domingo, 12 de julho de 2020

Da "Escola" à "Baía"




Toda a gente conhece a “Escola”. Toda a gente sabe o que é a “Escola”. É isso mesmo, uma escola. Uma escola que serve refeições, um restaurante. Um restaurante onde se aprende a estar, a gostar, a degustar. Ou seja, três das coisas que dão gozo fazer. Com amigos, bom tempo, bom caminho, e de moto, melhor ainda.


Chegar lá é sempre apetecível. Independentemente da comida, cujos pratos são referência regional, se não nacional, o caminho para lá costuma ser atractivo. Não tanto, indo por Alcácer, através da auto-estrada (chata, mas rápida) ou da nacional (lenta e bera).

O IMPORTANTE É IR


Este ano, a Área de Serviço do Seixal - ex-Galp, ora BP - tem sido o ponto de encontro para romagens a sul. Possui sombra no estacionamento, o café é razoável e serve todos os que vêm dos diversos concelhos da margem norte. Depois, é arrancar rumo a Setúbal ou dar a volta por Alcácer.



É especialmente agradável fazer a travessia de barco, pelo menos, fazê-la num dos sentidos. O Sado é habitualmente sereno, a Arrábida está lá sempre, a península de Troia tem um perfil agradável e há mesmo a hipótese de um roaz acompanhar o barco. Na travessia aprecia-se a variedade do horizonte das margens, do rio e do mar.


Depois, é aquele ambiente feérico de quem vai para um sítio simpático que, mais não seja a praia, empresta às pessoas expressões alegres e vontade convivencial. Mesmo quando, no regresso a casa, terminou o dia de praia ou de passeio. E ainda a sensação de que, mudando de margem, começa a viagem!


Mais, a estrada que leva do cais de Troia à Comporta, e vice-versa, com cenários de mar de quando em vez e, depois, de lá à “Escola”, é excelente para andar de moto. Mesmo apesar de o piso não ser “por aí além”, o perfil da estrada, com curvas largas e uma envolvência de serra, mar e areia, é suficiente para proporcionar um passeio memorável. Deve ser também por isso que voltamos sempre que podemos. 


É por isso certamente que vamos. E juntamos-lhe mais. Andar entre dunas, a vislumbrar o azul do mar e o verde do Sado, com a serra ao fundo e a apanhar uma tranquila brisa marítima. Depois, metermo-nos entre o arvoredo, para sentir a secura do interior, chegar à “Escola” e estacionar à sombra.

NA ESCOLA



Já sabemos ao que vamos. Parece que temos pouco para aprender mas, na "Escola", há sempre qualquer coisa para descobrir ou para relembrar. Desta vez, experimentámos (quase) toda a variedade da oferta gastronómica. Soubemos que quem gere essa área é o genro do antigo dono. Os empregados/as são os mesmos desde há longa data. São todos prestáveis e simpáticos.


É uma visita que fazemos todos os anos. Por vezes, mais do que uma vez. É saudade, da gastronomia e do passeio, mas sobretudo de mais uma ocasião em que podemos estar juntos e fazê-lo de moto. Também já o fazemos há tantos anos que não conseguimos encontrar justificações para o não fazer. Tal como dizem os japoneses, mudamos para tudo ficar na mesma.


Por isso, vamos colocando a conversa em dia, observando as cegonhas no ninho da chaminé inerte, carregando a memória com lembranças e novidades. Desta vez, também experimentação das novas máquinas com um voltear no parque de estacionamento. E também lá estavam mais motociclistas. Saímos quase todos ao mesmo tempo.

NA CASA DA BAÍA


Desta vez, foi o grupo (quase) todo. Para além das mesmice, havia as tais novidades: motores, quadros, matrículas; enfim motos novas. Três, de uma assentata, uma espécie de pandemia de novidades. Duas Honda e uma BMW, motos orientadas para fazer muitos quilómetros, para viajar por aí fora ou simplesmente para nos levar onde a estrada vai.


