sábado, 23 de fevereiro de 2008

Elogio da costa alentejana



















Vila Nova de Milfontes com o CPEP
09 Fevereiro 2008

Roendo uma laranja na falésia,
Olhando o mundo azul à minha frente.
Ouvindo um rouxinol nas redondezas,
No calmo improviso do poente
Carlos Tê


O tempo estava agradável. Uma leve brisa, fresca, não comprometia os quase vinte graus previstos. Em pleno Inverno, não se pode exigir melhor.

A proposta era tentadora. Uma caldeirada em Vila Nova de Milfontes, indo de moto, com amigos motociclistas. É o mínimo que se exige.
A expectativa cresceu. Um dia, com gente catita, a andar de moto, pela costa alentejana. Exigir mais?

Era o primeiro evento do Clube, este ano, cá dentro. Não é preciso exigir. Mais tarde ou mais cedo, acontece.

Com uma manhã luminosa e provocante, o motivo para atravessar o Sado, de barco, estava justificado. Lá, entre a península e a serra, a charneira de mar e rio é um cartão de visita excelente da costa alentejana.

Tróia já não resiste ao avanço do betão, como subsistia aos assaltos gregos. Mas, por enquanto, a travessia ainda dá um dos lados à serra que, apesar de esventrada, insiste em acentuar o verde da barra do Sado.

Previa-se que houvesse troços onde a raiz dos pinheiros rompesse o asfalto em apneia. Assim foi. Entre um e outro salto mais caótico, conseguimos seguramente não bater em todos.

O que não estava previsto foi o organizador ter sido obrigado a prescindir da Pan, a do Armando ter perdido muitos cavalos a sair do barco em Tróia, o Trica Espinhas ter sido um excelente local de concentração antes do almoço, a chegada a Vila Nova estar em obras, e não termos sido alertados para que a refeição seria das se estendem até ao próximo eclipse.

Tal como todos os almoços anteriores, este também não brotou de geração espontânea. Como se um não bastasse, foram dois Barrigas a encomendar o assunto. Como estão “em casa”, a coisa faz-se com alguns panelões que vão abastecendo pratos rasos, de sopa e de sobremesa. E podem ser todos com a mesma essência.

Resta acompanhar à viola, como o fizeram os convivas da mesa do fundo, convertidos entre uma trova com sotaque e um fado sem silêncio.

As gerações também se fizeram representar. Três de Barriga’s, as mais recentes dos Santos e dos Pontes, e até as das Pans se manifestaram com uma ou outra ST que reaparecia.

Se apetecia ficar a olhar o fim da tarde na foz do Mira, mais provocante estava o rubor do sol a esconder-se antes de Alcácer, ou se revelava nítida a silhueta de Lisboa oriental.

Milfontes amparava o Mira, cujo leito se despede com aparente serenidade do castelinho e do farol.

Porto Covo, onde se "roía uma laranja na falésia", parece um oásis, entre a rudeza pétrea dos penhascos costeiros e a aridez de cor dos campos limítrofes. Aos pés, protegidas por xistos e basaltos, abrem-se praias em concha, aliadas na maré baixa.

São Torpes, porém, destaca-se. Apertada e extensa, acolhe sempre como nómada, oferece o que tem de melhor e não precisa fazer disso alarde. Ali, é o brilho argênteo da água que atrai, a proximidade da areia, a planura da praia, os cenários gémeos de céu e mar.

É um Alentejo diferente. Distintas são as profissões (pesca-se e navega-se), a luz, a cor e o cheiro (o mar é decisivo), a paisagem (a falésia é determinante). Mas é o todo que deslumbra.

Depois de invadir o bosque que leva a Pinheiro da Cruz, deambular pelas voltas de Melides, dar largas às rectas de Sines, vislumbrar a serenidade do mar em São Torpes, rumar ao longo das falésias de Porto Covo, actualizar a conversa em Milfontes ao sabor da caldeirada, o regresso farto já não é glória, é prelúdio da próxima jornada.

