quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Shangri-La em Benidorm, 1980

Recorrer à memória não é esquecer o presente nem desprezar o futuro. É recuperar pedaços da vida, momentos que identificamos como marcantes. Pela positiva, os bons momentos! São lembranças que nos comovem, nos alertam, nos estimulam. São coisas boas! Algumas estão intimamente ligadas às viagens. 
O passaporte como calendário: saída a 10 e regresso a 18 de Setembro.
Uma das primeiras teve como destino Bernidorm, na Costa Blanca espanhola. Seria uma estreia. De boa memória! A par de Torremolinos, onde havíamos estado no ano anterior, Benidorm era capital turística notável, um El Dorado de lazer, uma Shangri-La erótica. Deve ter sido esse exotismo que nos pôs na estrada, em Setembro de 1980, durante um Verão com temperaturas caóticas.
À sombra, em Sevilha
Foram 10 dias em que percorremos um pouco mais de 2500 kms, cerca de 40 em auto-estrada. Até Setúbal, concretamente. 10 mil escudos, pouco mais de 7 mil pesetas, foi um orçamento que pagou gasolina, refeições económicas e alojamento em quartos particulares (Torremolinos) no apartamento de Benidorm e na residencial de Beja. Seguro, alguns cigarros e "cubas-livres".


