sábado, 24 de maio de 2008

Arco Do Mediterrâneo, de A a Z




Benidorm, 24 a 27 de Abril de 2008

A proposta dizia 'Arco do Mediterrâneo' e apontava Benidorm como local de Encontro. O projecto Arco, uma iniciativa do Clube Paneuropean Espanhol, contemplou a reunião dos clubes português, francês, italiano e espanhol, naquela que é considerada uma das estâncias de férias por excelência da costa mediterrânea. Viagem e estada sem problemas, organização excelente e admiráveis condições atmosféricas. Alguns detalhes, a seguir.

Almoço em Trujillo

Encontrámos o Fernando e a Beta, de nariz no ar, à procura da Plaza Mayor. Porém, os acessos à histórica praça da localidade estavam vedados – preparara-se a festa do Cristo de la Salud - pelo que aproveitamos um estreito túnel, metemos por lá as motos, descemos entre paredes de pedra e desembocamos nas arcadas do … tribunal. Almoçámos numa esplanada na proximidade de egrégias galerias de granito, sob o domínio do castelo, perto da igreja de Santa Maria, e o sob olhar soberano da estátua de Pizarro.



Bem-estar em Toledo

A cidade eleva-se do Tejo como um cone de pedra bege, em cuja base mandam portas e muralhas, e no vértice domina o Alcazar. Ruas estreitas, alcantiladas e íngremes. Passagem pela catedral, pelo Alcazar, por montras repletas de espadas e cavaleiros medievais. Ao jantar, “picámos” numa esplanada acolhedora, sob árvores.
  




Cercanias de Tolaitula.

Era assim conhecida nos tempos do Cid. Já passava das 10, quando abandonámos a cidade conquistada aos árabes por Afonso VI com a participação do um dos Mendes da Maia. Pela circular interior ficamos com uma boa ideia da dimensão, da cor e da assimetria das edificações toledanas.






Daquela Bateria da STX

Consegue surpreender mais do que a neve em Marrocos. Mesmo após um período de funcionamento, de repente, arranha, estrebucha e cala-se. Um empurrão resolve, mas é preciso mais do que um par de braços para impulsionar os trezentos e tal quilos da máquina e do condutor. É sempre um momento apoteótico para as clássicas.




Estrear uma Auto-Estrada

A AP-36 para Albacete ainda não dispunha de áreas de serviço com restaurante, e poucas tinham café sequer. O itinerário é árido, aliás como muitos em Espanha. Até depois de Almansa, o perfil é plano, o ambiente seco, a paisagem cerealífera. Vê-se alguma vinha aqui e ali, a contrastar com bastantes painéis solares…





Félix e Ana

A ST tinha matrícula de Toledo e todos fomos unânimes, quando os interpelámos à hora de almoço: dormimos na vossa terra! Afinal só a moto era toledana. Eles vinham de Valladolid, ali próximo dos Pinguins. Ela é especialmente castelhana, muito divertida no seu estilo 'Castilla ubber alles!'. Ele é moderado e aprecia quem sabe sobre a “questão espanhola”.





Giro de Almansa


Demos duas voltas ao centro da vila, sem qualquer hipótese de chegar ao centro. Parecia a reedição do acesso à plaza Mayor de Trujillo. Espreitámos uma esplanada lá, naquele centro inacessível, mas foi preciso perguntar a um local para encontrarmos um restaurante. Excelente refeição por 10 euros. A truta estava deliciosa.






Hora de Ponta na Estrada e no Céu

O trânsito aumentou ao mesmo tempo que o perfil da estrada se torcia ao longo dos montes alicantinos. Mais carros e camionetas de turismo faziam supor estarmos perto de espaços cosmopolitas. Antes, as muitas e simultâneas esteiras brancas deixadas por aviões no céu, contratavam com as raras que seguimos em Portugal.






Ilha de Manhattan

Assim lembram os altos e esguios edifícios de Benidorm, vistos desde a auto-estrada. Depois, lá por baixo, parecem agulhas de betão esticadas para o céu. Diziam ser o espaço exíguo da comarca a obrigar à construção em altura. Para quem conheceu a cidade há 30 anos, pode afirmar-se que o Burger King e a discoteca da nave espacial, são as únicas referências que se mantêm no mesmo local. O Pacha também desapareceu da proximidade marítima…






Julgamento do Tempo

Sentença: havia que cumprir horários! Disse-o o anfitrião espanhol, o vice-presidente do CPEE, Fernando Largo. Mas não precisava. Não foi pelo relógio de ponto que todos se guiaram. Estava-se ali pelo prazer de estar, não pela necessidade de cumprir. Talvez por isso, não tenha havido atrasos.







Lugares de Nesperas

Foi ao longo do perfil montanhoso da zona, que as Pans evoluíram em estradas estreitas mas de bom piso. São bastantes as estufas de nespras que se estendem ao longo dos socalcos dos montes que dominam os arredores de Benidorm. Depois, foi vê-las ao natural, em almibar, com vinho, em latas, em francos ou em cestos. Tal como as cerejas!




