quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Málaga, Almeria e Carmona 2010

Cota da muralha romana", lê-se na Porta de Sevilha, em Carmona
O Tejo arreara. Da ponte Vasco da Gama percebiam-se os baixios e viam-se alguns pescadores de bivalves pendurados da cintura a mergulhar as mãos no rio como ancinhos.
Para baixo, poucos iam. Eram duas da tarde, estavam mais de trinta e cinco graus em Lisboa, temperatura que, ainda assim, o Alentejo superava.
Quando o vento serenou - aquele sopro que se sente ali por altura da Marateca e vai quase até Álcacer do Sal - pedimos à Pan para invadimos a campina com mais alma. Embrenhámo-nos naquele ambiente fogoso porém esgotante, até a serra vencer a planície e ceder alguma frescura depois de ainda bufar quente por entre os vales.
Mais ameno, o Algarve reflectia na temperatura da água do mar um convite inquestionável a mergulhar. A praia de Quarteira estava plena de gente, o mar repleto de cardumes de pequenos peixes e, no ar, um aroma cheio a férias.
Nas traseiras do Hotel Dom José, Quarteira
Jantámos no “Veneza”, próximo de Paderne, onde nos sentámos em plena garrafeira, entre garrafas das mais afamadas marcas e exímios sabores. O João e a Hermínia foram de novo os anfitriões de uma gôndola de especialidades, onde não faltaram os lombinhos, as iscas e os cachaços de confecção distinta. 
Para lá, e desde Quarteira, levei uma almofada de gel sobre o banco. É mais confortável, mais quente, e parece que o efeito é também massajador. Todavia, a relação com a moto altera-se - há um ténue abanar/molejar do cóccix - e o centro de gravidade aumenta ligeiramente, tal como a superfície exposta do capacete/cabeça (face ao vidro frontal). Em tiradas longas deve ser útil, desde que não esteja muito calor.
À porta do Atismar, Quarteira
Deixámos a noite entregue aos cerca de vinte mil motociclistas que este ano estiveram presentes na Concentração do MCFaro. A manhã, essa, também estava adjudicada aos motociclistas, tantos os que já deixavam a capital algarvia, sendo que a maioria eram espanhóis. O nosso destino matinal era Málaga, início de um périplo andaluz que iria contemplar também Almeria e Carmona.
Na travessia da Ponte do V Centenário, Sevilha
De Lisboa a Málaga por Quarteira 1

