quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Rituais de JEREZ DE LA FRONTERA


O bilhete de 1987 

Diz-se que o bichinho fica, quando nos pomos a jeito. De moto, porém, a coisa parece mais radical, mais rara, mais exótica. Funciona como qualquer ritual primitivo. É uma espécie de kula(1): “uma vez no kula, sempre no kula”, diz-se nas Trobiand. Aqui, nas motos, as corridas parecem parte de um ciclo ritual. Mas, se o “uma vez nas motos, sempre nas motos” é aceitável, o “uma vez nas corridas, sempre nas corridas” já não é tão linear.

As corridas de motos, as provas nacionais e os grandes prémios, são ritos que fazem parte do ritual das motos. Estivemos lá, durante alguns anos, do Estoril a Paul Ricard, de Jarama à Granja do Marquês, de Jerez a Santo André. Estivemos, no plural, porque eram rituais colectivos, celebrações de amizade, de novidade, de aventura. Sobretudo uma glorificação do risco - do nosso (e dos que estavam em prova) - mercê do endeusamento da mudança, do teste à diferença, da apoteose do nós versus outro sítio. Talvez nem tanto de competição entre os pilotos.
O rito começou cá, mas rapidamente passou a fronteira. Jarama ficava a cerca de 6 horas de viagem. Viagem(ns) que, considerando as estradas, as motos e os custos, não deixavam de ser uma aventura, um risco, uma proeza arriscada. Depois, esse risco foi sendo atenuado pela melhoria de todas aquelas condições.

Durante alguns anos, o autódromo de Jarama, perto de Madrid, foi palco dos despiques espectaculares protagonizados por Cecotto, Hartog, Sheene, Spencer ou Roberts. No tempo em que as “dois tempos” dominavam as pistas do motociclismo. Íamos, já nessa altura, pelo despique dos campeões, mas sobretudo pelo desafio da viagem.

Porém, no início dos anos 80, o autódromo de Jarama já não era uma pista segura para as motos. Por tal, em meados da década, o destino do Grande Prémio passou para terras andaluzas. Foi para os domínios dos Osbornes e dos Domecqs. Já lá haviam corrido espanhóis (e alguns portugueses) num circuito urbano que incluía, salvo erro, o atravessamento de uma linha férrea.
Os espanhóis são adeptos incondicionais do motociclismo. Além disso, tinham conseguido construir um autódromo com condições excelentes. Assim, as corridas do campeonato do mundo de motociclismo em Espanha passaram a ter lugar no novíssimo autódromo de Jerez de la Frontera. Estava situado a uma dezena de quilómetros da cidade andaluza, terra de bom vinho, bom clima, bons petiscos e boa estrada, e ainda de muitos alojamentos a preços acessíveis.

Jerez de la Frontera ficava mais perto do que Jarama, possibilitava várias opções de itinerário, era um sítio novo. Essas novidades permitiram também o surgimento de um novo ambiente em redor do Grande Prémio de Jerez. E não apenas na capital do vinho doce andaluz, mas também nas localidades vizinhas. Assim, além de Jerez, as localidades de Chipiona e Puerto de Santa Maria modificaram-se durante o período das "corridas". 
Ali perto, talvez Cádis nunca tenha beneficiado dessa transformação. Porém, Chipiona, Jerez e o Puerto passaram a gozar do estatuto de lugar de eleição, aventura e transgressão, praticamente impossível de copiar em terras portuguesas. Um ambiente de festa que Madrid e Jarama nunca tinham conseguido. Para além da novidade do circuito, havia agora também um envolvimento mais rural, mais “humano”. Habituadas a um turismo sazonal de praia, também ele contribuiria para um ambiente mais permissível do que o de Madrid implicava.