Por mais que o adágio porfie que “se não deve voltar onde se foi feliz”, a costa alentejana parece estar imune à voz do povo. Não está ilesa, porém, de mais dia, menos dia, nos desvendar de novo.




Música: Alhambra Trance Flamenco
Álbum: Alhambra
Autores: Oliver Shanti & friends


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Alfama. Olhar o Tejo por Entre o Casario



















Lisboa de Séculos

No castelo ponho o cotovelo
Em Alfama descanso o olhar
E assim desfaço o novelo
De azul e mar,

i
n Lisboa, Menina e Moça,
de Ary dos Santos


Pertenceu, até há pouco mais de uma trintena de anos, aos descendentes do vice-rei da Índia, Afonso de Albuquerque. A Casa dos Bicos fica aos pés de Alfama.
Daí, atrevemo-nos por um túnel e trepamos à Sé. É perto e bom caminho. Lá em cima, recebe-nos a fachada românica afonsina, um cenário de séculos, do século da nossa nacionalidade.

É o estilo gótico que (me) surpreende (sempre). Simples, austero, estreito, alto, poderoso, o espaço compele à contemplação que leva à devoção. A nave central da sede da Caixa Geral de Depósitos, por exemplo, imita-lhe o estilo e o propósito.

De lá, apetece subir ao castelo. Mas é uma placa a indicar “Teatro Romano”, que altera o intento e motiva a entrada. Lá dentro, envolvem-nos vestígios de frisos, colunas, bustos e capitéis do teatro romano de Lisboa. Num instante, foram dois milénios que resgatámos. As ruínas são do início da era cristã.

Há outro piso que reúne mais peças e dá outra perspectiva das paredes do monumento. Das janelas, avista-se um Tejo tranquilo. Fora, como miradouro, uma espécie de varanda larga encontra o edifício contíguo e abre para a rua das traseiras. Atravessando-a, há mais teatro. Percebem-se paredes, colunas, bancadas num espaço mais amplo.

Depois descemos, a caminho do miradouro junto da Cerca Moura. Fica logo após um pano de muralhas mouriscas de dez séculos. Regressamos ao medieval.

Para baixo, as ruas estreitam, é Alfama, o antigo bairro mouro Al Hamma. Já lá vamos. Para cima, é a igreja de São Vicente cujo interior barroco e monumental esmaga. Depois, a passagem pelo terreiro da Feira da Ladra leva à Igreja de Santa Engrácia, vulgo Panteão Nacional, de arquitectura invulgar, já que se trata de uma igreja circular.

Muitos nomes da História nacional estão lá sepultados. Amália Rodrigues é quem monopoliza as romagens. Do alto do zimbório, após meia dúzia de lanços de escada, a vista vai de novo ao Tejo, ao porto mercante, ao convento de São Vicente, a arquitecturas recentes da capital.

Daí a pouco, o espaço aperta, recomeça o labirinto mourisco. Aparecem becos e pátios, entre vielas que, em escadaria, serpenteiam Alfama. Chefchaouen, em Marrocos, só é mais azul.
As janelas estreitam-se e encolhem, as portas mirram, a roupa aparece a secar, os cães surgem à janela. As pessoas aproximam-se, ouvem-se as conversas, entra-se em contacto.

Confudem-nos com estrangeiros. Descemos com paroquianos acompanhados pelo prior. As missas dominicais adiavam-se para o fim da tarde.

Descobrimos um recanto simpático, logo após passarmos pela porta lateral dos "banhos públicos". A Xauen marroquina salta imediatamente da memória e estala de semelhança.

Estão velhas, muitas habitações antigas. Algumas rivalizavam com as ruínas romanas, ali perto, a dois mil anos; outras, já foram recuperadas, com cores quentes, janelas com molduras de pedra, estores metalizados, gradeamentos pintados.

