento da moto. Como ainda ninguém se manifestou, estou convencido de que, para a próxima, é conveniente levar um seguro de viagem.
Desfrutámos das últimas horas em França, ao longo do Boulevard de la Croisette, entre o mar e os hotéis da avenida, entre a praia privativa do Hilton e o ambiente anilado do Carlton. Jantámos no “72” da Croisette, a refeição mais cara da jornada.
Despedimo-nos de Cannes às 4 e meia da manhã, embarcámos às 6 e meia, chegámos a Frankfurt por volta das 8, íamos perdendo a ligação para Lisboa, mas chegámos à Portela antes das 11, depois do habitual périplo aéreo pela Ericeira e pela Costa de Caparica.

ÚLTIMOS DETALHES

Uma das malas interiores da moto ficou no aeroporto alemão. Quando me chamaram, em Lisboa, apenas utilizaram o apelido “Cordeiro”. Coincidência: no mesmo voo, viajavam dois “cordeiros”, o João Cordeiro, presidente da Associação Nacional de Farmácias, e eu. Ele assegurava que não perdera nada e eu sosseguei-o assumindo o protagonismo. Cumprimentámo-nos e foi cada um ao seu rebanho…
No aeroporto de Frankfurt, tínhamos cerca de 45 minutos para efectuar a mudança de avião. Estivemos fechados cerca de 15 dentro do autocarro e, depois, percorremos não sei quantos quilómetros, entre passadeiras e corredores, escadas e elevadores, para aceder ao terminal de saída. A Julieta foi rapidíssima na ida à casa de banho mas, mesmo assim, chegámos ao terminal e já a companhia fazia um “last call for mr. Cordeiro”…
O mecânico da oficina multimarca em Beausoleil, estava a trabalhar, salvo erro numa Deauville, suspensa num cavalete. Saiu da oficina e não esteve mais do que 5 minutos “à volta” da Pan. A partir de certo ponto, “desapareceu”… para ressurgir a vender uma embalagem de líquido de refrigeração.
À pergunta, “quanto é… quando devo”, o patrão da oficina devolveu um cálculo moroso, mas que se traduziu num valor provavelmente razoável para França: 5 minutos, ah… 5 euros, ou seja, 60€/h. Percebe-se porque é que Portugal deve tanto ao estrangeiro…
Houve refeições para todas as bolsas. Foi possível pagar 6€ por pessoa, numa esquina da Piazza Navona, 13€ numa área de serviço próximo de Saragoça, 17€ numa esplanada em Vernazza, ou 35€ numa “braserie” da Croisette, em Cannes! Mas, mesmo no local mais barato, é surpreendente pagar 2,6€ por uma Coca-Cola…
Por outro lado, Em Roma, 6 quilómetros de autocarro custam 1€, quando metade do percurso em eléctrico em Lisboa custa 3 €! E uma cerveja pode custar 5€ num restaurante normal, enquanto é ladroeira ultrapassar 1€ em Lisboa. Um camarote interior no barco Barcelona-Civitavecchia pode custar apenas 50€, durante 24 horas, mas não conseguimos um quarto em Roma por menos de 100€.
Mas, no fim de contas, o importante foi ir, estar lá, observar, sentir e guardar na memória sobretudo aquilo que nos fascina ou elucide. Desta vez, a viagem foi pródiga sobretudo na visita aos legados monumentais romanos e renascentistas de Roma e de Florença, bem como no ambiente etnográfico e paisagístico de San Gimignano, Cinque Terre e Bussana Vecchia. Todavia, perceberão nos últimos segundos do vídeo que há algo que supera sempre o que a natureza cria e a cultura pensa.

Música: Rick Wakeman, Return to the Center of The Earth