Música: Xenophobia, Autophobia

No palácio da Alcazaba de Málaga

Soltámo-nos por volta das nove, envolvidos por muitos motociclistas espanhóis que iniciavam o regresso a casa após após a Concentração de Faro. Muitos guiavam choopers. Parámos para beber café na “area de servicio” de Trigueros, onde meses antes havíamos almoçado a caminho de Tarifa, rumo a Marrocos. Já estava quente, a anunciar a chegada ao braseiro de Sevilha. 
Clara e Jorge, à chegada a Málaga
Mais à frente, já na capital andaluza, voltámos a passar a ponte do V Centenário, de onde se vislumbra meia cidade, incluindo a ilha Cartuja  que alberga a Isla Magica, o parque temático que decorreu da Expo 92. O desvio no periférico sevilhano para Málaga fica depois da saída para Cádiz. Foi já nesse troço que ultrapassámos um casal, numa maxi trail, salvo erro uma Varadero, com matrícula portuguesa. Surpreendentemente, Sevilha (ainda) não estava ao rubro.
Teresa e Armando, junto a La Rosaleda, o estádio onde joga o Málaga CF
Próximo de Antequera foi preciso optar pelo acesso a Granada ou a Málaga. Distraí-me a olhar para o odómetro da moto – os números já andavam perto dos 100 mil - e quase falhei o desvio. Valeu a atenção da Julieta e os ‘abrandadores’ da Pan.
Quando parámos para abastecer numa área de serviço, a menos de uma hora de caminho de Málaga, o calor já se instalara. Foi altura para a Clara experimentar um "colete frigorífico", uma espécie de frapé humano, ideal para quem já tem o corpo "bem passado".
Teresa e Armando no Paseo de Los Martiricos, Málaga
Após uma descida longa em autovia, no meio de falésias, entravamos em Málaga. Fizemo-lo pelo acesso norte, através de uma avenida com duas faixas ladeada por um jardim, passámos pelo estádio, por uma feira de levante lá perto, e metemo-nos pelos bairros centrais atravessando ruas estreitas.
Na Taberna Del Fraile, Málaga
Desembocámos na proximidade de um túnel que tinha sobre si um dos motivos da viagem: a Alcazaba de Málaga. Apesar de a termos visitado há dois pares de anos, é um lugar que apaixona: pelo cenário interior e pelo panorama exterior. E está envolvida por vegetação alta, o que lhe confere alguma frescura, ideal para visitar em dias quentes, como o que estava.
Puerta de Las Columnas, na Alcazaba de Málaga
Do complexo, faz parte a Alcazaba – de cerca do século XI - uma muralha de ligação e um castelo – o Gibralfaro. A Alcazaba é uma edificação que encerra vários pátios, em outras tantas plataformas, tendo o último uma admirável arcaria califal. A muralha de ligação estende-se a cobrear monte acima e junta a extremidade da Alcabaza a uma das extremidades do castelo. Este está situado no ponto mais elevado do morro sobranceiro à cidade.
Paredes decoradas no interior do palácio nazari
Na Alcazaba, a entrada é ainda efectuada em corredor assimétrico, passando-se depois para uma zona mais elevada e sinuosa. Na ligação entre os terraços aparecem fontes e arcos, em ambiente fresco também provocado pela água que corre constantemente. Sobe-se, mas o esforço é mitigado pela frescura do espaço e pelo envolvimento paisagístico.
Acesso a um dos pátios
No cimo, uma excelente torre mudéjar, que não entrevi ter acesso, domina a Alcazaba. Mais abaixo, há um conjunto de arcos que comunicam com um estupendo miradouro sobre a cidade, espaço calmo onde não chega a atroada da metrópole, convida a descansar...
... e até a dormitar
A leste, está o Palácio Nazari cujo pátio "de la Alberca" parece querer roubar fama ao "de los Arrayanes" do palácio de Alhambra. No interior, apesar de já não se perceber a coloração original de alguns painéis decorativos, vislumbram-se ainda alguns troços com cor, o que permite ter uma ideia mais colorida do que seriam aqueles espaços há cerca de cinco séculos.
Patio de La Alberca
Na extremidade, a ruína da torre de menagem conserva mal o peso dos anos. Nas portadas e arcarias, bem como nos telhados, respectivamente, as arquitecturas árabe e mudéjar foram restauradas com êxito, dando-nos uma boa ideia do todo que há séculos fazia deste pequeno palácio um lugar magnífico. Nota-se sobretudo o esforço de reconstrução dos detalhes, sobretudo das aduelas decorativas árabes e dos telhados mudéjares, bem como a conservação dos mármores.
Detalhe dos arcos árabes ou de ferradura
Mas é também a vista sobre a cidade que deslumbra e enche o olhar com a planura da zona portuária e do passeio marítimo que se estende ao longo da orla costeira.
Andámos por lá à noite, em busca de maior frescura. À tarde, porém, é a praia que chama alguns veraneantes, mas não muitos. A água não aparenta grande limpeza, é choca e não se vê o fundo após um par de metros. A areia é escura e está suja, muito suja.