Última página do passaporte: controlo de divisas...
Nunca me tinham roubado nada da mota, até cerca de um mês antes da partida. A tampa lateral de fibra que cobria a bateria desaparecera da CB 750, sem que eu disso me apercebesse, durante a estada noturna num bar de S. João do Estoril. Devo ter esgotado o stock de fita isoladora na loja de ferragens para tapar aquela ausência. Porém, não foi essa situação que nos desmotivou. 
2 mil e quinhentos quilómetros, escassos 40 em auto-estrada.
A moto ainda estava em nome do financiador. A CB era do Manolo Vidal, enquanto eu não acabasse de pagar uma quantidade de "letras". Na altura, o famoso galego financiava a compra de motos a meia-Lisboa. Por isso, fui obrigado a pedir-lhe autorização para sair do país. Era assim, desde Jarama, onde fora na Primavera anterior.
Documento de autorização da saída da moto de Portugal
Nem sequer nos demoveu o facto da moto não possuir qualquer bagageira, o vestuário (de motociclista) ser desadequado, dispormos de pouco dinheiro, termos poucas informações de outros viajantes sobre o caminho. Mas tínhamos uns folhetos antigos, daqueles que se iam buscar a uma embaixada para fazer um trabalho escolar para Geografia, algumas poupanças e uma espécie de vestuário que não nos comprometia demasiado...
Alguns folhetos com 2 ou 3 anos de edição serviam perfeitamente como orientadores.
Conhecíamos o caminho até Torremolinos, embora a Julieta o tivesse feito no ano anterior num "Mini" até às tantas da noite e eu de moto no pino do calor. Depois, era seguir a estrada que marginava o Mediterrâneo para leste. Uma dia até Torremolinos e outro até Benidorm. Quase 600 kms por dia. Dois dias debaixo de um sol abrasador. Era tentador. 
Um blusão da cor da carroceria do GS....
Nesta altura, dispunha de um par de calças grossíssimas (e caras, também), em cabedal, totalmente desajustadas para a temporada, um par de botas de cabedal mas sem qualquer ajuste motociclístico e um blusão feito por medida em pele fina. O equipamento da Julieta também era interessante: o blusão de cabedal creme, as calças de napa e as botas de salto alto davam-lhe um ar fashion.
Outra sombra, a meio caminho
A “bagageira” improvisada era enorme. Apenas levava roupa, calçado, higiene e a máquina fotográfica. Para tanto, comprei napa, desenhei o modelo, cortei a peça e pedi a um sapateiro para cozer tudo. Transportá-lo-ia preso ao depósito com “aranhas” elásticas. Não ficou mal: tinha dois “andares” e fechos éclair. Transportava tudo o que precisávamos: roupa, sapatos, ténis, artigos de higiene e a máquina fotográfica. Uma autêntica carroça de ciganos. Seguia direitinho, sobretudo quando rodava a direito. A curvar, pendia para o lado da curva. Durante a maioria da viagem não consegui ver os manómetros.
O enorme saco de depósito que escondia os manómetros: quem precisava de vidro frontal?
Saímos já com o sol a indicar-nos o destino. Naquela altura, a autoestrada acabava em Setúbal. Depois, eram mais 200 quilómetros até Badajoz, através de uma “nacional” que atravessava Vendas Novas, Montemor, Arraiolos e Elvas e passava perto de Estremoz e Borba. Mesmo de moto, era etapa para quase duas horas.
Mais uma paragem para "arrefecer".
A passagem na fronteira obrigava à compra do seguro. Uma casita improvisada, um empregado enfadado, o preenchimento do "papel cor-de-rosa", 87 pesetas por duas semanas. Acontecia logo após a verificação dos passaportes, uma operação que nunca nos levantou problemas.
"Seguro contra terceiros": um pouco mais de 10 pesetas por dia
Em Espanha, tomámos o caminho de Zafra com destino a Sevilha. Chegámos à capital andaluza no pino do calor. Não sei como aguentámos aquela temperatura: talvez tenha sido a juventude, talvez a aquela sombra onde “picnicámos”. Aposto na primeira. Foi um dia inteiro a andar, a comer mal, sob um calor intenso e ao longo de largos espaços áridos da Andaluzia. Chegámos a tempo de jantar e dar um passeio em Torremolinos. Aproveitei também para revisitar alguns locais onde havia estado em anos anteriores. Afinal, era o terceiro ano consecutivo naquela zona.
Torremolinos
No dia seguinte, era sobretudo a novidade do percurso que motivava. Tal expectativa confirmar-se-ia logo a seguir a Málaga. A estrada nacional passava a acompanhar o Mediterrâneo, seguindo o recorte da costa ao longo de uma sequência quer de praias abertas e recônditas, quer de planuras e falésias. Fiquei de tal forma entusiasmado com o cenário que, na década de 80, ainda lá voltámos por duas vezes.
Em Torremolinos, na praia do Barrondillo.
Apesar de o trânsito ser diminuto, o caminho era lento, a estrada sinuosa e o piso não ajudava. Notavam-se já bastantes quilómetros em obras que obrigavam a curtas paragens sob um sol intenso. Fizemos uma tentativa para almoçar em Almeria, mas foi mal sucedida. O sítio era feio, o sol queimava e a temperatura estava febril. Eu desidratei e perdi o apetite. A Julieta tinha arrepios devido ao calor.
Paragem em uma das muitas estradas em obras na Costa Blanca
No entanto, a paisagem surpreendia pela diversidade. Passámos pelas famosas estufas em socalcos, pelas planícies do Motril e de Almeria, andámos monte acima e abaixo. O talhe da costa, a beleza das falésias, a maresia, foi acompanhando a nossa jornada ao longo de estradas estreitas de piso razoável, mas já com alguns troços em obras.

