quarta-feira, 25 de março de 2009

Ao Longo das Falésias desde a Foz do Lizandro


Março 2009
O mar está lá, omnipresente, extenso, a perder de vista, homogéneo de azul. A separar-nos, rochas brutais, barreiras que defrontam aquele império. Flores, uma ou outra entre calhaus ou véus de folhas esverdeadas. Vegetação rasteira, veredas, uma ou outra cavidade, alguns sulcos, penhascos. Dos mais altos, abrange-se o mar, o oceano, quase a curva do mundo. De tão intensa, porém intangível, a sensação de poder espraia-se nessa sua inutilidade. O estar lá mistura quimeras, teimosias, inspirações, sentidos, sensações, desafios. Anda-se ao sabor do recorte, da charneira entre o mar e a terra. Olha-se o oceano, vigia-se o chão, espreita-se a escarpa. Há brilhos trémulos no mar, cores e texturas ímpares nas arribas. No fundo, há línguas de areia e rochedos sem ordem. As gaivotas são as únicas que cedem ao vento e olham para terra. Vamos até onde o declive parece seguro e a cautela alvitra. Caminhamos pelas falésias, num trilho entre mundos.

Música: Sahara of snow, Bill Bruford

terça-feira, 17 de março de 2009

BILBAO. Do Casco Viejo ao Guggenheim, do Nervión a Portugalete

















Sonhar não é esperar.
Miguel de Unamuno

Agosto de 2007

Há um quintal de anos, havíamos deixado Bilbao com a sensação de que a cidade estaria ainda mergulhada nas trevas medievas ou no sufoco da revolução industrial novecentista. Tal era o aspecto medonho das fachadas das fábricas, o negrume das paredes, o mau estado das estradas… independentemente da agradável cintura vegetal que a envolvia e continua a envolver.


Desta vez, porém, o contacto com a cidade foi bem mais divertido. Começámos por nos sugestionar pelo verde envolvente, para imediatamente a seguir nos perdermos no labirinto da zona nordeste, trepando entre urbanizações alcantiladas, com ruas estreitas, algumas delas sem saída… Errantes na estreia basca.

Depois, percebemos que a zona histórica – conhecida em castelhano como Casco Viejo - tinha muito do que nos encanta: ruas estreitas, edifícios com fachadas cativantes, praças de configuração medieval. Percebemos, no entanto, que o trânsito automóvel estava condicionado, e o acesso a certas áreas, como sejam as de hospedagem, apenas se fazia a pé. Resultado: estacionamento ao largo e passeio pedestre surpresa com malas e bagagens.

A cidade é escura e sombria, porem, limpa e arranjada. É a cintura florestal de forte coloração, cerrada e abundante, além da cor turvada das fachadas, que parece escurecê-la. Esse facto, contrasta com a limpeza urbana, a disposição das floreiras, canteiros, a distribuição de bancos de jardins, iluminação, organização do estacionamento, fachadas limpas, etc. Sente-se a proximidade coquette de França.

Também os arredores parecem ser território gaulês, especialmente devido à arquitectura das casas aldeãs – telhados pretos, em bico, muitas flores, portadas em madeira – quer seja pelos bosques que se estendem até à costa. Envolvido por essa vasta teia de ramagens, está o
castelo de Butrón, do século XIII, testemunha quer do estilo medieval francês, quer da história da região. Uma visita obrigatória.

As ruas mais antigas da zona histórica de Bilbao, mantêm uma perpendicularidade irrepreensível, e permitem caminhar ora sobre uma espécie de pequenos azulejos, ou sobre grandes lajes de pedra. Com temperaturas elevadas – como fossem os mais de trinta graus que se faziam sentir - é excelente poder contar com a frescura proporcionada pela protecção dos edifícios esguios nas ruas estreitas. É forçoso calcorreá-las.

Proeminente, a
Catedral gótica de Santiago, um edifício de finais do século XIV, partilha a zona com comércio de proximidade, boutiques, hotéis de charme, bares, restaurantes, e habitação. Muitas das edificações antigas, que mostram uma grande diversidade de estilos arquitectónicos – desde os renascentistas aos modernistas - estão recuperadas. É um espaço emblemático e sedutor.