Panorama desde o miradoro da Alcazaba
Assalto à Alcazaba de Málaga 2
Música: Al Di Meola, Rio Ancho

Por Nerja, no “Balcon de Europa”

Mais dominador do que o panorama desde a Alcazaba, apenas a vista desde o castelo de Gibralfaro, hoje ocupado por um Parador. Apesar de estar próximo e ligado por uma muralha – Coracha – à torre de menagem da Alcabaza, o castelo situa-se na parte mais elevada do mesmo morro, para onde o acesso se faz a norte, através de um bairro de moradias bem inserido naquele alcantilado. 
Com a Malagueta nos dedos, a praça de touros de Málaga
Do miradouro, abraça-se grande parte do casario, a zona portuária, com a Malagueta, a praça de touros de Málaga, e o Palácio da Portagem, ali bem aos pés. Ficou por visitar o museu Picasso, voltar à Catedral, ver melhor o Teatro Romano (que estava enredado), passear de novo pelas ruas pedonais da zona antiga. Legámos essa tarefa aos que lá deixámos.
Ruínas do Teatro Romano de Málaga
Saímos pela estrada mais próxima do mar, até sermos obrigados a tomar a autovia. Também ela se estende, a mais altitude, ao longo do Mediterrâneo. São quase cinquenta quilómetros de marginal seguidos.
Tal como a aridez do deserto ou a sinuosidade das montanhas, poder rodar ao longo do mar é, para mim, estupendo! Habitualmente a temperatura é mais amena, o ambiente é repousante, o recorte da costa empresta a diferença, há muitos lugares panorâmicos onde uma moto tem sempre espaço para parar, e capta-se frequentemente aquele cheiro distinto da maresia.  
Próximo de Torrox
Um senão: as milhentas estufas de vegetais. Parecem lagos dúcteis, em socalcos, ao longo das serranias que bordejam a costa, ou um parque de campismo gigantesco de extenso, onde o nylon colorido das pequenas tendas foi substituído por plásticos translúcidos que cobrem extensas armações. Já lá estavam em 80, mas em menor número. Hoje, ocupam as falésias, durante quilómetros.  
Um cantinho de devoção depois de Punta Lara
Quase à entrada de Nerja, ainda desviámos numa das rotundas a caminho da estrada costeira que vem de Torrox. Queríamos percorrê-la, tal como o havíamos feito, pela primeira vez, há cerca de trinta anos. Do percurso, ainda reconhecemos uma pequena torre no cimo de um morro, sob o qual corre um túnel.
Entre Punta Lara e Torrox-Costa
Há 30 anos, essa estrada acentava em terra batida. Naquela altura, os fatos de cabedal há muito que já haviam aquecido. Quando parámos logo após o túnel, deparámos com a via impedida por obras de pavimentação. Parar ao sol, naquela ocasião, era sinónimo de sufoco e, talvez por isso, a tenhamos registado em slide.
Desta vez, porém, o tempo estava mais agradável e os fatos eram de “cordura”, mais respiráveis, não havia obras e o mar estava convidativo. E, em fundo, a nossa memória de uma trintena de anos - a tal torre sinaleira - de quando, para chegar a Benidorm, se levava um dia inteiro desde Torremolinos.
Onde há anos se rodava em terra batida...
Nerja é uma terra simpática: casas brancas, ruas estreitas, algumas pedonais, ferros forjados, lojas engraçadas, restaurantes atraentes. Típica localidade espanhola mediterrânica, com os seus característicos ocupantes sazonais, a brancura das habitações, falésias altas, odor a maresia.

Uma rua de Nerja
Todavia, é uma plataforma num promontório que domina o burgo. Apenas com acesso pedonal, o miradouro, bem com como a praça contígua, funcionam como centro da terra. De lá, abarca-se com a vista a zona costeira para nascente e poente durante muitos quilómetros, assim como a imponente falésia adjacente.    
No Balcon de Europa, em Nerja
Quando entramos numa rua sem saída, vimos um “P”, de parque de estacionamento. Julgámos que teríamos alternativa com a moto, mas não. Foi mesmo num sobreaquecido parque subterrâneo que a deixámos. Dali ao “Balcon de Europa”, não foram mais de dois minutos a pé.
Fontanário em Nerja, próximo do Balcon de Europa 
A estátua de Afonso XII está ali desde Fevereiro de 2003. Não me lembrava dela(e), quando por volta de 80 do século passado por lá andámos. Percebemos por quê: os espanhóis evocaram-no há oito anos pelo título que em 1885 havia atribuído ao lugar: Balcon de Europa.