Na marina de Alicante.
Mas, quanto mais nos aproximávamos de Benidorm, melhor surgia o piso. Alguns troços pareciam já parte do projeto de ligar toda a costa mediterrânica por via rápida, embora continuassem a existir alguns quilómetros em terra batida. Felizmente, não havia muito trânsito: os espanhóis quando vão de férias fixam-se num lugar e não saem de lá. Talvez isso permitisse a alguns animais atravessar a estrada a seu bel-prazer. A nós, calhou-nos um metro de cobra. Ia a caminho do mar. Devia ser uma cobra–de-água.
Alicante. Vê-se o castelo ao fundo que só visitaríamos em 2008, quase 30 anos depois.
Ao fim da tarde, chegávamos a Alicante. Mais fresco, o porto de recreio era o local ideal para nos refrescarmos. Andámos por ali, numa altura em que o acesso até próximo dos barcos era livre. Aliás, como em várias marinas mediterrânicas, incluindo a luxuosa Jose Banus, próximo de Marbella. Pouco depois, na aproximação a Benidorm, foi a altura dos prédios que surpreendeu. Entrámos pela parte mais recente, passámos pela zona antiga – um pequeno núcleo sensivelmente localizado a meio da localidade – e seguimos para as ruas interiores, sinónimo porventura de preços mais aliciantes de alojamento.
Entrada em Benidorm. Gigantismo edificado surpreendente em finais de 80
Depois de uma caloraça violenta, o ideal era descobrirmos um apartamento janota e económico. Aconteceu precisamente isso. “Apartamentos Roma”, lia-se na lateral de um pequeno prédio de 3º andar com um quintal que dava acesso à recepção. Lá, foi uma família holandesa que nos acolheu. Eram os proprietários. Pelo nosso ar ansioso, devem ter percebido que era aquele sítio que nos interessava. Dissemos poder estar uma semana, mas ficámos quatro dias.
Fachada dos Apartamentos "Roma".
Era habitual darmos um passeio para conhecermos os arredores dos locais onde ficávamos alojados. Um dia fomos a Vilajoyosa e no seguinte a Alicante. A primeira pouco diferia em função de Benidorm: também era um lugar de férias. À segunda, fomos de noite. Com tanto "dedo" que, após estacionarmos a moto numa esquina, verificámos que havíamos desembocado no bairro mais "hard" da cidade.
Visita a Alicante
Depois, foi o domínio da praia, das discotecas, da paisagem, de um ou outro passeio pela zona antiga. Numa dessas ocasiões, fomos mesmo surpreendidos pela presença de um amigo, o Toninho, meu vizinho, colega de liceu, companheiro de muitos dias agradáveis. Estava com o Aragão. Jantámos juntos.

Vista da varanda dos Apartamentos Roma: prédios da 2ª linha de praia.
Estávamos alojados a dois passos da praia; a temperatura da água era excelente, quase quente; a areia, e um excelente dourado, rara nas praias mediterrânicas espanholas, era muito parecida com a nossa; os preços não eram exagerados; a praça ficava perto; tínhamos um bar do outro lado da rua; a marginal estava pejada deles. Era impossível abandonar Benidorm.
Alicante
Mas não podíamos ficar ali indefinidamente. Partimos cedo, tomando a mesma estrada que nos levara a Benidorm. O céu manteve-se irrepreensivelmente de um azul claro que só a natureza possui. Voltámos às falésias a espreitar o verde-esmeralda do Mediterrâneo e retornámos o trajeto das aldeias brancas alcantiladas nas escarpas. Foi assim até Málaga.
Paragem em Múrcia para passagem de um andor.
O calor voltou a aparecer, a poeira das estradas a misturar-se com o suor, e as paragens por obras continuaram. Em Múrcia, uma procissão obrigou-nos a esperar ao sol a sua passagem. Tivemos, no entanto, mais ensejo em parar e admirar o que já na ida nos deleitara: a cor do mar, a majestade de algumas falésias, a dimensão do deserto de Almeria.
Torrox, logo após Nerja. A torre ainda lá está.
Voltámos a utilizar Torremolinos como etapa de ligação, preparação para atravessar o fogão andaluz e fritar na frigideira sevilhana. Nós éramos de novo o arroz daquela paelha que o Verão cozinha nesta zona. Tentámos não ficar apenas com a fama. Conhecia a  piscina do Barrondillo de anos anteriores, que era "praticamente" pública para portugueses mais atrevidos. Passámos lá uma bela tarde de lazer, pensando apenas em deixar para trás os quilómetros de obras e esquecer os de calor que nos faltavam. 