A partir dos sessenta o “peso” da viagem implica ir com conforto (diga-se sobretudo protecção aerodinâmica, e um bom conjunto ergonómico), dispor de velocidade de cruzeiro sensata (seja lá o que isso for), autonomia que não obrigue a parar antes de sair do país, uma moto que acompanhe as restantes... aparentemente, estamos (quase) todos nesse patamar de exigência.


Para celebrar aquele “estouro” de novidades – não fosse ter ficado por comemorar – fomos descobrir a Casa da Baía, em Setúbal. Trata-se de local de promoção turística da região de Setúbal e da cidade. Está ali num sítio estratégico, em plena Avenida Todi, perto de tudo. Parece-me que só lhe falta mais lugares de estacionamento para veículos de quatro rodas...


São sobretudo os produtos de produção local – vinhos, queijos mel – os mais divulgados, mas o espaço dispõe de um restaurante, uma galeria de exposições, uma loja de produtos regionais e um auditório e sala de reuniões. Neste dia, apanhámos uma prova de moscatéis; que ideal seria se regressássemos a casa a pé  ....


O espaço interior e exterior é atractivo, mesmo provocador, chamando as emoções e proporcionando ao mesmo tempo um ambiente espaçoso e descontraído, com música ambiente e equipamento relativamente confortável. Para um dia quente, a frescura da sombra das paredes altas e o cenário das traseiras típicas das casas sadinas fizeram o resto.


Passa-se ali um belo fim de tarde, à volta dos copos, da arte e da conversa, num ambiente fresco e tranquilo. Lá fora, cerca das seis, o calor ainda mexia. As motos ficaram no passeio fronteiro, debaixo das árvores. O dia estava feito, cumprido o trajecto da “Escola” à Baía”. Não está combinado, mas já se falou em voltarmos à "Escola"...

Músicas: Uriah Heep, Bird of Prey e Uniq, Art of Silence 



quinta-feira, 2 de julho de 2020

Um Entrevista Provocatória a Morihei Ueshiba



O editor do Aikido Journal intitulou-a como uma entrevista não ortodoxa com O’Sensei.

Nesta, Morihei Ueshiba fala-nos sobretudo sobre a harmonia, sobre o Aikido como verdadeiro Budo, na simbologia da espada, critica a competição, fala sobre a ideia de democracia e defende o fundamento do Aikido no kotodama.

Mas também esclarece o seu posicionamento político e, ainda, fala sobre o papel de cada indivíduo, a individualidade e o livre arbítrio, bem como sobre o militarismo.

Fá-lo de um modo tão “terra-a-terra”, relaxado, divertido, irónico até... mas, não tarda em pegar na filosofia, na pedagogia e na didáctica da arte para mostrar ao que vem.

Talvez o imaginemos a falar sobre “espadas sagradas”, a atribuir uma veracidade incontestável ao Aikido, a defender a harmonia como religião mundial, a dizer que a competição não é assim tão gloriosa.

Divertido é, todavia, ouvi-lo depois dos setenta, ao afirmar que não passou dos 25 anos de idade, a tratar um interlocutor mais novo por Sensei, título que nunca é utilizado pelo entrevistador para com o fundador do Aikido...

NOTA PRÉVIA

 

Já lá vão 64 anos. Uma vida. Neste caso, um perfil de vida. Uma espécie de retrato. Talvez mesmo uma caricatura. No sentido em que a caricatura salienta características especiais da pessoa. Mais do que salientar, a caricatura exagera, habitualmente com um contexto crítico e jocoso.

Quando essas peculiaridades se referem ao estilo e ao conteúdo da vida e da obra de uma personalidade, surge imediatamente aquele frenesim da curiosidade, mas também o desafio da descoberta, do desvendar de novidades e/ou de segredos. E, ainda, o cenário brincalhão e de despique.