Mais abaixo, à imagem do Panteão, nova capela, também circular, muito iluminada pela luz que vem do rio. Voltamos a olhar o Tejo, ali aos pés.

A descer, o dédalo atenua-se, mas o aperto das ruelas resiste. Há mais pátios, onde rompem algumas lojas e restaurantes, casas de fado.

Desembocamos quase na margem do rio, com a sensação de que abandonámos uma fortaleza, cujos meandros dificultam a progressão, mas aproximam as pessoas que lá vivem de si próprias e dos outros que as visitam.

No final, uma rua estreita leva a uma viela. Ao fundo, um revistimento diferente nas paredes de uma casa grande. É um palácio que ainda resiste ao tempo.

Tal como este bairro de séculos…




Música: Asas Sobre o Mundo
Álbum: Dialogues


Autores: Carlos Paredes e Charlie Haden

domingo, 17 de fevereiro de 2008

De Ciudad a Xauen





















Pelas terras de D. Quixote
Final de Dezembro de 2007

“- acudam, senhores! depressa! valham a meu amo, que anda metido na mais renhida batalha que estes olhos nunca viram! Deus louvado! pregou já uma cutilada no gigante inimigo da senhora Princesa Micomicadela, que lhe cortou a cabeça pelo meio como se fora um nabo.”
D. Quixote de La Mancha (1605), de Miguel de Cervantes [Saavedra] (1547-1616)

O espaço estremenho que atravessa La Mancha e leva a Ciudad Real não surpreende. O ambiente imita a planura e a vegetação rasteira alentejana e, só à passagem sobre o Guadiana - o Wadi Ana árabe - o relevo se agiganta.

Enquanto novidade, Ciudad não espanta. É uma cidade calma, de gente sóbria, edifícios baixos, espaços sensatos, apesar do estacionamento exíguo e da manutenção urbana não parecer eminente.

A Plaza Mayor é, como habitualmente, um sítio vital da vida comercial e turística, além de passeio obrigatório das famílias. Não tem a dimensão monumental das congéneres de outras urbes, mas a arquitectura do edifício da Câmara, de um rendilhado particular, bem como um mecanismo constituído por bonecos robôs. marca a diferença.


Perto, a igreja gótica de S. Pedro, de século XVI, depois a Catedral de século XVI, e o Museu Municipal que ocupa um edifício antigo.

Mais longe, um pequeno pano de muralhas passa quase despercebido, mas a Porta de Toledo, uma relíquia do passado árabe, domina no periférico a rotunda que leva a norte. Tudo isto sobre uma planura imaculada, que permite percorrer toda a cidade a pé sem grande esforço.

A meia dúzia de quilómetros fica Calatrava La Vieja. Vê-se ao longe, no horizonte da ainda campina irrepreensível. É lá que o pequeno cerro que eleva o castelo espanta, raro local para edificar uma urbe que chegou a ser o local mais povoado entre Córdoba e Toledo, até ao século XIII.

É sobretudo o gigantismo dos sistemas hidráulicos, o perímetro das muralhas (1,5 kms) e o número de torres (44) que a fortaleza teria, que permite imaginar a dimensão passada do lugar.

Mas ainda é visível a extensão do Alcazar (1ha), a existência de um fosso (que era inundado artificialmente), entradas assimétricas, uma torre pentagonal em proa, várias torres albarrãs.

Inimaginável foi, porém, o vislumbre dos modelos dos engenhos hidráulicos, capazes de transferir a água do rio passando-a acima das muralhas, através de alcatruzes gigantescos.

Seria, porém, o complexo arqueológico de Alarcos a deslumbrar, situado do lado oposto a Ciudad. Foi difícil dar com o monte, mas, uma vez descoberto, percebe-se que a dimensão vai além do lugar de Calatrava la Vieja. Há vestígios, bastantes e notórios de ocupação ibera (ainda se percebe a planta das casas e as ruas), e ruínas medievais (um castelo árabe e uma ermida românico-gótica).