Mil Oitocentos e Oitenta Y El Lobo

A jornada levou-nos até à mais antiga fábrica de torrão de Alicante, um doce típico baseado em mel e amêndoas, semelhante ao nougat francês. O de Xixona é acastanhado, o de Alicante esbranquiçado. Chegou a ser distribuído numa carrinha Rolls Royce…!




Nas Muralhas de Santa Bárbara

Trepa-se um penhasco para chegar ao castelo. Do cimo, domina-se toda a cidade de Alicante, que parece chata de rasa. Acesso penoso, entrada habilidosa, recantos estratégicos, a pedra como dominante. Lembrei-me de fortalezas semelhantes em Málaga e Barcelona.





O arroz alicantino

Rumámos em fila ordenada, rumo a Campello, auxiliados por batedores da polícia alicantina. Almoçámos no Grana, um restaurante situado na marginal da localidade, especializado em arroz, que não é ‘à Valenciana’. O sabor a ervas marca a diferença, além de vir acompanhado por choquinhos com tinta. Em frente, uma praia extensa de areia fina. A noite foi no Palace, à saída de Benidorm, onde jantámos e assistimos a um espectáculo de casino. Um show de dia!



Porta de Guadalest


É estreita e baixa, e mais não permite do que a passagem de pessoas. Antes, eram os burros que levavam as pessoas à porta. Agora, só a pé. Lá dentro, depois do pequeno túnel escavado na rocha, um lugar com uma dúzia de casas, sendo uma delas senhorial, recheada de antiguidades e memórias. No cimo, as ruínas de um castelo. Em baixo, uma pequena albufeira de água verde. Lugar catita!




Quanto mais pequeno, mais surpreendente

Mijas, na zona de Benalmadena / Fuengirola também alberga um museu semelhante de microminiaturas. Em Gauadalest também era possível espreitar ‘A Última Ceia’ pintada num grão de arroz, ver uma escultura de Michelangelo nas asas de um insecto, espiar um par de amantes invisíveis a olho nu. Um mundo anão para quem tem boa vista.






Rio Algar

De novo na serra, curvámos a caminho da nascente do Algar. Um percurso pedestre, com escadarias a trepar as encostas onde o leito do rio cai em cascata de vez em quando. Mas não se chegava à fonte, à nascente, entrevada de madeiras. Valeu pela actividade física e por abrir o apetite.




Sensação de frescura

A tarde aqueceu. Quando regressámos a Benidorm apetecia molhar os pés, sentir a temperatura da água mediterrânica, dar um mergulho. Não tardou a precipitarmo-nos para a água da praia do Levante e, em pouco tempo, estarmos no meio de alguns cardumes de peixes mais atrevidos.






Traduções


Foi um dos aspectos mais divertidos da jornada. Uma simpatia da organização. Assegurar de uma tradutora para uma sessão de esclarecimento inicial e para os discursos da praxe do jantar institucional. Divertido, foi quando nos quis traduzir, em português, o discurso do Zamith. Cómico, também, foi seguir os esforços da Andreia – a tradutora brasileira – que tentava afincadamente que percebêssemos, pelo menos metade do que os outros diziam. O êxtase chegou quando “puta madre” foi traduzido por “cacete”, mesmo que tivéssemos exigido o vernáculo. O acordo ortográfico que se cuide.



Um passeio na marginal

A Penélope, célebre discoteca da rapariga de chapéu largo, está agora na marginal, próxima da zona antiga, paredes-meias com a praia. Tinha uma ‘peixeira’ e um ‘marinheiro’ a dançarem numa espécie de balcão. Tem tudo a ver com a “faina” nocturna da zona. Foram os shots gratuitos que nos enfiaram por baixo dos holofotes. Mas a música puxava pouco e acabámos por assistir a um streap tease na praia de uma expedição de ingleses, seguido de banho nocturno induzido por algumas cervejas a mais.



Voar para casa

Era preciso voltar. De início, faltaram 1050 quilómetros e umas quantas bombas de gasolina, sob a repetição da aridez da Mancha e de Castela. Salvou-nos da monotonia um cordero letchazo e um entrecôte, trincados numa baiuca dos arredores de Madrid.








Xatice


A nossa humanidade é ‘xata’. Obriga-nos a pensar sobre a solidão, a relação com os outros, as despedidas, e a desenvolver aquele sentimento, tão nosso, de saudade. Ainda o programa não havia terminado e já estávamos a despedir-nos. Antes de sairmos, já estamos com saudade. Felizmente, o nosso “adeus” é sempre um “até breve”.




Zás

Mais uma, esborrachada na viseira! Voavam baixo os insectos que se iam amontoando como em vala comum. Viagem catita, apesar da mesmice, do impacto dos insectos, do calor de Badajoz e da fila de trânsito proveniente do Algarve que estava à nossa espera a cem quilómetros de casa. “Uma viagem em família”, como diria Fernando Largo.