Na piscina do Barrondillo, Torremolinos
Sobrevivemos a todo aquele ócio. Mas era preciso continuar, voltar a enfrentar o calor. Recordo, uma paragem em Aracena. Procurávamos uma sombra, desesperadamente. Daí a pouco, demos connosco à porta de uma igreja, cuja rua estreita permitia a tão almejada sombra.
Estava uma tarde extremamente quente. De tal maneira que, também aqui, o asfalto convidada os animais de sangue frio a atravessarem a estrada. Foi o que aconteceu pouco antes da fronteira. Estava uma cobra esticada mesmo no meio do caminho. Tinha a pele escura e confundia-se com o alcatrão. Passei-lhe por cima com as duas rodas. A Julieta até levantou as pernas!
Mais uma paragem devido a obras.
Estávamos a dois passos de Beja. E o calor não dava tréguas. Por isso, resolvemos ficar por ali, alojados numa residencial. Jantámos cedo mas tivemos alguma dificuldade em sair do 1º andar do restaurante onde acompanhámos a refeição com um excelente “Redondo” branco gelado.

1560 escudos: imposto de selo, em 1980, para uma moto de 750cc, com 7 anos.
No dia seguinte, fizemos escala em vila Nova de Milfontes, onde o tempo quente da manhã já contratava com a frescura atlântica. Diz-se que “para ter prazer com a viagem não basta pensar apenas na meta”. Para nós, foi também o circuito que interessou. Mas Benidorm ficou para sempre na nossa memória. Talvez por isso, tenhamos voltado por mais três vezes, a última há cerca de 2 anos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Jardim Botânico

Fica na Ajuda.
Tem duas entradas.
Numa delas, há uma portaria e cobram bilhete.
Entrando pelo portão que fica no lado oposto é gratuito.
Talvez seja uma das originalidades do local,
para além das muitas espécies botânicas que guarda.
 
O jardim parece uma peça de colecção,
de uma colecção guardada há muitos anos,
deixada como no primeiro dia.
De jardim-museu a jardim não se nota a diferença.
É mais um jardim, embora seja um jardim interessante.
Como muitos jardins.
São 4 hectares distribuídos por dois níveis.
Do mais elevado, vê-se o Tejo e a margem esquerda.
São 40 mil metros, mas passam despercebidos de tão inócuos,
se não descobrirmos algumas espécies magníficas.
Fez há pouco 130 anos.
Algumas espécies remontam ao século XVIII,
mas o espaço só foi inaugurado
em meados da segunda metade do século seguinte.
Parece estar ainda nessa época.
Só as espécies se desenvolveram.
É um jardim antigo.
Tem uma concepção antiga, é uma antiguidade.
Tem ar de outros tempos,
de tempos em que havia outros materiais e outras configurações,
objectos e formas como em outros jardins.
 
Está à vista o poder de algumas raízes,
a beleza de muitas flores,
a curiosidade de alguns animais,
o aspecto agressivo de certas plantas,
a invulgaridade de algumas folhas.
 E até há alguns bancos. Mas não muitos.
O jardim tem um ar triste.
Talvez por não ser Primavera
 talvez por o dia estar nevoento,
talvez por haver poucas flores e,
muitas das que se reconheciam, serem comuns.
Viam-se alguns ferros ferrujentos e vidros partidos.
As informações didácticas são fracas.
A paisagem do Tejo compensa.
Não há estorvos para a vista desde Cacilhas à Trafaria.
O som proveniente do exterior parece encontrar barreiras algures.
O sossego é extasiante. O ambiente ajuda.
Deve ser um local muito reposante, por exemplo, para escrever, desenhar, pensar.