Do monte onde o castelo está implantado, a vista domina todas as elevações e campos em redor. A fortaleza esteve soterrada durante séculos, tendo sido de novo exposta nos anos 80, mas actualmente ainda é alvo de escavações arqueológicas, uma vez que se estima existirem ainda bastantes vestígios de ocupações do solo enterradas. Há poucos anos, junto de uma das muralhas viradas a sul, foi descoberta uma espécie de vala comum onde foram sepultados os cristãos que pereceram na batalha.


Um cemitério árabe antecede a escada de acesso ao castelo, em cujo interior ainda é perceptível a planta das habitações do século XII. Próximo, uma ermida em bom estado de conservação, com uma rosácea excelente. Mais abaixo, uma loja, um pequeno núcleo museológico e um auditório que projecta um audiovisual sobre a história do lugar. Duas horas, uma guia excelente, uma profícua lição de História.

Almagro já foi uma localidade opulenta. Os pórticos e os brasões de algumas mansões assim o testemunham. Possui uma Plaza Mayor peculiar, com edifícios de 2 pisos e duas galerias comerciais paralelas que envolvem um jardim raso. A localidade é acolhedora, mas faz frio… o mesmo que estava de manhã, dois negativos.

Em Calatrava La Nueva, porém, o ar aqueceu. Fosse do vale que lá leva ou da excitação daquele horizonte casto, a verdade é que é difícil ficar indiferente ao local. Construído no píncaro de um monte aguçado, o convento-castelo é uma obra formidável.



Tem acesso moroso e difícil, complicado e estreito no interior. As muralhas são altíssimas, o ingresso no átrio de entrada obriga a serpentear e a entrar numa espécie de pátio coberto. As dependências são inúmeras e percebem-se bem as divisões do convento, os espaços de outras habitações, uma ermida da Ordem, uma igreja esplêndida e os vários panos de muralhas que envolvem a fortificação.

Do cimo, a vista é impressionante, vislumbrando-se alguns cumes acima do manto de nevoeiro que esconde os vales limítrofes. As pedras estão imaculadas devido à recuperação de que foram alvo. Lê-se que o Estado utiliza desempregados para aqueles trabalhos de restauração...


Depois foi Jaen, a antiga Xauen árabe, a estender-se em redor do monte que alberga o castelo de Santa Catalina. Tal como a fortaleza de Calatrava que havíamos visitado de manhã, este eleva-se a duas centenas de metros de altitude sobre a cidade e estende-se ao longo uma crista rochosa impraticável. Algumas das torres ainda estão perfeitamente conservadas, assim como o pano central de muralhas. O interior ainda alberga algumas divisões, sobretudo na torre principal, onde tem lugar a apresentação de um vídeo sobre a história do castelo. Outro panorama extasiante.


Desce-se à cidade e passa-se pela catedral a caminho das zonas comerciais e dos bairros mais antigos de traça árabe. Tal como as catedrais de Barcelona ou Burgos, também a de Jaen dispõe de um local central destinado a reuniões e concílios, além de capelas laterais ricamente decoradas com uma profusão de talha dourada.

Como habitualmente, foi um périplo com uma forte incidência medieval. Todavia, rara foi a presença de D. Quixote, o cavalheiresco fidalgo esquálido – o tal da “fraca figura” – ou do fiel Sancho Pança, o seu rotundo escudeiro.

Omnipresentes, muitos e saborosos acepipes típicos, como as migas, o pisto manchego, os tiznaos… surpreendente, afinal, foi mesmo um reserva tempranillo Valdepeñas com mais de dez anos, a preço de vinho comum.