Afonso XII, bronzeado...
Em Nerja, no Balcon de Europa 3
 Música: Al Di Meola, Rio Ancho

Ao longo da Alcabaza, da catedral, da marina e do Passeo de Almeria

Voltámos à autovia marginal. Mantinham-se os miradouros, apareciam túneis, e rodávamos em curvas largas: é disso que me lembro, mas ainda em estrada nacional, quando por aqui andámos nos anos 80. Percebia-se que alguns troços estavam a ser beneficiados, mas não previmos que tomasse o padrão de autovia.
À vista de Salobreña
Entretanto passamos algumas localidades interessantes. Castell de Ferro mostrava a sua torre e Salobreña o castelo, erguidos em morros próximo das praias, com o azul do mar a servir de contraste ao diáfano plástico das colinas.
Regressavam também as serranias nuas e os lençóis de estufas. Até que, por volta de Castillo de Baños, a autovia terminou. Há que atravessar algumas localidades e cerca de uma vintena de quilómetros, em apenas uma faixa de rodagem para cada lado: é fácil perceber que o trânsito se 'engarrafa', com carros, camiões e motos, em marcha lenta e ambiente poluído.
É uma tortura, porém curta, estando de moto. Pouco depois, recuperamos a autovia, próximo de La Rábita. Deixámos Adra ao longe, a beliscar-nos a memória de trinta anos, num parque de campismo onde a “primeira” da CB 750 Four quase não era suficiente para trepar a rampa de entrada.

Estacionamento gratuito, à sombra, em frente do hotel Torreluz, Almeria
Demos com Almeria a ferver, quando chegámos à parte antiga, de ruas estreitas e muitos sentidos proibidos. Andámos perto do hotel, mas falhámos uma rua, e errámos outra, que era sentido proibido, segundo nos assegurou um guarda civil, com cara de pouco amigos. Mas acabou por nos confirmar onde ficava o Torreluz.
Ruas exclusivamente pedonais, excepto para motos...
Almoçámos a horas espanholas e partimos a pé para a Alcazaba de Almeria. Fechava á segunda-feira: devia ter confiado na única informação da net que o certificava! A fortaleza é imponente, sendo a maior alcáçova construída pelos árabes na península. Domina a cidade a poente e o porto a sul.
À "porta" da Alcazaba de Almeria
Do cerro onde assenta, vê-se outro cujos buracos organizados na rocha deixam perceber que se trata de casas. Pareceram degradadas. Supostamente seriam escavadas, tipo gruta, com fachadas coloridas e dariam pelo nome de La Chanca. Mas estava demasiado quente para atravessar uma zona árida que lhe dava a acesso…
Outra perspectiva das muralhas da Alcazaba
Estava bastante mais fresco na catedral. Seis torres e muralhas compactas defenderam-na de ataques frequentes dos piratas berberes. Dentro, tem a particularidade de contar com dois altares majestosos, um logo à entrada, e outro, no local tradicional, em fundo.
Uma das torres da catedral de Almeria
Uma obra meticulosa em prata dominava o lado esquerdo após a entrada principal e, numa capela, do lado direito, assistia-se a uma missa. A grossura das paredes não permitia de certo perceber que uma criança, no exterior, as havia escolhia como baliza…
Uma custódia que deve valer o peso em prata
Voltámos às ruas estreitas mas sombreadas do burgo. Fomos verificando que o horário de abertura da maioria das lojas, ia para perto das dezoito horas. Poucas estavam abertas a meio da tarde. Subimos e descemos o Passeo de Almeria, rua onde as habituais lojas dos grupos espanhóis que enchem os nossos centros comerciais, se multiplicavam por quarteirão.
Outra torre da catedral
Pelo final da tarde, fomos espreitar a marina de Almeria. Num canto discreto, estava ancorado um barco, réplica de uma nau fenícia. Porém, nem uma indicação, sequer uma placa, anunciava a presença da embarcação. Parecia maioritariamente privado o espaço da marina. Não nos demorámos muito, tal como no porto marítimo comercial, ponto de vai-vem para Marrocos e Argélia.
Réplica de uma embarcação fenícia
O entardecer abre a maioria das lojas e nota-se uma dinâmica mais intensa na circulação viária e pedonal. Toda a gente sai de casa ou dos empregos e aproveita para ir às compras ou petiscar. A noite é mais calma e fresca.
Edifício antigo na Puerta de Purchena
Para e por Almeria 4
Música: Al Di Meola, Rio Ancho 