É o que acontece quando um jornalista político, bastante provocante e mesmo sarcástico, antes famoso caricaturista japonês, Kondo Hidezo, resolve entrevistar Morihei Ueshiba, o fundador do Aikido, uma pessoa metódica, severa e dura. Pode parecer uma ideia arriscada e desinteressante. Não foi!

Sabe-se que O’Sensei tinha, como refere o seu título de “grande professor”, uma atitude disciplinadora, rigorosa e exigente. E que, até mesmo o seu estilo de treino era intenso, sistemático, por vezes violento. Diz-se que o Kobukan, o seu lugar de treino nos arredores de Tóquio, era apelidado como Dojo do Inferno...

Em princípio, não se espera que um homem deste calibre vá animar uma entrevista. Ou não? Independentemente da época em que a entrevista decorre - uma altura em que a já Aikikai se esforçava por divulgar a arte, levando o Aikido ao grande público, quer através de filmagens, quer através da publicação de livros -, a escolha de uma entrevista deste tipo pode ser uma mais valia para tal propósito.


 Kondo Hidezo

Outros conteúdos, especialmente aqueles em que entrevistado e entrevistador estabelecem uma cumplicidade de pergunta-resposta bem humorada, é ultrapassada, por vezes, por um absurdo deveras hilariante. É raro ver esta faceta pública de O’Sensei, uma rara ocasião em que é possível descobrir um aspecto divertido e mais humano do fundador do Aikido.

Esta não é evidentemente a entrevista original. Essa, já foi filtrada inicialmente pelo entrevistador, que refere, “mesmo que eu fosse capaz de entender as palavras desse homem que afirma ter o universo dentro dele e colocá-las em letras miúdas, tenho a sensação de que ninguém entenderia. (…) Tudo soaria como disparate. Então, o que eu fiz foi pegar na minha caneta de tinta vermelha e riscar a tagarelice”.

Depois, o texto da entrevista foi peneirado pelo tradutor, Guillaume Erard, biólogo francês doutorado, instrutor de Budo que vive e trabalha em Tóquio, tendo sido director de Informação do IAF. A mesma entrevista foi também editada por Josh Gold, director editorial do Aikido Journal, tendo sucedido a Stanley Pranin nesse cargo desde 2008. E, agora, sou eu que dou destaque ao que achei mais divertido, pedagógico e desconcertante.

 É para lerem esta entrevista que vos convido.



O SENHOR UESHIBA DE AIKI-JUJUTSU




Kondo Hidezo: o Aikido tornou-se muito popular, não é?

Ueshiba Morihei: (...) graças a pessoas como você, Sensei.

De modo algum.

Sim, é tudo graças ao seu apoio.

Não sei se você será bom em Aikido, mas você é bom em fazer elogios! (Ri) Imagino quantos anos você tem...?

 Esqueci-me da minha idade... Eu nasci em 1883, mas digo às pessoas que tenho 25 anos. Por favor, tenha isso em mente. (Ri)

Você tem a mesma idade que eu! (Kondo tem 48 anos na altura desta entrevista e Ueshiba tem 72). O corpo humano deve parar de se desenvolver aos 25 anos de idade.

Eu não parei de crescer. Cresci até os 55 anos de idade. (...) fiquei mais forte por volta dos 50. Não tinha muita força quando andava pelos vinte anos até a idade de 32 ou 33.

(...)

Não é estranho que tenha crescido até aos 50 anos?

Entenda como quiser. (risos) Se eu falar demasiado, as pessoas vão pensar que sou um tolo.

Deve estar a brincar! É um difícil entrevistado! (risos)

Bem, pessoas como o senhor, Sensei, sabem bem sobre o que se passa no mundo e, por isso nós, as pessoas, seguimo-lo.




SOBRE A HARMONIA





A propósito, as artes marciais  são caminhos para a harmonia. Tudo o que se desvia do caminho da harmonia é inútil. Acredito que as formas marciais  da nossa nação só durarão na presença da harmonia. A bela forma do céu e da terra é uma manifestação de uma única família criada pelos deuses.