Música: Senhor, perlos nostres peccatz
Álbum: Batalla de Alarcos, 1195
Autor: Eduardo Panagua



terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

1º Alcatrão do MC Lisboa

28/29 de Junho de 1986

"Houve precisamente o número de inscritos que se esperava para esta Concentração, cerca de 200 participantes vindos de diversas partes do país e estrangeiro", in Motojornal, Agosto 86

Foi assim que o Tó Manel, um dos impulsionadores da Concentração, abriu o artigo que escreveu para a célebre Coluna dos Motards da Motojornal.


Ainda a imposição do imposto de luxo vigorava sobre as motos, as Honda sete e meio e as Kawa 900 eram as motos de referência, existia a Butimoto Corba, o Toni Contente e o Manuel João limpavam as corridas, e a rapaziada de Lisboa se juntava na Mexicana, quando um grupo de carolas reactivou o antigo Moto Clube de Lisboa.

E a verdade é que até organizaram uma Concentração – o 1º Alcatrão – no miradouro de Santa Eufémia, em Sintra. Não se nota, mas foram os Xutos e Pontapés que tocaram nessa noite, onde era difícil perceber se o pó que andava no ar era dos ‘burnouts’ das dois e meio ou dos charros do Zé Pedro.

Os bigodes, as “nakeds”, o cabedal, moto clubes que já não existem, motos que já ultrapassaram há muito o rótulo de clássicas, enfim um marco do renascimento do associativismo motociclístico da capital, está aqui, em imagens bastante manhosas mas catitas… de quando o Tó Manel, a Marina Ramalhete, o Luís Bomba, o Manuel Gomes, o João Rei, o João Caldas, o Amadeu Pereira, o Armando Borges, o Manuel Gama, e eu, reinventámos um moto clube.

Apurem a vista, reparem bem e vejam se descobrem na versão anos 80, as identidades daqueles miúdos cadavéricos cheios de genica que aparecem nas imagens, muitos capazes de serem avôs e terem guardado uma Suzuki 750 GT, uma Yamaha 750 XT ou uma Honda 350 Four, para os netos …

É fácil descobrir que não foi o amadorismo da logística, nem a esclerose de alguns modelos, nem sequer a poeira do trilho a desmobilizar aquela rapaziada, que ainda não se inquietava com os últimos modelos, com os capacetes da moda, com roupa de marca, se eram motociclistas ou motards…

Muitos juntavam-se em Vila Real, em Jarama, em Santo André, em Paris. Quando todos se conheciam… Vão conhecer alguns, seguramente! Vejam o filme!


Música: Baba O'Riley

Autores: The Who

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Entre Pessoas e Lugares


Passeio de Inverno, com o Clube PanEuropean de Portugal
Novembro 2007

O grande slogan promocional da RTP para promover os seus primeiros Jogos Sem Fronteiras, que tiveram lugar em Albufeira há mais de duas décadas, apregoava haver “365 dias de sol no Algarve por ano”. No dia do “directo” choveu …

Não foi, porém, o nosso caso em finais de Novembro do ano passado.
Saímos tarde de Liboa, já com o entardecer a acompanhar as longas filas de trânsito que levavam à outra margem do Tejo. Aproveitámos a companhia dos Menaus, a ausência de vento e o trânsito diminuto. O céu alentejano, breu de limpo, salientava as luzinhas das aldeias alentejanas.

Andámos rápido, a caminho do restaurante Três Palmeiras, em Areias de S. João. Ao fim da noite, já de uma varanda do Cerro Mar, o aparthotel que nos recebeu na parte alta de Albufeira, pudemos disfrutar do contraste enre o horizonte límpido daquele anfiteatro de casas alvas e dos brilhos prateados do mar algarvio.


De manhã, uma ligação a Estói, para um café e um caldo de cultura na estação arqueológica de Milreu. Entrámos na Roma antiga pela mão do guia que estudara Antropologia em Bergen. Passeámos sob o primado da romanidade enquanto raiz do nosso ser, fazer e pensar actual, entre a história do lugar e as estórias do nosso presente.