Nos primeiros anos, defrontaram-se Gardner, Lawson e Doohan, entre outros. Eram despiques que entusiasmavam sobretudo espanhóis e portugueses. Mas também se via por lá franceses, ingleses, italianos e alguns alemães. Tal como em Jarama. Mas a festa era sobretudo dos latinos, com os espanhóis a encherem cada vez mais o autódromo.
Jerez de la Frontera era de onde emanava a animação. Mas Puerto de Santa Maria, em frente da angra de Cádis, era o local mais animado. Depois, Chipiona, já para lá da baía de Cádis, passou a ser também um lugar de extroversão importante. Talvez até o mais genuíno, o mais imponderável, o menos "controlado". Por isso, Chipiona passou a ser para nós um sítio de romaria anual durante alguns anos.

Aliávamos a excitação das corridas à agitação da movida. Juntávamos a festa das rivalidades na pista com a do folclore motociclístico. Jerez, Puerto e Chipiona tinham rituais ímpares. Alugar um quarto em Chipiona, beber um copo de Jerez, degustar atum fumado, "picar" os acepipes estremenhos, ir e vir ao autódromo, fazer a "marginal" de Chipiona a Jerez, passando por Rota. 

Mas o mais castiço era visitar os "curros" e apreciar as proezas dos habilidosos, assistir aos “cavalos”, “burros”, derrapagens e mais que fosse. Muitas vezes, nem sequer se ia aos "curros”. Era mesmo na via pública que os "artistas" actuavam, rodeados de um público disponível para qualquer desempenho que envolvesse duas rodas. Ou seja, era acompanhar um circo onde os temas iam desde as rodas da frente e de trás no ar, motos a andarem de lado, a queimarem pneus (burnouts), a distribuir "rateres". Mas, sobretudo, motos por todo o lado.
Era também por ali que se viam as últimas novidades de vestuário. Mas também do restante equipamento. Era por ali que passavam os últimos modelos, muitas vezes protagonizadas em primeira mão pelos portugueses.

Mas também era o lado kirsch dos capacetes com cornos, das motos sem roda da frente, das bonecas insufláveis à pendura, dos “rateres” (cortes sincopados de corrente em aceleração) até à exaustão do motor, dos “burnouts” (roda traseira a derrapar com a moto parada) em motos que iam, algumas em atrelados, exclusivamente para os fazer.
Íamos pelas provas, mas em grande medida pelo ritual daquele fim de semana. Era uma espécie de romagem que implicava um périplo por Chipiona, Jerez e Puerto de Santa Maria. Todavia, essa peregrinação que, de início juntava o gosto pela competição ao gozo da animação, foi dando lugar apenas ao segundo prazer. 

Parte da nossa satisfação decorria da viagem, do ambiente naquelas três localidades e, cada vez menos, do ambiente e das corridas no autódromo. Era sobretudo nas ruas que as motos e as pessoas (e também os muitos portugueses), se cruzavam todos os anos. Nós fomos lá, durante vários. Eis um pedaço da memória desses tempos que contemplam três anos de corridas. Já lá vão mais de 20. As fotos em cima têm mais. São de 1990.

1991, 11/12 de Maio - TEMPO DE PRAIA


Três motos, quatro amigos. Uma Kawazaki ZX-10, uma CB 500 e uma Honda VF Sabre 750. A CB foi a que mais sofreu, sobretudo a tentar acompanhar alguns trechos do percurso. O trajecto espanhol era propício ao esticar da ZX-10.

Jerez 1991 - Parte 1 - A Caminho de Jerez
Música:  Santana, Let The Childreen Play
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Saímos por Elvas. Parámos no posto de abastecimento que fica à entrada, do lado direito, na rua principal daquela cidade alentejana. Ainda lá estávamos quando chegou um grupo de motociclistas com alguma pressa. Pararam, alguns entraram, mas não ficaram todos no mesmo sítio. Pouco depois, parava uma brigada da BT. 

Como habitualmente, as etapas ligavam postos de abastecimento. Voltámos a parar na bomba de gasolina que ficava no início da auto-estrada que ligava Sevilha a Cádis. Estava quente, com temperaturas semelhantes às da primeira vez em que havíamos assistido ao GP de Jerez. Cem quilómetros mais abaixo, estava mesmo tempo de praia.