Devemos tornar-nos uma única família espiritualmente e fazer um esforço para melhorar a nação do Japão. Temos de tentar alcançar a harmonia, pelo menos aqui no Japão. Devíamos ser bons amigos uns dos outros, todos a cuidar uns dos outros. Os alicerces desta harmonia são Aikido. É este Aikido que é o verdadeiro  Budo. Quero afastar-me daquele mundo hostil onde os senhores feudais do passado usavam as artes marciais como ferramentas para o domínio militar.

De repente, está a perder-me com a sua filosofia Aikido!

A democracia é o princípio da não-resistência imediata. O verdadeiro budo japonês é o princípio da não-resistência.

 Mas sem resistência, não é budo. É por isso que não gosto.

Está a falar de Budo usado para o domínio militar. Kendo e Judo dizem ser Budo japonês, mas estão preocupados com a vitória, não estão? Uma vez que Aikido persegue a harmonia, é completamente diferente daquelas artes.

Então, é assim: "Vamos ser bons amigos, é por isso que te projecto", certo?

Sensei, eu merecia melhor!

Por favor, perdoe-me se fui rude. Estou a inclinar-me para o caminho do domínio militar. (risos)

Quando um oponente vem para me atacar, eu só movo o meu corpo ligeiramente para evitar o seu ataque, e deixo-o ir onde quiser. Isto é Aiki. Por outras palavras, dou-lhe liberdade.

Estou a ver. Há muitas formas de expressar esta ideia, não é?

Não é uma forma de expressar. É assim mesmo.



A ESSÊNCIA DO BUDO

 



 Há espada em Aiki?

Sim, há. A espada são os espelhos opostos do Céu e da Terra. Representa um ato de celebração.

Agora está a baralhar-me! Pessoalmente, penso que uma espada não passa de uma arma assassina. Portanto, sinto simpatia apenas por aqueles que olham para as lâminas de forma realista e percebem como são tolos.

A espada é perigosa. Não se deve brincar com coisas perigosas. Pense no mundo pelo menos uma vez. O mundo é um local de adoração religiosa que nos foi dado. Por tanto, veneramos o caminho do Céu e aplicamos as regras do Céu à Terra, e conduzimos os assuntos de Estado de acordo com o caminho da harmonia. Não há guerra no Céu, não é verdade? Há dezenas de milhares de anos que nos vamos tentando dar bem. Se a Terra é nossa, vamos celebrar a sua beleza e dar-nos bem um com o outro.

A espada não pode ser usada para se dar bem. Tenho a sensação de que nos sairemos melhor se fizermos amigos sem ela.

A espada de que está a falar é diferente da minha.

Acho que me está a escapar qualquer coisa. (risos)

Está muito longe, realmente. A espada é uma "espada sagrada", isto é, de celebração. A espada representa espelhos opostos do nosso kokyu. Não deves olhar para a espada. Se olhares para ela e brincares com ela, vais matar pessoas. Então tornar-se-á uma arma. Cortar pessoas significa ser derrotado pelo mundo. Aqueles que são cortados perdem também. Ambos são perdedores neste tipo de prática, não é verdade?

O Japão tornou-se no que é porque nos envolvemos neste tipo de prática que leva à derrota. Por isso, temos de praticar de forma a levar à vitória. A prática que leva à vitória é a prática correta. É o que devíamos fazer juntos.

Não, não vou (fazer isso consigo)! (risos) É porque não consigo entender claramente o que disse! Não há nada mais poderoso do que ser ignorante. Fiz um pouco de Aikido, não fiz? (risos)

Vou mostrar-lhe, demonstrando- o. Compreenderá a explicação da espada através disto. (O seu filho, que o acompanha, ergue-se e levanta um pau).. Ele vem por aqui! Vou magoar-me se for atingido, por isso evito-o, (desviando-se) assim! Ele vem depressa para me empurrar com a espada, desviei-me de forma ágil. É ainda mais rápido que um choque eléctrico!