Depois, rodámos para Faro. Realçadas pela presença do sidecar Zeus, as Pans estacionaram em plena praça D. Francisco Gomes, não sem antes termos percorrido “Vila Adentro”, como assinalado à entrada do Arco da Vila, no centro histórico.

Circulámos pelo interior das muralhas, rodeámos a estátua de Afonso III, passámos à Sé Catedral e saímos pela Porta Árabe.

Almoçámos na serra algarvia. De lá, saímos por entre as alfarrobeiras, estevas e sobreiros, numa toada serena e harmoniosa, suficiente para balançar um pouco mais as suspensões das Pans, depois carregadas com pacotes de bolachas de mel e de alfarroba da doçaria Tesouros da Terra.

Parámos na sede do carismático Moto Clube de Faro, que tanto tem feito pelo motociclismo nacional. Ser recebido de braços abertos é um privilégio! Aproveitei para “pagar” uma dívida de anos ao Zé Amaro, o ainda hoje presidente do MC Faro.

É que, no final dos anos 70, num célebre regresso de Jarama, em terra de nenhures, me deu a única vela suplemente que levava na sua Honda 750 Four, pequeno acto de solidariedade, suficiente para identificar o excelente carácter de um indivíduo.

Depois, voltámos ao Cerro Maior, guardámos as motos, jantámos “em família” e descemos à baixa de Albufeira, nessa noite bastante sossegada.

De manhã, o tempo brindou-nos com um sol excelente, a iluminar tudo e todos como só no Algarve acontece, coagindo-nos a ficar ou, pelo menos, a demorar. Daí o périplo pedestre que efectuámos pelos novos e renovados recantos e miradouros de Albufeira.

Ao longo das duas horas e meia de almoço em Messines, fizemos o que de melhor sabemos: conversar sobre o que nos rodeia, as nossas preocupações, desejos, fúrias, passando por aqueles instantes íntimos de evocação de Passeios anteriores ou deambulações motociclísticas por territórios de Jabugo a Aracena.

Abandonámos o Algarve aos seus. Mais tarde, de um lado, a lua recebia-nos com aquele tom alaranjado, tão acolhedor como auspicioso, a fechar um fim-de-semana fértil em convivência, festim e digressão.

Do outro lado, o sol desenhava o relevo com contraluz de negro/vermelho e deixava no Atlântico um horizonte de devir bonançoso. Antes, o Alentejo cercara-nos de um anoitecer límpido, mas algo ventoso.

Chegámos a Lisboa envolvidos por um ambiente cálido, quase estival, contrastado e cintilante. Quer a fila de faróis que se estendia pela ponte Vasco da Gama, quer a miríade de luzes urbanas da parte oriental de Lisboa, pareciam antecipar cenários à época natalícia que se aproximava.





Música: Peaches En Regalia (prt 1 e 2) e Happy Together (prt 2)

Autor: Frank Zappa

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Sintra nocturna: serra acima, por entre a névoa
















Caminhada em SINTRA
7 de Dezembro de 2007

O vocábulo Sintra nasceu muito provavelmente da palavra cynthia, símbolo da luana mitologia céltica. Os romanos chamavam-lhe Mons Lunae, o monte da lua. Foi a “Xentra” árabe. Depois a medieva “Sintria” ou “Suntria” (astro luminoso).
in http://portal.icn.pt/



Faz-se a pé, de noite. Há que trepar um desnível de quase duas centenas de metros, ao longo de alguns quilómetros, poucos. Começamos perto das dez da noite, por ruas antigas que levam desde o Palácio da Vila, e passam entre as quintas do Relógio e da Regaleira.

Andamos sobre passeios tradicionais, tortos e estreitos, ao longo de contrastes luz/escuridão, a notar algumas silhuetas recortadas e esguias de edifícios seculares. Está húmido, escorregamos nas primeiras folhas húmidas pousadas entre calhaus, logo após o asfalto que deixámos em Seteais.

