terça-feira, 7 de agosto de 2018

Instantes de Tóquio: Cultura Popular



Há pouco tempo, trouxe aqui o tema do "outro mundo".
A cultura japonesa insere-se nesse contexto. 
A representação de personagens, o modo de vestir ou a realização de rituais, são elementos culturais comuns à humanidade. 
Porém, cada sociedade molda os seus. 

COSPLAY / ASSUMIR UMA PERSONAGEM




Um dos temas mais atraentes da cultura humana é o das representações, das representações colectivas, das experiências colectivas, da assumpção de desempenhos onde o 'eu' dá lugar ao 'outro'.  
A relevância vai para os papéis que cada um (re)presenta nos diversos palcos/colectivos da vida.
Todos nós, de alguma maneira, somos actores / desempenhamos um papel na vida, no mundo, no grupo. 
Também na escola, na empresa, na equipa, em casa, entre os amigos. 
Esse papel pode contemplar, também, para além de expressar comportamentos e carácteres, uma representação visual.


O Cosplay é um caso desses. 
Enquanto representação de uma figura, transfere para o sujeito ou empresta ao sujeito, uma personalidade. 
Disfarce ou fantasia, cópia ou original de uma personagem, tanto faz. 
Realidade e/ou ficção misturam-se nesta actividade lúdica que tem uma grande componente visual.
Como muitas das manualidades japonesas, o Cosplay tem uma componente artística significativa. 
Uma arte que transforma, que cria ou sobretudo reproduz personagens. 
 proximidade com o ou a personagem define o ou a artista.


Tal assumpção, revela-o individualmente e no seio do grupo. 
Ao assumir o papel de uma figura/personagem – mesmo que adaptada e/ou inventada – o protagonista, o Cosplayer, adopta esse papel / essa personagem, como sua, como sua máscara.
A motivação está nos livros de manga, num jogo ou num filme. 
De um deles, sairá o/a personagem cujo aspecto e personalidade será copiada fielmente. 
Depois, no espaço público, valem a exposição, exibição ou mesmo a competição.


A exposição é aproveitada comercialmente, por exemplo, para publicitar um aloja ou um produto, divulgar uma prática ou simplesmente “chamar a atenção” qualquer outra coisa ou qualquer lugar, com seja, um restaurante. 
A exposição, tão controlada, regrada, evitada no Japão, tem lugares precisos para acontecer com mais frequência e com menos pressão social. 
São os casos das grandes avenidas ou ruas/zonas comerciais, Takeshita ou Shybuya, ou em zonas mais alternativas, como seja, Harajuku.


Assumindo a regra de que, “em Tóquio, sê japonês” -, e fotografar pessoas não é das actividades mais bem-vindas por parte dos locais -,
associado à aversão a fotografar desconhecidos, 
as imagens de cosplayers aqui reproduzidas são mais informativas do que estéticas.

Talvez menos polémico e, possivelmente mais sugestiva, as imagens de pessoas envergando trajes tradicionais,
não chegam a contrastar com os cosplayers, já que também estes são, hoje, raros de ver. 
Sobretudo, em ambientes públicos exclusivamente urbanos.  

QUIMONO / VESTUÁRIO TRADICIONAL


Kiru (vestir), Mono (coisa), “coisa de vestir” em linguagem ocidental, dito Quimono, é um dos trajes tradicionais do Japão. 
Pelo menos, omnipresente até meados do século XIX, quando o Japão enfrentou nova pressão ocidental com a concorrência de modas estrangeiras.


Para nós, o quimono tornou-se num símbolo nipónico e, como tal, também uma forma de os ocidentais, experimentarem/encaixarem a/na cultura japonesa. 
Talvez por isso, se vejam muitos ocidentais vestidos com quimonos a tirarem fotografias nos parques da cidade.


Mesmo assim, alugando, para além da habilidade, ou necessidade de pedir a alguém que saiba para vestir um quimono e obi (cinto), estimo que tal empresa não seja barata. 
O custo dos quimonos, especialmente os de seda, é muito elevado.


Hoje, mesmo no Japão, o uso do quimono está confinado a cerimónias artísticas tradicionais – festivais, cerimónia do chá, - em cerimónias protocolares ou em ritos de passagem, como sejam formaturas, casamentos ou funerais.

SAKURA MATSURI / FESTA DA PRIMAVERA


O cuidado, o gosto e a (quase) veneração que os japoneses dedicam ao mundo vegetal, sobretudo às flores, estão enraizados na cultura há milhares de anos. 
E, não estão apenas relacionados com as referências mais importantes, 
crisântemos ou cerejeiras, por exemplo.