É mais rápido que um relâmpago...

Este termo é um termo chinês. (O que fiz) É mais rápido do que um relâmpago ou do que um choque eléctrico. Isto chama-se katsuhayabi (reacção fluida, harmoniosa e pronta, sem hesitação ou desequilíbrio). Aí reside a essência do  Budo.

Budo é injusto e cobarde...

Não é injusto nem cobarde. O que é injusto é ser atingido.

Nos livros de história, está escrito que é cobarde virar as costas ao inimigo.

Estas são as palavras de homens de espírito competitivo, que caracterizam o domínio militar. Isto é ridículo. Não se devia lidar com este tipo de pessoas. Llidando com aqueles que usam a violência, o mundo não melhorará.

Em tempos, os militares praticavam artes marciais (...) praticaram do ponto de vista do governo militar, não foi?

Não sei muito sobre isto. Talvez tivesse sido esse o curso natural.

Aikido vem dos tempos antigos?

As suas raízes estão no uso subtil do kotodama.

Agora está a começar a fazer-me perder! (risos)

O kotodama foi criado em conjunto com o universo e está a ser guiado pela natureza. Este mundo está a crescer e a expandir-se a cada dia. Está a crescer diariamente e o Grande Espírito da Criação do Universo está a desenrolar-se. Embora o Céu e a Terra estejam a caminho da realização, vemos muitos povos, especialmente os japoneses, que não se aperceberam deste facto. Como está na altura de aceitarmos esta nova felicidade, quero ajudá-los a acordar em breve do seu sonho e a criar uma família amigável reunindo os seus espíritos errantes.

Não percebi tudo o que disse, mas tenho uma ideia aproximada. Do seu ponto de vista, qual é a pior situação?

Primeiro, tudo deve ter um centro. Há o sol nos céus e deve haver um centro na Terra. Não pode trabalhar sem um centro.

Centro... a ideia do Imperador está a assombrar-me...

O Imperador é a democracia.

Estás a pensar no Imperador como era antes da guerra…

Não posso dizer exactamente isso.

Se não disser as coisas com clareza, será problemático.

…mas que atitude!

Tenho uma atitude e tanto para alguém que apoia o domínio militar, não tenho? (risos)

As minhas ideias são diferentes das da ala direita.

Sempre que ouço a palavra "centro", faz-me pensar na ala direita.

Não é uma ideia de direita. Estou a falar de um sistema de harmonia através de acções espirituais. O Budo japonês é baseado no masakatsu (verdadeira vitória, a vitória sobre si), e não é nem para lutar, nem para cortar pessoas. Aqueles que atiram/golpeiam os seus oponentes com violência seguem um princípio de agressão. (...) Em Aikido, nunca batemos na espada do adversário. Tudo o que temos que fazer é levantar dois dedos e ajudá-lo.

É um Budo muito atencioso, não é?

É o espírito do Japão. Se mantivermos o espírito competitivo do passado, continuaremos a matar pessoas e a perder a nossa alma.



CADA UM DE NÓS TEM UMA MISSÃO DIVINA

 


(...)

No entanto, seria bom se houvesse apenas boas pessoas que tivessem boas intenções, mas há muitas pessoas más com más intenções, e se o Imperador estivesse rodeado por elas, os resultados seriam desastrosos. O que acha de nos fazer parceiros próximos? (risos)

Sem dúvida. As coisas que ocorreram até agora não poderiam ter sido evitadas e continuamos a ser um país feudalista. Por conseguinte, o que estou a sugerir é que devemos descartar as nossas roupas velhas e converter o Japão num verdadeiro e novo país que todos devemos servir. Isto é o que eu gostaria que acontecesse. Trabalhas arduamente, lidas (...) com aqueles que não gostas e dás o exemplo, não importa o que as pessoas digam sobre ti... Na verdade, ter muitos tolos como este (M.U.) também seria um problema, não é?