A meio, surge uma névoa envergonhada. Não há lua à vista, mas existe uma luz difusa que ilumina os primeiros degraus do trilho. As lanternas raramente se acedem. Ao baixar da névoa, os vultos tomam-nos o lugar. Alguns afastam-se, mais habituados a desafios translúcidos. O som distende-se. O bulício da vila esbate-se.

A meio da subida é praticamente apenas a natureza que se manifesta. Na claridade de um cruzamento, viramos a caminho do castelo dos Mouros.

Paramos para reabastecimento e admirar o gato negro que por ali mia. Do Palácio da Pena, alcantilado algures, nem sinal. A névoa oculta-o, como o faz com o bosque em redor. Agora é trepar para Santa Eufémia.

Entramos na terra, por entre calhaus, sobre chão húmido e hastes salientes. Vamos dar a uma ruína, palco de outros rituais.


Ao entrar no asfalto, circundamos a Pousada da Juventude e voltamos à terra, por entre veredas e salamandras entorpecidas. Lá em cima, a névoa mal deixa ver a ermida. Paramos. Ouvimos mais um excerto de um relato de uma viagem à Tunísia e à Líbia.

A seguir, descemos sobre cimento, rumo a S. Pedro. A névoa fica no cimo e, a meio da descida, já é possível vislumbrar o manto embaçado de pequenas luzes que se estende até Mem Martins, não mais.

Regressamos ao casario, por entre habitações térreas e muros de quintas. Candeeiros com luz mortiça mostram-nos o empedrado uniforme que pisamos. Mais à frente, aproveitamos para espreitar o panorama cintilante da planície que vai até à Praia das Maças.

Voltamos à vila que, desta feita, está animada junto aos bares da zona antiga.

Pouco passa da meia-noite do … Paulo, Pedro, Catarina, Paulo, Tiago, Célia, Nila, Julieta e Carlos.




Música: Concerning Hobbits
Álbum: The Lord Of The Rings
Autor: Howard Shore

Up & Down at Sintra, among the mist

We have done it on foot, at night.
Only have to climb two hundreds meters, throughout some kilometres, few ones.
We start close to ten, along old streets that lead since the Palácio da Vila, and leave behind Quinta do Relógio and Quinta da Regaleira.
We walk on traditional, twisted and narrow strolls, throughout light/blackout contrasts, looking for some notorious and thin silhouettes of secular buildings.
It was wet, as we slide over first dripping leaves over rocks and between farm walls, then after the black tarmac that we left in Seteais.
Half way to the top, suddenly an ashamed mist appears.
Without the moon at sight, we went on with a diffuse light that illuminates the first steps of the track.
Lanterns were not often turned on. When mist gets lower, shadows took our place. Some of us are moved away, more familiar with translucent challenges.
Old village noise disappears as we climb. At half way to the top, it’s practically only nature that we listen.
In the clearness of a crossing, we turn the way to the Moorish Castle. At the entrance, we stop restocking and to hear a black cat complains.
From Pena’s Palace nor a sign, due to the mist that involves surroundings.
Now it is time to climb to Saint Eufémia’s. We enter soft ground, among rocks, on wet soil and salient tree branches. We enter a ruin, stage of other rituals.
Back to tarmac, we surround the Youth Inn and got terrain again, among trails and torpid salamanders. Up there, the mist badly leaves to see the old little church.
We stop to hear plus an extract from a written story of a trip to Tunisia and Libya. Next, we went down hill on cement, route to Saint Peter village.
At half of the way to the mountain base, mist went off and we could saw a little bit of a small lights carpet extended for more than a dozen kilometres.
We returned to the residential area, among small houses and high walls from urban farms. Old street lamps with fragile lights on showed the typical ground materials that we step on. Some minutes ahead, another sparkling panorama from old Saint Peter’s streets to the plain that goes until Praia das Maçãs.
We return to Sintra old centre, when bars were full of young people. Only few minutes after midnight…