Jerez 1991 - Parte 2 - Um Passeio Por Chipiona
Música:  Santana, Let The Childreen Play
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Para nós, Chipiona não era uma estreia. Mesmo assim, andámos pela rua principal, passámos pelo farol, percorremos a marginal, voltamos à avenida, virámos para o “El Gato”, onde havíamos jantado no ano anterior. Mais tarde, fomos por Rota até Puerto de Santa Maria. Bebemos um copo no bar do parque de campismo e demos um passeio pela localidade. Naquela tarde, ainda fomos até ao autódromo tomar-lhe o ambiente.

No dia das corridas fomos obrigados a deixar as motos longe da entrada. Por isso, atravessámos o extenso parque de estacionamento ao longo do habitual mar de motos e enxame de cores. Escolhemos uma bancada de onde víamos quase meio autódromo, embora com uma rede de arame de permeio. Fomos brindados com alguns "cavalos" protagonizados por um casal numa BMW K100. Divertimo-nos com os aficionados espanhóis, sobretudo com uma deliciosa rábula de bolinhos e vinho que envolveu uma fotógrafa, e assistimos à vitória de Michael Doohan nas 500cc.

Jerez 1991 - Parte 3 - Nas Corridas
Música: Santana, Let The Childreen Play
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Abastecemos na primeira área de serviço da auto-estrada após Jerez. Foi uma má opção. Nossa e a de mais de uma centena de motos. Valeu o tempo excelente que nos acompanhou até casa.
Desta vez, optámos por regressar por Vila Real de Santo António. O Guadiana ainda se atravessava apenas de barco. E o pôr do sol indicava-nos o caminho para casa. 

Jerez 1991 - Parte 4 - O Regresso
Música: Santana, Let The Childreen Play
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1993, 1/2 de Maio: DOOOHAN! D’ANTIIIIN!



Saímos cedo. Desta vez, apenas dois. Fizemos uma etapa até à fronteira, entramos na nacional espanhola e parámos perto de Zafra, quando a ZZR 6000 “já tinha bebido 10 litros”, o que indicava não termos andado devagar até ali. Passámos por Zafra, já depois do meio-dia. Mais à frente, fomos ultrapassados por um Kevin Schwantz espanhol que parecia estar em plena pista, joelho no chão e a tirar partido das duas faixas de rodagem, neste ano excelentemente recuperadas e alargadas. Por volta de Dos Palacios, pouco depois de Sevilha, fomos rodando ora devagar, aproveitando para filmar os outros a passar, ora mais rápido fruindo das longas rectas do percurso, ultrapassando cada vez mais motos. Jerez estava próximo.

Ainda parámos para reabastecer e a meio da tarde chegávamos a Chipiona. Demos um passeio rápido pela localidade, com o Manel aos comandos da máquina e parámos para comer uns aperitivos no restaurante Alfonso. Depois, seguimos para o autódromo. A noite, a avenida principal de Chipiona fervilhava de animação e não tardou que alguns aficionados da roda no ar a transformassem numa espécie de “curro”, onde ”cavalos” e “éguas” tomaram conta do espanto de todos, inclusivamente quando uma moto-serra apareceu no passeio “guiada” por outro artista. 

No dia da prova, chegámos tarde ao autódromo. Apesar de existirem muitas bancadas e um enorme "peão" - onde ficámos na estreia dos GP's anos antes - desta vez, assistimos às corridas atrás do arame, com quase tanta gente nas bancadas como no exterior, uma moldura humana impressionante. Também notável, a logística da prova enchia o parque das boxes como se fosse uma praia algarvia no verão.

Uma das bizarrias desta jornada esteve sem dúvida no comentador da prova de 500 cc, um irrepreensível admirador de Michael Dooham, que seguiu a corrida do australiano, que a disputava ao milímetro com Schwantz, gritando em todas as curvas “Mick, Mick, Dooooohan!”. Nas 250cc, o ídolo do comentador de serviço era indubitavelmente Luis D’Antin, pelo que passou a prova a berrar “D’Ántin! D’Antin!”.