"Tolo" é escrito com dois caracteres chineses yasuku et tamotsu que significam "fácil de manusear". Bem, se todos se tornassem tolos o mundo seria fácil de lidar, não é?

Não me importo que me chamem tolo. Este tolo pensa à sua maneira e não pertence a nenhum grupo. Aqueles que estão a fazer uma cena são aqueles que querem mostrar como são grandes. Não há nada a ganhar com a participação num grupo deste tipo. "A bela forma do Céu e da Terra é uma manifestação de uma única família criada pelos kami..."  Embora eu seja um tolo ignorante, é minha opinião que se não há centro numa família, é o mesmo que várias famílias diferentes que vivem numa única casa. Tal conglomeração de famílias não funciona. Todos insistem em expressar a sua própria opinião e um líder não pode ser escolhido.

Mas se realmente houver um grande indivíduo, todos irão segui-lo a qualquer momento. Tenho a minha missão designada que tenho de completar e tu, sensei, tens a tua própria missão. Um jornal tem a sua própria missão e um agricultor a sua. Cada um tem a sua própria missão. Assim, tudo o que temos que fazer é completar as nossas missões escolhidas pelo céu. Se fosse este o caso, não haveria divergências, não é?

Se, como disse, a missão dos ricos fosse ser rica e a dos pobres para serem pobres, os pobres não a aceitariam.

Não estou a falar de dinheiro.



O MUNDO NA TERRA ESTÁ SUJO





Tenciono completar a minha missão obedientemente. No entanto, num mundo e que pessoas como oficiais militares e oficiais do governo o impedem de completar a sua missão colocando demasiada ênfase no Imperador, o nosso país acabará da mesma forma que antes. No entanto, não faz sentido queixar-se que não lhe permitem completar a sua missão, uma vez que os militares têm armas. Estamos indefesos.

Já não precisamos deste tipo de coisas.

Se continuarmos a bater quando formos atingidos, continuará para sempre.

É por isso que estou a falar de eliminação mental do militarismo. Há pessoas que tentaram colocar o Japão no centro do universo e que morreram odiadas. Há também aqueles que morreram impedidos nas suas tentativas de defender a democracia. Uma vez que o mundo foi corrompido desta forma, devemos descartar imediatamente tais formas e tomar medidas imediatas. Temos de purificar a nossa terra. Tu, Sensei,podes não saber o que quero dizer com "purificar a terra". Não estou a falar de misogi no sentido antigo, que não funciona.

O misogi  de hoje já foi transformado. As coisas antigas são inúteis, mas, ao mesmo tempo, devemos acreditar no que está gravado na literatura clássica japonesa. O facto de o mundo ter sido criado através das vibrações subtis dos 75 sons está escrito lá. Portanto, Aikido é um método de manifestar o espírito puro de todas as pessoas do mundo. É a unidade dos Céus e da Terra. Esta é uma grande democracia. Há quem diga que a unificação do Estado e da política é uma desculpa para o Imperador criar um governo militar, mas isso é ridículo. É a grande democracia, o grande princípio da não-resistência.

Gosto do princípio da não-resistência!

Quero associar-me aos pacifistas. São os fanáticos religiosos que estão mais atrasados.

...está a dizer coisas de que gosto. (risos)

O que acha que pode fazer por aqueles tolos estúpidos?

A única coisa que eles podem fazer é ganhar dinheiro.