sábado, 8 de janeiro de 2011

A Casa do Município de Lisboa

No capítulo político, o edifício está intimamente relacionado com a Proclamação da República em 5 de Outubro de 1910. No domínio da arte, destacam-se os nomes de Ressano Garcia e Anatole Calmels, especialmente no frontão, José Luís Monteiro, sobretudo na escadaria central e, inclusivamente, Pereira Cão, Columbano e Malhoa, ao nível da decoração pictórica.
Com a nova configuração de trânsito da Baixa, é impossível ficar indiferente à dificuldade de passar por aquela zona. Talvez por isso, tenhamos cruzado mais vezes a pé a Praça do Município e notado o edifício. Mas é possível que a proximidade do centenário da República o tenha exposto com mais destaque.
Um dia, aproveitámos uma visita guiada. Apesar de a Praça do Município dispor de um parque de estacionamento subterrâneo, a complicação dos sentidos levou-nos para a rua Nova do Almada onde a falta de estacionamento na rua é tirana. Chegámos atrasados, mas só perdemos as boas-vindas e a introdução.
A recepção aconteceu numa sala ampla, talvez a mais desafogada do edifício. Dá-lhe acesso um corredor que vem do átrio. Apesar da dimensão, a madeira empresta-lhe um ar acolhedor. A toda a volta, e de alto a baixo, há estantes plenas de livros a forrar as paredes. Um pequeno varandim dá acesso às que ocupam a meia parede superior.
Expõem-nos alguns dos momentos mais significativos da história do edifício, mas rapidamente se passa para a enumeração dos imensos vestígios de esoterismo maçónico, quer na construção, quer na decoração. É o número de janelas, a estatuária, as cores das lajes, as formas arquitectónicas exteriores.
Apesar da decoração austera, alguns espaços destacam-se devido a diversas peças, como sejam candeeiros, quadros, esculturas, frescos nos tectos. Os candeeiros da escadaria, os quadros da sala de audiências, a cúpula vista do interior, a escultura do símbolo da cidade, o tecto do salão nobre, são de isso corolário.
Foi dada continuidade à importância das escadas. Além das principais, originais, foi aproveitada a reconstrução devido ao incêndio de há 4 anos, para levantar duas novas que levam ao último piso. Para tal, foram convidados alguns arquitectos portugueses de renome.
A cúpula do edifício também foi reconstruída. O telhado tem acesso a partir de uma sala de estar minimalistamente decorada. De lá, é possível vislumbrar a colina do castelo, o Tejo, e os telhados dos ministérios e dos edifícios em redor.
É evidente que a preservação de uma obra arquitectónica e politicamente relevante é indispensável. É notório que o edifício da Câmara tem sido de isso corolário. Mas não deixa de ser curioso como mesmo os republicanos mantêm uma certa “tolerância” sobre o ambiente palaciano que a monarquia erigiu. Afinal trata-se dos "Paços" do Concelho que ainda possui uma sala "nobre".

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Giro dos Miradouros

 

Foi giro, este giro. Pelas novidades e pelos nadas. Novidades, três: trepar o miradouro da Senhora do Monte e acercarmo-nos dos da Graça e das Portas do Sol. E ainda outra: o miradouro do Torel estava aberto. Nadas: não vislumbrámos mais de meia dúzia de metros à frente dos narizes, tal estava o lençol nevoento que envolvia a capital. Mas houve mais singularidades.

Saímos do Miradouro de São Pedro de Alcântara embrulhados na névoa. Não víamos sequer a avenida da Liberdade que se estendia em baixo, ali a dois passos. Passos que passaram a ser muito cuidadosos. Com tanta chuva nos dias anteriores, a erva invadia os interstícios dos paralelepípedos. Asfalto e passeio escorregavam bastante.

No ano passado cada bilhete custou 1,35€. Mas agora foram 3€ que nos pediram para subirmos no elevador do Lavra. Um preço de turista. Imagine-se o custo para uma família de 4 pessoas: é um almoço. Ficaram sem clientes. Subimos a pé e sobrevivemos. A chegada ao topo foi feita em grupo. Foi a primeira prova de que estávamos todos em boa forma.

Daí a pouco, enfiámos como se fosse uma estreia pela entrada que dá acesso ao miradouro do Torel. Pavimento, jardim, equipamentos, escadas, corrimãos: tudo novo. É um espaço em socalcos, onde não falta um pequeno lago. Só não se distinguia a avenida. Tal como no de S. Pedro de Alcântara, também neste miradouro o nevoeiro se mantinha.