Do outro lado do rio, a Estação da Concórdia, ou de Santander, abriga-se num edifício modernista do início do século XX, que conjuga pedra, ferro e múltiplos elementos de decoração. À noite, é a sua iluminação delicada que chama a atenção. Um cenário sublime.

Embora seja extensa, a cidade basca é das mais pequenas capitais de província espanholas. O núcleo antigo não é grande. Com as congéneres, partilha muitos aspectos urbanos ruins, como sejam a falta de estacionamento, alguma poluição viária, atroada da circulação, algumas fachadas escurecidas, preços relativamente altos. Porém, dispõe de um conjunto importante de museus, de palácios, de igrejas, de edifícios novecentistas, de edificações singulares. A plaza Unamuno, o teatro Arriaga, e a plaza Nueva são, entre outros, excelentes locais a visitar. Há frescos excelentes, pintados nos tectos de algumas galerias.

Ao longo do rio estende-se uma espécie de varanda suspensa, que permite passear pelas margens, observando as encostas de Bilbao. Aproveitámos o passeio pedestre quando nos dirigimos ao Guggenheim. É uma caminhada agradável que culmina perto de uma ponte estilizada, que parece quase da autoria de Calatrava. É a pé que melhor se chega ao charme do museu.

Depois, passa-se por uma instalação artística – uma espécie de contentor de lixo – e podemos subir uma escada sem destino, antes de depararmos com uma escultura enorme, de uma aranha grávida. E ficamos praticamente com os pés dentro de um lago raso que separa o passeio do museu. A água, a compensar o volume do edifício.

Já antes, o Guggenheim dominava a paisagem, com as suas formas oblongas, e os contrates entre as superfícies metálicas e de vidro. Lá dentro, é notória a dimensão do pé direito da recepção, cujo espaço amplo leva às plataformas de que todos os andares dispõem para ligar as diversas salas de exposição. Responsável pela obra, o arquitecto Frank Gerry.

A norte, é o rio que fecha o Guggenheim. A entrada faz-se a sul, ao fundo de uma escadaria que, no cimo, deixa uma escultura gigantesca de um cão florido. De um dos lados, é um jardim de configuração distinta que envolve o museu. Do outro, um viaduto que dá continuidade à ponte antes mencionada. O museu evolve escoltado pela diversidade da metrópole.

Expunham obras de Anselm Kiefer, pintor e escultor alemão, baseadas em temas da Segunda Grande Guerra e do Holocausto, e ainda gravuras do mestre renascentista Albrecht Dürer. Além disso, o museu apresentava no piso térreo uma instalação com finas chapas de ferro estilizadas, com cerca de três metros de altura, em equilíbrio aparentemente estável. Uma manhã ao longo da arte, exposta e edificada.

Continuando a caminho da foz do Nervión, chega-se à localidade de Portugalete, praticamente na confluência do rio com o Golfo da Biscaia. É aqui que a ponte suspensa faz pasmar. Centenária, a ponte Colgante transporta uma enorme balsa suspensa por cabos, que pende de uma plataforma que liga quatro torres, duas de cada lado do rio. A balsa transporta veículos e pessoas entre Portugalete e Arenas. Uma obra única em ferro do final do século XIX.

Pouco mais de uma dezena de quilómetros separam do núcleo histórico e artístico de Bilbao de Portugalete. Ao longo dessa distância é notória presença de património industrial, algum abandonado, outro degradado, que leva à zona portuária, também ela pouco apelativa e tristonha.

Depois, uma das opções é seguir por Armintza, rumo a Bermeo, regressando à capital basca pela histórica Guernica. É deambular entre falésias altivas, descer a agradáveis enseadas e percorrer os elegantes outeiros das aldeias campesinas bascas. Um cenário diferente, porém mais agradável do que há um quintal de anos.



Música: After the Rain, John Abercrombie e Larry Coryell