Sob o signo do calor: Guadix, Estepa, Osuna e Écija

Rodear a Sierra Nevada leva-nos ao longo de terras áridas, para o deserto de Tabernas. É realmente o cenário do velho Oeste Americano que a paisagem relembra. Ainda lá está o Mini Hollywood, uma espécie de parque temático com tiros e pancadaria simulados, que miramos desde a estrada nacional – estreita e sinuosa há cerca de trinta anos – hoje via rápida que leva a Guadix.
Quando fizemos esta estrada, no início dos anos 80, em sentido contrário – íamos a caminho de Torremolinos, provenientes de Benidorm – a CB 750 estava para gripar. Uma fenda milimétrica nos cilindros, espalhava óleo pelas minhas calças de cabedal mas, sobretudo, pelo blusão de um alemão que, na altura, nos acompanhava, e me chamou a atenção para o facto de que não mais queria rodar atrás da CB…
Foi na “capital” das casas cravadas na terra que parámos para beber duas águas geladas, agastados pelo calor que teimava em aumentar à medida que nos aproximávamos de Granada. Depois, rodámos à volta da Catedral, na procura das casas que apenas mostram as fachadas, aproveitando a frescura do interior da terra para construção do resto da habitação.
A zona é muito árida. A vegetação apenas polvilha alguns espaços e não é muito densa ou elevada. Estávamos no sopé da Serra Nevada. Lá em cima, ainda visíveis de quilómetros, pequenas manchas de branco sujo, malhas perpétuas de neve que contrastam com o acastanhado da serra.
Pelo caminho, fomos surpreendidos por alguns lençóis prateados de placas solares, estendidos naquela planície cálida, dourada e luminosa. Começamos a perceber que o aparecimento de lavouras de placas solares é mau sinal: à imagem da Amareleja, devem estar plantadas nos locais mais quentes do mundo!
Mais quente. Cada vez estava mais calor. Não tivemos coragem para descer da moto e voltámos à estrada a caminho de Estepa, localidade disposta em redor de um pequeno morro, o cerro de San Cristobal, que havíamos achado interessante quando o vislumbrámos ao longe na ida para Malága. Foi lá que almoçámos, no primeiro restaurante que vimos.
Abaixo: ao longe, o morro de San Cristobal enciomado pelas muralhas do castelo.
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O ambiente árido do deserto de Tabernas
Estepa é uma típica localidade andaluza que, se estivesse em Portugal, seria certamente alentejana, com um branco inenarrável a cobrir-lhes as paredes. Tanto calor fazia, que desistimos de encontrar o centro histórico - onde encontraríamos o castelo - entre rampas valentes, sentidos proibidos e falta de indicações.
Vista parcal de Osuna desde a Catedral
Também não o fizemos em Osuna, terra de igrejas, tantas são visíveis desde a catedral, situada num morro sobranceiro à povoação. Daí, vislumbram-se dezenas de locais de culto. Julgo que nunca vi tantas torres e campanários em tão curto espaço.
A quantidade de igrejas e respectivos campanários em Osuna
De volta à estrada, optámos por sair da autovia. Dirigimo-nos à nacional, rumo a Écija. De novo na campina dourada, foi desta feita o vento a mostrar-se forte que surpreendeu. Andámos alguns quilómetros à bolina, até que entrámos na localidade, percorremos a via principal, fizemos algumas rotundas e demos a volta à Plaza Mayor. Depois, apanhámos outra autopista e, num instante, estávamos à vista de Carmona.
Entrada por leste em Carmona depois da Porta de Córboda 
A povoação surgiu como silhueta no horizonte poente. Recebeu-nos a Porta de Córdoba, na entrada nordeste, entre muralhas. Dali ao Rincon de Las Desclazas, onde iríamos pernoitar, era descobrir o beco que lhe dava acesso, entre ruas estreitas de sentido único.