O norte-americano acabou por vencer a prova, mas Doohan ganhou o campeonato. Também lá andavam Rainey e Criville. Voltámos pela inevitável Sevilha, onde parámos numa ponte à vista do espaço da Expo 92, naquela altura aparentemente inóspito.

Música: Pat Metheny, Still Life, Letter From Home

1994, 7/8 de Maio: O ÚLTIMO ANO NO AUTÓDROMO

Em 1994 ainda fomos ao autódromo. Mas apenas no sábado. Já não assistimos às provas. Não sei se pela chatice da saída após as corridas – anos antes, havíamos ficado parados à vista do circuito durante uma hora! – se pela comodidade dos ecrãs gigantes, deixámos de assistir in loco às corridas. Nesta altura, Lisboa já estava ligada ao Algarve pela A2, mas a Via do Infante ainda não passava do primeiro troço. Do lado espanhol, a auto-estrada também só começava depois de Huelva, pelo que o itinerário para Jerez também podia passar por Beja, Rosal de La Frontera, Aracena e, só em Sevilha, seguir pela auto-estrada que ligava a Cádis, elegendo praticamente estradas nacionais.

Saímos numa sexta-feira. Neste ano, a opção de Sevilha a Chipiona, incluiu também a estrada nacional. À chegada, escolhemos ficar de novo num quarto alugado como habitualmente à Mari Carmen. Depois, o folclore passou por Chipiona, Jerez, mas sobretudo pelas ruas de Puerto de Santa Maria. Nesta altura, ainda estava montado o “curro” motociclístico. Numa rua fechada ao trânsito, colocavam-se barreiras laterais e deixavam-se entrar os aficionados para fazer “cavalos”, “burros”, derrapagens e, mais o que quisessem fazer, desde que mantivessem a adrenalina em alta aos milhares de espectadores que ladeavam essa alameda de energia, desempenho e loucura. O domingo de manhã foi dedicado às corridas. Uma vez mais, Doohan ganhou, mostrando continuar a perseguir o recorde de Agostini. O tempo esteve sempre irrepreensível.


Música: Ryan Farish - Full sail

O QUE FICA

Uma memória imensa de tempos de maior risco, aventura e agilidade física e mental. Um conjunto de imagens, cheiros, palavras, ruídos e episódios de viagem. Uma mão cheia de ideias e experiências, num tempo em que as responsabilidades familiares não eram exigentes.

Contudo, ao contrário das viagens mais longas de verão, Jarama /Jerez não viciou, talvez pela mesmice do ambiente, pela unanimidade do abandono, pelas alternativas surgidas. As corridas continuaram, mas nós também continuámos a andar de moto. Há um tempo para tudo, parece.


(1) Ritual de troca de bens decorativos nas ilhas Trobriand, Nova Guiné, com forte componente sócio-cultural que, uma vez iniciado, só termina no fim da vida dos participantes.

iLUMINA Cascais



Um Festival de Luz

Foi no início de Setembro, quando o Verão habitualmente se despede. Desta vez, ainda se mantinha agradável. O céu estava limpo e o tempo quente. Excelente para passear e, desta feita, percorrer um itinerário de luz, iluminação e criatividade.
Perto da estação, já uma face tão enigmática como tranquila parecia dar as boas vindas aos utentes da CP. Depois, era seguir as centenas de luzes cerúleas pelas ruas de circulação exclusivamente pedestre e descobrir aqui e ali, as diversas intervenções. Espectáculos de luz, de vídeo, projecções, esculturas luminosas, instalações. Cascais transformava-se numa galeria de arte nocturna, com muitas obras a céu aberto.
Ao longo do trajeto que levava à praia, à cidadela, ao Parque da Liberdade, às ruas interiores de Cascais, via-se de tudo. Figuras humanas produzidas com lâmpadas de néon iluminadas de forma a dar sensação de movimento, um misterioso igloo isolado no meio da areia da praia dos pescadores, projecções com caras de cascalenses, projecções de vídeo com crianças alunos de escolas de Cascais e de países bálticos. O mar, as pessoas e natureza como tema.
O “Lumina - Festival de Luz” foi criado por Nuno Maya e Carole Purnelle, autores das projecções “Arco de Luz”, efectuadas no Terreiro do Paço. O evento envolveu mais de 20 artistas nacionais e internacionais, inspirados pela luz, pelo mar, pelas pessoas, pela natureza e pela luz.


