domingo, 14 de dezembro de 2014

Feira da Ladra


Diz-se que quando dois homens se encontram ou negoceiam ou guerreiam. A guerra é feita nos campos de batalha e os negócios nos terreiros das feiras. A da Ladra, desde há mais de cem anos que acontece no Campo de Santa Clara, próximo da igreja de São Vicente de Fora, a dois passos do castelo de São Jorge, célebre terreno de batalha.
É verdade que já havia guerra quando a Feira de Ladra surgiu. Mas uma feira que remonta ao século XIII é mais do um testemunho do passado, é hoje também um património cultural, um evento que faz parte da identidade de Lisboa. A Feira da Ladra é Lisboa.
A Feira revê-se no todo que é Lisboa, um todo diverso mas integrado, harmonioso e controverso. Da diversidade das coisas e das pessoas à combinação entre estas e o espaço, a Feira organiza-se numa confusão ordenada, entre gritos e pregões, entre tendas, chapéus de sol, lençóis e toalhas esticadas no chão, no meio de carros estacionados, ao longo dos passeios, 
 
sobre os quais se estendem peças de origem comprovada ou duvidosa, antigas e recentes, velhas, estragadas ou novas, num 'bric-à-brac' luminoso, alegre, atractivo, animado. Chega a ser festiva. 
Independentemente do que é negociado, talvez seja a sua característica de mercado de levante aberto a todos que a torna tão popular e atractiva. Tal como a diversidade e a disposição dos objectos, as tipologias e as condições de conservação.
São fundamentalmente as velharias - ou seja, artigos velhos, usados, estragados - e as antiguidades - objectos antigos e/ou artísticos - que preenchem as bancas da feira. Mas também há uma panóplia de coisas novas e usadas, como roupa, discos, artesanato, livros, ferragens, candeeiros, móveis.
A zona é rica em património religioso. A Feira estende-se entre duas igrejas, a de São Vicente de Fora, de construção iniciada na década de 80 do século XVI, e a igreja de Santa Engrácia, essa a das obras intermináveis, conhecida como Panteão Nacional. 
Está ali a dois passos do Castelo, entre a Graça e Alfama. Tem ainda uma aura medieval e anima-se como uma praça El Fna de Marraquexe, ou uma El Hedim em Meknes ou, aqui mais perto, o Rastro de Madrid. Não tem tantos produtos naturais como as congéneres marroquinas, nem a rectilinearidade da feira da capital espanhola, mas é semelhante na disposição caótica das magrebinas e na variedade de produtos da madrilena. 

Música: Jess Cook, Bagdad
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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Tempestade



Em Fevereiro, a tempestade foi notícia. O mar invadiu a costa fustigando todo o litoral. Galgou barreiras, inundou, arrastou pedras, levou areia, bateu forte e feio. Aqui perto, na praia da Adraga, na Praia das Maçãs, na Praia Grande ou em Cascais, o mar encapelou-se valentemente.

Na Adraga, a chuva deu uma ajuda, arrastou pedras pelo ribeiro que vai ter à praia e a areia ficou como superfície lunar. A maré tirou areia à praia e a água parecia ter subido meia centena de metros. Canas e pedras eram testemunhas da força da água. A praia também, curta e mais batida do que habitualmente.



Ali ao lado, na Praia Grande, as ondas lamberam de novo a piscina do hotel das Arribas. A espuma andava ao deus-dará em novelos sobre a água. Do lado oposto, o mar chegava à escada que leva às pegadas de dinossauros na falésia.



Na praia das Maçãs o mar chegava a meio do areal. Tal como na Praia Grande a água estava coberta de espuma e arrastava alguns ramos de árvores, caixotes, garrafões de plástico e mais alguns detritos. 


Mais abaixo, em Cascais, o mar também estava agitado, sobretudo perto da Boca do Inferno e próximo da Marina. As ondas corriam longas e encrespadas durante uma quantidade de tempo. Quando encontravam uma barreira rebentavam com estrondo libertando uma nuvem imensa de água.




As ondas corriam paralelas à costa e iam estoirando nos diversos obstáculos que encontravam.  As que malhavam no muro protector da marina subiam à altura de quatro ou cinco andares e ainda se escapuliam pelos "olhais" que a barreira possui em toda a extensão.



No vídeo, percebe-se a força do mar, o sentido das ondas, a espuma abundante, o avanço do mar e o que a água da chuva arrastou para a praia.



Música: Globus, Diem Ex Dei e Black Sabbath, Black Sabbath






quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Sintra, À Sexta





A fachada do Palácio da Vila reluz.
Foi pintada há pouco tempo com um branco irradiante.
Brilha e atrai muita gente.
Alguns fazem fila, à sombra, para entrar.

Ao sol, está-se tão bem como na praia.
À sombra, tão fresco como sob a ramagem das árvores.

Hoje, é sexta. Nunca estive aqui à sexta.

Há muitos idosos, mais idosos do que ao fim de semana.
A maioria é turista. Sintra está cheia de turistas.
Estamos no início de Outubro, já devia haver menos gente, menos turistas.