Gosto muito de rezar ao kami. Sinto-me muito bem quando inclino a cabeça com as mãos juntas em oração. É com um sentimento de apreço que bato palmas em frente ao altar quando me levanto de manhã. Os meus filhos riem-se de mim, dizendo que sou antiquado. Penso que é bem o contrário. Sou moderno. A razão para isto é que eu contenho o universo na minha barriga. Tenho na barriga as antigas eras do kami, hoje e o futuro. Os  kami habitam em pessoas saudáveis. Grande poder é dado a pessoas saudáveis. Olhe para o sol. É deslumbrante, não é? Mas não é de todo deslumbrante para mim e posso olhar para ele sempre que quero.

Não tem olhos maus? (risos)

Faço amizade com o sol. O sol está ao meu lado. Se uma estrela cair, influencia-me. Vivo no mesmo universo.



"LÁGRIMAS DE TRISTEZA" CHEGAM AO PODER

O que é o Aikido? | Federação Portuguesa de Aikido


Foi um pouco Deguchi Onisaburo que divinamente o inspirou, certo? (risos)

Foi por isso que adoptei a alcunha de Rikizo. Podia mover uma ponte de pedra pesando mais uma tonelada sozinho.

Era um crente de Omoto naquela altura. E agora?

Imagino que não me reconheceriam como um deles agora.

O que o fez ser um crente de Omoto naquela época?

Queria curar a doença do meu pai.

Curou-se?

Ele morreu. Pode dizer-se que desde que morreu, estava curado, certo? Só pode ficar doente se estiver vivo. (risos)

Tem mesmo uma maneira misteriosa de falar. Não percebo o que diz a não ser que pense bastante nisso, obrigado... (risos)

A Omoto ainda me aceita como um membro comum. A religião Omoto representa o grande princípio da democracia. Nunca conheci uma pessoa melhor do que Deguchi Onisaburo Sensei. Foi um grande defensor da democracia. Foi assumido muitas vezes erradamente como membro do partido comunista. Era um grande homem. Aprendi com ele o estudo do kotodama. Mas não me ensinaram formalmente, aprendi naturalmente por estar com ele.

Uma vez arrastei dois líderes da religião pelo colarinho e levei-os para casa por volta da meia-noite. Imploraram-me para não os levar assim, mas disse-lhes que achei as suas opiniões um lixo e levei-os para casa. Tive muitos desafios, mas nunca fui derrotado. Houve uma altura em que andava por aí a carregar uma espada de bambu.


AIKI É A VITÓRIA SOBRE A SUA PRÓPRIA ESPADA




Também venceu um praticante de sumo, não foi?

Havia Tenryu  e Onosato. Quando este último me atacou, levantei-o levemente e projectei-o. Havia um homem chamado Matsumoto Toranosuke que, lamento dizer, faleceu na União Soviética, que sugeriu que Tenryu testou a minha força. O Tenryu estava a rir-se. Tinha mais de 1,80 m de altura e pesava mais de 240 quilos. Eu era um homem tão pequeno que era impossível ter um desafio de sumo com ele. De qualquer forma, disse-lhe para tentar. Agarrei-lhe a mão de ânimo leve e disse-lhe para me empurrar com força. Apesar de me estar a pressionar com toda a sua força, disse-lhe: "Não tens muito poder, pois não?". Depois, mudei ligeiramente de posição e ele caiu. (...)

Em qualquer Budo japonês pacífico, a harmonia é importante. Tens poder quando estás calmo. Se estiver muito ansioso, perde. Por outras palavras, Aiki pretende conquistar algo correctamente. Superas a tua própria espada. Isto é chamado  katsuhayabi  e é muito mais rápido que o sol, a lua e a terra. A razão é que tu és o próprio universo. Não há nada mais rápido ou mais lento no universo. (…)

Os oficiais militares entenderam o espírito de Aikido?

Não, não entenderam. Os oficiais militares baseiam-se na batalha, mas eu baseei-me no meu próprio padrão, em Aiki.

Mesmo que lhes explicasse isso, eles não teriam respondido, "Sim, sim, senhor", não é?

Teriam dito: "Aiya, aiya!" (põe-te em guarda!)



Música: Makai Symphony, Battle of Giants