Estepa, Osuna e Écija 5
Música: Al Di Meola, Rio Ancho

Carmona: o Alcazar, as ruas, as “portas”, e um Rincon de charme.

Até hoje, raramente vira - talvez uma ou duas vezes em nove anos - o ponteiro de temperatura da água a lamber a zona vermelha. Todavia, nesta viagem, parecia habitual, sobretudo cada vez que parávamos dentro de uma cidade.
Um convento e uma igreja
Mas aqui, a frequência atenuou-se. Ficou mais fresco a caminho do fim da tarde, o que permitiu visitarmos a pé a zona antiga, antes totalmente muralhada, com uma planta aparentemente caótica de becos e vielas, uma ou outra praça acanhada, raros passeios, casas antigas e igrejas, mais igrejas, muitas igrejas.
Mais igrejas, outras fachadas
Ficámos alojados no Rincon de Las Descalzas, uma espécie de turismo de habitação cruzado com riad marroquino: pátios, água, fontes, cores quentes, desmaiadas ou fortes, e poucos quartos que, não tendo números, titulavam uma espécie de agenda monástica diária. O nosso dava pelo nome de “laudes”, a primeira oração do dia.
Um dos pátios do Rincon de las Descalzas, Carmona
Para variar, era outro Alcazar que nos interessava, o do rei D. Pedro. Actualmente, alberga um Parador e dispunha de poucas zonas públicas, sendo praticamente o pátio de armas – que dava acesso à recepção da unidade hoteleira - o único espaço visitável.
À entrada do Alcazar do rei D. Pedro
O interior, maioritariamente ainda em pedra, juntava também muita madeira e ferro, assim como outros elementos de decoração mais requintados. O pátio em estilo árabe complementava o ambiente simpático, tal como simpático também foi o barman que cobrou de imediato as bebidas a todos os hóspedes, inclusivamente a um grupo de japoneses, e a nós, "penetras", não o fez.

Pátio do Parador
Uma varanda altaneira olha para a Vega de Carmona, uma planície a perder de vista. Parecia orientada para Córdoba, tal como a “porta” do mesmo nome, que se confronta com a de Sevilha, na extremidade oposta da povoação.
A campina de Vega de Carmona, desde a varanda do Parador
Esta tem origem anterior e parece ser a entrada nobre da cidade. Alguns panos de muralhas que lhe estão próximos, mostram que a dimensão antiga não era muito diferente da actual. A velhice da “porta” nota-se nos materiais que foram necessários na intervenção que ainda decorre.
Porta de Sevilha, orientada para a capital andaluza
Do ponto de vista arqueológico, exceptuando alguns vestígios de fortificações fenícias e cartaginesas, a necrópole romana é o testemunho mais imponente da presença de povos que data de antes de Cristo. O complexo estava fechado e cercado por arames. Rodeámo-lo de moto no dia de partida e não percebi se estava numa fase primária de exploração ou avançada de abandono...   