Também há mais carrinhas negras, institucionais, com motoristas.
Os Correios estão abertos. Aliás, todas as lojas o estão.

O vai-vem é frenético. Mas uma espécie de frenesim tranquilo muito sintrense.
Há gente para tudo: para andar, para entrar, para conversar, para estar.
É no centro da vila que a maioria deambula.
Quanto mais longe do centro, menos pessoas há.
As que há espreitam, insistem ou fotografam. Outras seguem e desaparecem.

Todos os restaurantes estão abertos. E servem. Já passa das três da tarde.
Um numa varanda, outro numa entrada de garagem, outro num jardim.
Muitos renasceram. Outros são novos.

Há mais lojas de lembranças e produtos típicos. 
Estas crescem agora nos meandros da parte velha que trepa desde o largo da vila.

A acompanhar a Volta do Duche continuam as esculturas em pedra dos escultores da região.
E as bancas de levante com artesanato.

Mas são as ladeiras e as vielas da parte velha que dão gozo. 
O acesso à Periquita está lotado.
Lá dentro, porém, não é preciso esperar pelos "travesseiros".
Espreitei de um miradouro estreito num beco.
Vê-se desde a Câmara até ao outeiro de São Pedro.


Novidade, também, as luzes acessas de dia na Volta do Duche.
Estavam em manutenção, pareceu-me.

Até vi uma BMW 1600 com matrícula sueca.
Tinha os capacetes soltos em cima do banco...

A maioria das esplanadas estão cheias. No centro, nem todas. 
Também descobri uma imperial de 40 cl a 5,10€ no Hokey de Sintra.

Novidades e preços para turista. Parece que estou de férias! 


Música: Arti e Mistieri, Valzer per domani
Ver em formato reduzido






LUMINA, Cascais 2014






Noite, luzes, sombras, brilhos,
sons. Muita gente e muita humidade. Chovera pouco antes, mas na hora de arranque era apenas o ar que estava húmido, as ruas e a relva. O percurso, tal como no ano anterior, estava assinalado a azul. Era só seguir a linha de candeeiros e assistir às diversas performances. 
Começamos pelo parque da Liberdade, entrando próximo do museu Castro Guimarães cuja fachada estava já preenchida por uma projecção. Continuando pelo parque, fomos seguindo as alamedas azuis até um jardim florido de luz. Daí à Casa das Histórias foi um instante, onde estavam projecções filtradas por água que davam uma textura interessante às imagens.

A fachada do Museu do Mar também estava sob projecções e no largo fronteiro erguiam-se espirais de luz ao ritmo de música. Mais à frente, uma grande nuvem de luz "obrigava" a puxar um fio de chuva. Antes, alguns traços resultantes de sombras, desenhavam personalidades famosas.

Numa das ruas exclusivamente pedestres de Cascais, mais propriamente na Frederico Arouca, era um painel de candeeiros alaranjados que acompanhava o vai-vem das pessoas.A seguir era uma espécie de painel luminoso interactivo que captava os traços de novos e velhos. 
No edifício da Câmara também havia de projecções. Aliás, este ano, as projecções multiplicaram-se por diversas fachadas. Ali ao lado, por cima da praia dos pescadores, voam duas baleias. Em baixo, na areia, havia mais uma composição produzida com flores luminosas.

Mais acima, as muralhas da cidadela estavam avermelhada e na porta principal também havia projecções. Esperava-se em fila para entrar. Lá dentro e em redor da praça de armas, todas as fachadas mostravam projecções.

Saía-se para a marina através de uma alameda iluminada com azuis fortes. Muita gente aproveitava aquele tipo de iluminação assegurar algumas fotografias em que os rostos mais pareciam saídos de um filmes de zombies.  

Cores quentes, frias, variadas, manchas, pontos, riscas, fitas, muitas projecções. Acompanhados pela luz nem parece que em cerca de uma hora é possível dar facilmente a volta ao centro urbano de Cascais. 