O “Arco” convenceu-me. Não tanto pelas iguarias gastronómicas, mais por uma ou outra especialidade, não tanto pela excelência dos locais, mais por um ou outro espaço atraente, não tanto pelo fausto da jornada, mais pelo luxo dos vários momentos de bem-estar e alegria. Anfitriões destes deleites, os espanhóis estão de parabéns.

Música: 1 e 2ª partes - Chick Corea / Spain; 3ª - Oliver Shanti / Gloria para el pacifico dios; 4ª parte - Craig Chaquico / Cafe carnival.

1ª parte



2ª parte

3ª parte



4ª e última parte

terça-feira, 20 de maio de 2008

As Vias das Máscaras



"Uma máscara não é, principalmente, aquilo que representa, mas aquilo que transforma, isto é: que escolhe não representar."
Claude Levy-Strauss, A Via das Máscaras, Presença, 1979
Nas máscaras há religiosidade implícita, utilidade de mudança, símbolo de poder. Em muitas sociedades, as máscaras estão omnipresentes e são determinantes em ocasiões cerimoniais. Mesmo quando se trata de eventos ficcionais ou lúdicos, a máscara estigma a sua presença.
Esquimós, índios americanos, sociedades insulares, etnias africanas, comunidades asiáticas, todos detêm um rico património de máscaras. Estas, ora identificam excelentes panteões de deuses, ora invocam demónios do caos, ora reificam o mundo natural. A máscara é transversal à geografia.
Espólio mitológico, molde iniciático, imagem telúrica, símbolo ritual, laivo mágico ou sobrenatural, qualquer que seja o contexto, a máscara dissimula protagonistas perante pares, vizinhos ou rivais. Vela uma identidade, mas revela outra. Sabe-se fantasiosa, mas reconhece-se significativa. Anuncia-se monstruosa, mas destaca-se simbólica.

A máscara reifica ou endeusa o ritual. Esse, o ritual, comemora, entre outros, os ciclos das estações/produção, em que as máscaras surgem como catalizadoras das preces/intuitos, ou os ciclos de vida (adolescência/adulto), como reconhecimento de mudança de estatuto, ou os ciclos do poder político/ religioso, como símbolos hierárquicos.


Da austera primitividade das dos caretos, à marcialidade das dos samurais, passando pela mestiçagem das dos deuses asiáticos ou o traço fino das africanas, as máscaras distinguem, simbolizam, identificam. Diferenciam, ao separar uns dos outros e o eu de si próprio. A distinção faz-se do mascarado para os outros, mas também de si sem máscara, para si mascarado. É-se outro entre outros, mas também um outro eu.

Simbolizam, por que representam uma entidade mítica, demiurga ou animal, com um carácter, com um propósito, esses já de ordem cosmológica ou social. Identificam, por que nomeiam, baptizam uma personagem, e simultaneamente qualificam os intentos do protagonista, quer no seu estatuto social quer na sua qualidade de indivíduo.
Significativo, e talvez determinante, a transcendência que assume o mascarado, uma grandeza da ordem do simbólico, mas com repercussões no quotidiano.
Tal como o préstimo da máscara, que valoriza o protagonista, também a sua utilização está intimamente ligada à economia do grupo (o grupo dos chefes, o dos sacerdotes, o dos adolescentes, o dos agricultores, o dos guerreiros, etc).
Disfarce, distinção, ocultação, representação ou interacção, algumas das “utilidades” da máscara, são sempre modificações, mudanças. É a transfiguração que altera, sendo essa a principal razão de uso da máscara. (Mesmo a reprodução do ritual é feita com intuitos de renovação).
É nessa tranformação, nessa alteridade que surge a morte. A máscará é, também, uma face de morte, uma representação simbólica da morte. Inexpressivas, sobretudo as de madeira nonocolor, dão essa imagem árida, inerte, ao mesmo tempo ameaçadora, terrível. Também ela exorcisa a morte, também ela marca a diferença entre a vida e a morte.
A assunção de uma máscara, é a avocação de uma transferência, de uma mudança, de uma diferença. De adolescente a adulto, de actor a personagem, de leigo a especialista, de participante a celebrante, de crente a Deus, a máscara aproxima os primeiros dos segundos, ajuda a intenção a chegar ao objectivo, transfigura para assumir.
Notas:
Os vídeos mostram dois aspectos das máscaras. O aproveitamento dinâmico, lúdico e quase publicitário das máscaras, por ocasião de um desfile da “Máscara Ibérica” na Baixa Lisboeta, e uma exposição de máscaras asiáticas, patente no Museu do Oriente, recentemente inaugurado na capital.

Algumas imagens fixas foram copiadas do catálogo "Máscara Ibérica", um apublicação do Museu Ibérico da Máscara, em Bragança http://www.mascaraiberica.com/accesible/POR_actuaciones.htm
As imagens animadas foram capturadas quando do Desfile da Máscara Ibérica, em Lisboa, em 3 e 4 de Maio de 2008
Outras imagens foram tiradas do espólio patente no recém inaugurado Museu do Oriente.

Músico: Craig Chaquico
Música: From the Redwoods to the Rockies