A proliferação de parques, mas especialmente o preenchimento dos mais recônditos espaços com flores é prática comum. 
Apesar da escassez de espaço, os passeios alinham vasos ou canteiros de flores, que se estendem às portas das lojas.


Porém, a época de floração da cerejeira é ímpar. 
A flor da cerejeira é um símbolo nacional japonês, uma espécie de esfera armilar ou cinco quinas para os portugueses. 
O Festival das Cerejeiras ou Festa da Primavera é um dos pontos altos das celebrações colectivas do Japão.


Conhecida como Sakura, a flor de cerejeira, considerada como flor nacional do Japão, tem uma floração muito curta, mais ou menos duas semanas. 
Essa particularidade efémera ligou-a, pelo menos de forma existencial, à precaridade da vida, à fragilidade da existência humana.


Essa associação à vida fugaz sem medo, mas também ao aproveitamento intenso da existência, 
estabeleceu-se ferinamente na vida dos samurais, 
através do seu severo mas lúcido código, Bushido, o caminho do guerreiro.


Tal como a Primavera, que dá rapidamente acesso ao Verão, também a floração da cerejeira é rápida e curta. 
Em pouco tempo, as flores cairão e serão levadas pelo vento. 
Por isso, enquanto perdura, há que apreciar cada momento da sua existência. 
Daí, também, a sua popularidade, o seu elogio, a sua simbologia. 
Dai o Festival.


As fotografias mostram um cenário belo e deixam uma ideia sublime. 
O manto e a suavidade da cor dominam a paisagem. 
A luz que o branco rosado empresta ao ambiente é algo que se percebe rapidamente nas fotografias das sakuras.


Porém, entre a realidade, o estar lá, e a representação do que lá está, a fotografia, vai uma distância significativa. 
Em dimensão, cor, aroma, composição, enquadramento. 
Como em tantos outros aspectos e situações, estar lá, além de regalia, 
é aferidor e garantia de que, “ao vivo”, o quadro estético é uma obra-prima.


Essa beleza alastra ao longo dos rios e dos canais. 
Perto do apartamento, em Sumida, um dos canais adjacentes, estava marginado por irrepreensíveis alinhamentos de cerejeiras. 
De tal forma compactas que, também ali, dava a impressão de as árvores estarem cobertas por tapetes de flores rosadas.


O tapete de sakuras estende-se ao longo de ruas e preenche muitos espaços nos parques. 
Junto dos templos ou em redor dos lagos, muitas parecem ter sido esculpidas,
 para se harmonizarem com o ambiente, sobretudo com o relevo e com outras árvores.


No interior do Palácio Imperial – assim como no Goyen Park ou mesmo no Ueno Park - parecia haver árvores especialmente tratadas, 
para que os respectivos ramos se estendessem de forma estilizada na paisagem. 
E não é apenas essa condição que se revela, 
talvez seja mesmo a omnipresença dos ramos floridos que domina todo o espaço.


É um privilégio pode estar dentro daquele cenário, fazer parte daquela realidade, num período tão breve. 
Estar no meio de milhares de cerejeiras floridas é realmente um evento, um espectáculo, um momento, uma sensação inolvidável, 
mas sobretudo uma ocasião para (re)ver/fruir a nossa relação com a natureza.


O vento completa o cenário, animando-o. 
Com a aragem, as flores executam pequenos voos ou caem em conjunto originando “chuvas de pétalas”. 
O manto que antes se estendia pelos ramos das árvores, passa a cobrir o chão como tapete.


Toda aquela beleza, espectáculo, tranquilidade, também parece ter uma função relacionada, mais uma vez, com a harmonia, com o equilíbrio dos contrastes. 
Em redor dos parques, em redor das cerejeiras, o que prolifera são os prédios, 
alguns enormes, outros demasiado “cinzentos” e, por tal, antíteses daquela beleza.

 

Não serão apenas as cerejeiras, nomeadamente na sua fase de floração, a contrabalançar esse contraste entre o urbano construído e a área vegetal.
 A existência de tantos, de muitos parques, alguns de pequena dimensão no extremo dos bairros, é só por si compensadora da “selva de construções”.


Os japoneses, que tanto tempo passam nessa área “cinzenta”, entregam-se de corpo e alma ao festival. 
O Parque Ueno estava pleno de grupos de famílias, de amigos, de colegas de trabalho, a fazer piqueniques sob as frondosas cerejeiras.
Mesmo considerando alguma falta de comodidades implicadas num piquenique, como seja, sentar em cima de oleados, o tempo estar fresco, encontrarem-se sob o olhar de milhares de turistas, o número de convivas era impressionante.


Música: Kitaro, Matsuri