Música: Al Di Meola, Casino






segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Pavilhão CARLOS LOPES


Naquela altura chamava-se Pavilhão dos Desportos. Nunca lá vi nenhuma actividade desportiva, mas foi ali que assisti a um concerto de uma banda de rock inglesa, no final dos anos 70. Numa altura em que os holofotes já mudavam de cor, mas em que o fundo ainda era animado com slides... 
Ali perto, o parque Eduardo VII convida a uma das paisagens mais atractivas de Lisboa. Basta estender os olhos ao longo das alamedas, esticá-los avenida da Liberdade abaixo e deixá-los no rio. Ou, mais acima, alargá-los para poente ao longo do lago que encima o parque.
Dali, também se alcança a preferia da "Baixa", ficando em primeiro plano a colina do castelo. Mais longe, depois do rio, reconhece-se a Arrábida. É o verde com pinceladas de barro que domina. O sítio e a paisagem são nobres. Já a manutenção dos sítios e dos edifícios deixa a desejar. Basta pensar nos anos em que a Estufa fria "gelou".
Dez anos depois do 25 de Abril mudou de nome. Passou a denominar-se Pavilhão Carlos Lopes e está "encerrado desde 2003. Hoje, a porta exterior está entreaberta e as interiores estão escancaradas. Há lixo por todo o lado e o chão do pavilhão está pejado de dejectos dos pombos que fazem pombal do edifício.
Pensar que o edifício foi inicialmente construído no Brasil para albergar o pavilhão de Portugal na Exposição Internacional do rio de Janeiro, em 1922, e posteriormente desmontado e remontado onde está hoje, não faz prever o seu destino mais recente.
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A expressão as pessoas que passavam era inicialmente de surpresa, depois de incredibilidade. Os turistas mantinham a expressão de surpresa durante mais tempo para depois parecerem interrogar-se: quem é que deixa isto chegar a este ponto, no coração da cidade, sem actividade, sem manutenção, abandonado, degradado, completamente devassado...? 
Aparentemente, houve a ideia de transformar o espaço num museu de desporto. Mas não de concretizou. E o espaço continuou a degradar-se. Depois, foi aberto um concurso público para o abrir como espaço multiusos. Mas embora tenha havido um vencedor, o projecto também não foi para a frente. E a degradação continuou.
Hoje, para além da imundice do espaço, um atentado à saúde pública, o vandalismo já levou alguns painéis de azulejos. E sabe-se lá que mais. Há vidros partidos, muito lixo. Não esperava que o pavilhão Carlos Lopes estivesse de tal forma devassado. A colocação de barreiras em chapa parece ter sido uma preocupação de preservar o espaço. Porém, na porta principal não existe qualquer vedação que impeça qualquer um de entrar. 

Um dia destes, até a escultura do discóbolo que está no átrio do edifício é capaz de desaparecer. Já faltam alguns painéis de azulejos e cabos eléctricos rareiam. Até tenho a impressão de que o escadote que está numa das salas laterais ao átrio serviu para levar um dos candeeiros...
A SIC fez uma reportagem este ano sobre o estado de degradação a que chegou o edifício.
http://sicnoticias.sapo.pt/programas/abandonados/2014-03-10-pavilhao-carlos-lopes-em-lisboa-esta-fechado-ha-mais-de-10-anos, e levou lá o atleta que ganhou a maratona em 1994, em Los Angeles e que deu nome ao pavilhão. Aparentemente, nessa altura, ainda as portas estavam fechadas permanentemente. A Câmara diz que tem projectado para o edifício um Centro de Congressos...

Música: Amethystium, Enchantment
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domingo, 28 de setembro de 2014

Arrábida e Centro Histórico de Setúbal - Apontamentos




Não são notas de um diário, mas apontamentos de uma manhã. De uma manhã amena em que ainda era possível, querendo, dar um mergulho no Atlântico. Pelo menos, era o que sugeriam os azuis da Península de Setúbal, um suave a cobrir o céu e outro forte sobre o Sado.
Na Arrábida, apesar do piso estar bera já antes dos Casais da Serra, a estrada leva pelos meandros da mata mediterrânica, até que chega quase à falésia que acompanha a imensidão do mar. Depois sobe para as mães-de-água, passa pela entrada do convento dos Capuchos, anda pela crista da serra e desce para o Outão passando pela bateria de costa arruinada.
Com um dia limpo, a vista vai além da praia da Comporta e estende-se para lá do Carvalhal. Troia fica ali a um passo, uma estreita faixa de terra que margina o Sado e se dá em areia ao Atlântico. Neste dia, a foz do rio estava assoreada, mas a península continua a ser mais um ponto de atracção, sobretudo quando observada do cimo da Arrábida.

Continuando desde o Outão a caminho da cidade de Bocage, o caminho estreita entre espaços de armazenamento de mariscos, outrora exclusivamente confinados ao comércio do peixe, do marisco e das conservas. Mas hoje, junto à foz do Sado, a praia foi reabilitada. Além dos toldos tradicionais, a zona goza de um conjunto de bares com estacionamento ao longo de um pequena marginal.
Logo a seguir, mantêm-se os edifícios ligados à actividade piscatória que culminam no porto de Setúbal. A marginal passa pelo acesso aos barcos de Tróia e depois flecte para a cidade. Optando pela avenida Luísa Todi, uma das referenciais de Setúbal, neste dia com uma feira de antiguidades a ocupar o jardim central, é possível estacionar perto da zona histórica.
Para quem já não pára há muito tempo neste sítio, concretamente para passar pelo centro histórico da cidade, pode ficar surpreendido com a profusão de ruas exclusivamente destinadas a peões ao longo das quais surgem milhentas lojas de todos os tipos e para todos os efeitos.
Uma ou duas praças servem de referência a um trajecto fácil de percorrer, uma vez que as ruas, mesmo apesar de algumas serem muito estreitas, seguem um padrão praticamente perpendicular. Algumas lojas são diferentes do que é habitual encontrar em centros comerciais.
Há sombras mas também se apanha bastante sol. Há ruas nuas e outras com árvores, Há fachadas giras mas também há muitos prédios degradados. Em geral, o centro histórico é agradável e permite fazer um pequeno pedestre entre lojas, restaurantes, habitações e uma ou outra esplanada.


Música: Focus Music, Hero's Theme