sábado, 11 de abril de 2009

No Vale do Ceira


Passara por lá há quase uma década, no âmbito de um encontro internacional de motociclistas, organizado pelo Caldeira (MCP), sob a égide do Grant Johnson, do Horizons Unlimeted. O passeio matinal (para o único que possuía moto de estrada) resumir-se-ia ao circuito Góis, Candosa, Cadafaz, Góis. Assim foi. Enquanto deambulava com a Pan pelo asfalto das estradas que marginam o Ceira, ouvia as “cabras” lavrar os espectaculares montes que envolvem o não menos admirável vale.

Desta vez, voltei acompanhado para recordar aquele verde de pinhais eriçados das encostas xistosas. É uma imagem deslumbrante que se fixa no olhar e na memória. A altitude, o panorama, a harmonia de cumprir o perfil do relevo.

É o declive que marca outra diferença, o horizonte novos contrastes. A estrada enrola irrepreensivelmente ao longo das encostas. No fundo, corre o Ceira, ora estreito em sobressaltos, tranquilo entre margens abruptas, ou sossegado em açudes.

A lousa é presença constante, identidade local a par do rio, da água das minas, das árvores nas vertentes. A ardósia domina as casas, os muros, os caminhos; a água serve os campos, as culturas, a paisagem; o rio, embora recôndito, liga todo o vale; a floresta, aqui e ali, apodera-se do resto do horizonte.
Se o que está à vista surpreende, o que não está à superfície arrebata: o engenho, o orgulho e o sonho das pessoas. O primeiro, passa pelo sistema de levadas, mecanismos capazes de levar a água das minas ou dos cursos de água até às culturas, ou de maneira a produzir energia capaz de mover pesadas mós. Na Candosa, eram os canais de meia cana que canalizavam a água que vinha da mina de cima para a nora e para as diversas hortas da vertente. O orgulho ouvia-se na nomeação da aldeia como terra opulenta, o sonho percebia-se nos projectos de recuperação e melhoramento, que confrontam o abandono e o isolamento.
Mas nem o afastamento ou a solidão retraem os locais a encetarem contactos, directos e vivos, com os forasteiros. Ao contrário, são os próprios que indagam, comentam, provocam, sugerem, convidam. São eles que falam de si mas sobretudo da sua terra, do que foi, do que é, do que querem que seja. E os outros, nós, estamos nesse programa, nessa intenção de sermos testemunhas da preservação de um património, uma herança que motiva e empolga.

Música: Passport, Daybreak delight