Continuámos para o Campo Mártires da Pátria, passámos entre S. José e o Desterro e chegámos à Almirante Reis. A novidade era agora passar próximo do Intendente. Diz-se que naquele palco o folclore mudou. Mas ainda há alguns ranchos manhosos por ali e umas “linhas” de cocaína por acolá. Vida difícil, bem mais íngremes do que algumas ladeiras. Travessa do Bemformoso: que nome mais falho!

Mais uma quantidade de degraus em viela a desembocar na Bombarda, uma rampa e nova escadaria até ao frondoso miradouro da Senhora do Monte. A névoa permanecia. Sem vista para o castelo ou para o Baixa, ficámos pela ermida da Senhora do Monte, de final de século XVII. No interior, além da cadeira de S. Gens, um presépio do género “Machado de Castro”. Não se pode fotografar nem filmar.

Depois, fomos a caminho da Graça. Passámos pelo antigo quartel, onde alguns de nós fomos “inspeccionados”, hoje comando da GNR. À frente da igreja da Graça, voltámos a não conseguir ver um palmo à frente dos olhos... bom, já divisávamos alguns metros, poucos que mal passavam dos telhados próximo. Aquele miradouro chama-se agora "Sophia de Mello Breyner Andresen".

E do das Portas do Sol, também o rio parecia confundir-se com o céu. A névoa tinha vindo para ficar. Passámos na chamada muralha Fernandina e descemos a espreitar um airoso pátio alfacinha. Emperrámos diante de uma raiz gigantesca, passámos pela Sé e virámos a caminho da Casa dos Bicos (que volta a estar em obras…).

Agora era percorrer a plana zona ribeirinha passando pelo Terreiro do Paço, pela Praça do Município, enfiar pela rua de S. Paulo e descobrir o prédio onde mora o elevador da Bica. Foi um percurso suave, considerando o sobe e desce da Graça. Plano e bom caminho, um pouco sombrio e fresquito. Por ali, Lisboa mantinha-se sossegada. Havia pouca gente já sentada no elevador e, por isso, coubemos todos na mesma viagem.

Pediram-nos outros 3€. O preço turístico já não abrange apenas o elevador de Santa Justa. Pagámos, entrámos e distribuímo-nos pelas 3 plataformas do elevador. O preço inclui “sobe e desce”. Ficámos com a possibilidade de voltar e descer gratuitamente. Deve ser o preço mais elevado por metro percorrido dos transportes públicos de Lisboa.

A subida é divertida. Com o elevador cheio, parece que não arranca. Depois, de um salto, começa a escalar o bairro da Bica. Arrasta-se a uma velocidade comedida, permite olhar as casas e espreitar as ruelas. A viagem dura escassos minutos. De Santos ao bairro Alto é um instante. Lá do cimo, porém, a vista não chegava ao rio. A névoa não dava tréguas.

A Bica é gira. Parece um esqueleto. A coluna vertebral é a Calçada da Bica de Duarte Belo (por onde trepa o elevador), de onde saem vértebras inclinadas que são as travessas, com casas de habitação encavalitadas nos dois outeiros. Em cima, desemboca-se na orla do Bairro Alto. Ali perto, fica o miradouro de Santa Catarina. Não estava vivalma, à excepção de um pássaro que esvoaçava sobre a estátua do Adamastor.

Pouco depois, embrenhámo-nos no Bairro Alto. A aridez habitual a esta hora da manhã contrasta com a multidão que cruza habitualmente estas ruas até de madrugada. Voltámos à passagem estreita de andaimes que seguram há anos uma ruína. Num instante, voltámos ao miradouro de S. Pedro de Alcântara. Já se vislumbrava a Avenida, mas do castelo de S. Jorge pouco ou nada se entrevia.

Andámos em veloci-dade moderada. Pará-mos frequentemente para apreciar um car-taz mais divertido ou reflectir em locais insuspeitos. Éramos 16. Percorremos cerca de 6,5 quilómetros. Partimos perto das 10:30 e chegámos próximo das 13:00. Era o que estava previsto. Mas não adivinhámos o véu brumoso que cobria Lisboa.

Música: Frank Zappa's Bolero