Muitos edifícios possuiam janelas com arcos deste tipo 
Entretanto, no périplo pedestre pela povoação, metemo-nos pelos quelhos e fomos andando ao sabor daqueles meandros que, ora desembocavam numa pracita, ora na rua que bordejava o burgo antigo. Depois, mais branco e pedra, mais casas térreas e de primeiro andar, mais igrejas, passeios estreitos ou inexistentes, janelas típicas de madeira e ferro, pórticos antigos, pátios escondidos.
Mais uma cúpula de igreja
Ainda entrámos num mercado com configuração peculiar, à imagem das plazas mayores castelhanas, com dezenas de arcos. Um dos lados, pertencia ainda ao convento contínguo. Mas as lojas estavam quase todas fechadas, emprestando ao lugar um ambiente lúgrebe. 
Mercado de abastos
Pela noite, voltámos aos becos e às vielas, iluminados por luzes quentes. É como deambular por uma qualquer vila alentejana, porém com menos vegetação, sobre outro piso e ao longo de paredes mais nuas.
Á noite, pelas "calles" estreitas de Carmona
Jantámos no pátio do restaurante Molino de la Romera, num antigo armazém árabe que data do século XV. Foi nesse ambiente campestre que bebemos um Syrah, das Bodegas Andrade, que soube excelente com os espargos de carne servidos.
O pátio do Molino de la Gomera
Carmona 6
Música: Al Di Meola, Rio Ancho

Feria: num monte entre outros

Gosto de deixar algo para visitar no regresso. Desta vez, seria Feria, uma enigmática – não por secreta, mas por longínqua – aldeia estremenha próxima da raia. Durante alguns anos, o caminho para a Costa del Sol ou para as corridas de Jerez de la Frontera levara-nos a passar ao largo de um monte no meio de outros, que albergava um castelo cuja torre era visível ao longe. Por que não subir até lá?
Começa por silhueta, num monte entre outros
Saíamos de Carmona com a ideia de que conseguiríamos ultrapassar Sevilha ainda com uma temperatura aceitável. Acertámos. No periférico da capital andaluza ainda se rodava pela frescura. Aproveitámo-la e seguimos durante muito tempo à velocidade máxima permitida na autovia que liga a Mérida: um esmero de poupança aliado a uma sensação de calmaria muito agradável.
A torre do castelo destaca-se ao longe
Depois, saímos para a nacional que leva a Zafra, até que vislumbrámos Feria. Uma mancha branca na paisagem dourada no sopé de um monte despido, com uma torre que o encima. Subimos gradualmente e entrámos no aglomerado de casas brancas que trepava a encosta de forma suave. Uma praça apertada, uma igreja, mais casario alvo. Depois, a indicação “castillo”, numa das paredes da igreja.
Não passámos das muralhas
Subimos numa rua estreita, de novo entre casas, até que estas terminavam. Começava a escalada, esta sim, íngreme, numa espécie de alcatrão albino antigo de décadas. Estrada estreita e precipício, óptimo para quem não gosta de alturas...
A meio da subida, duas raparigas desciam. Mais uma volta e aparecia a porta do castelo, fechada. Pouco passava do meio-dia e meia hora em Espanha. As raparigas haviam fechado a porta meia hora mais cedo do que o previsto.
Com o castelo “cerrado”, ficámos pelo extenso e admirável panorama, e também com a moto estacionada num plano inclinado pouco abonatório. Descemos devagar dada a inclinação da rampa.
Daí a pouco estávamos a saborear um par de pratos típicos alentejanos, no Regional, em Elvas, levados por um magote de nuvens brancas que ocupava todo o céu à nossa frente. 
Entretanto, o motor da Pan havia feito 100 mil quilómetros. Chegámos a casa com mais trezentos e tal e com o júbilo de podermos ter repetido uma viagem a solo que não fazíamos vai para duas décadas. 
Regresso por Feria 7
Música: Al Di Meola, Rio Ancho