Música: Aito Moreira, Fingers

Novo Espaço dos Coches

Entre o palácio de oitocentos, o casario do início do século XX, um jardim dos anos 40 e o Tejo lendário, vai nascer o novo Museu dos Coches do século XXI. A nova proposta para acolher o espólio que está exposto (e guardado) em vários locais, sendo os mais importantes, o actual museu, no Palácio de Belém, e no palácio de Vila Viçosa.
Ao longe, o olhar reconhece uma quantidade de extensas paredes opacas que ocupam muito espaço e vedam à vista a área habitacional e o rio. De longe, parece um bunker. E se o olhar o condena, a alma rejeita-o de seguida. Para o tolerar é preciso penetrar no âmago do gigante. Aproveitamos o Lisboa Open House para espreitar o espaço por dentro.
Desta feita, entra-se por uma abertura dissimulada nos painéis de chapa branca que circundam a obra. Lá dentro, o olhar tranquiliza-se face à volumetria e divide-se pelo espaço livre e pelo espaço edificado. O primeiro será preferentemente de circulação, o segundo de exposição. Mesmo assim, o colosso impressiona.  
Esperamos num auditório em anfiteatro. O desafio de apetrechamento tinha sido “ser popular”. Simples e de linhas direitas, mostra no formato corrido dos assentos, a popularidade dos bancos verdes dos jardins lisboetas. Daí, partimos à descoberta do que será o novo Museu dos Coches, cuja abertura está prevista para 2014 ou seguinte.
Fomos com Ricardo Bak Gordon, co-arquitecto do projecto desenhado pelo brasileiro Paulo Mendes da Rocha para o espaço das antigas instalações das Oficinas Gerais do Exército., acompanhados por outro pequeno exército onde ponderavam muitos estudantes de arquitectura.
Entre o actual e o novo Museu dos Coches vai uma curta distância. Não mais do que uma esquina. Porém, o enquadramento, a arquitectura e a decoração do interior de ambos é muito diferente. O actual está fixado no picadeiro do palácio de Belém, o novo será alojado sobre uma estrutura suspensa. O primeiro está integrado num edifício de século XVIII, distando mais de dois séculos. As paredes do actual estão preenchidas com quadros de época e o futuro museu deve mostrar imagens projectadas. Talvez o único ponto em comum seja o facto de ambos disporem de uma área expositiva e de uma área suspensa de observação.
O novo museu dos Coches não é apenas um edifício. É um conjunto de espaços, de estruturas e de expectativas. O espaço exterior parece sobretudo destinado á circulação e à recuperação da ligação entre os bairros e a antiga “praia de Belém” uma zona extensa e plana que margina o rio. É possível observar a preocupação com essa relação reconhecendo as escadas e as “entradas” existentes a norte provenientes da zona habitacional.
Mais. É possível perceber que o projecto não se limitou a apresentar um edifício, mas que levou em linha de conta a necessidade de devolver o espaço às pessoas, um espaço de ligação importante entre o rio e as casas que agora propõe entre eles mais um de cultura e conhecimento.
O edifício principal dispõe de seis colunas exteriores gigantescas. São elas que suportam o “chão” da parte expositiva do museu. O museu está suspenso. O impacto é imediato, mesmo considerando os taipais que ainda o protegem. A base do edifício não se vê. É aí que a tal “estrutura em cristal”, parece suportar aquela imensa “caixa” que tem em cima. Realmente, acima, a volumetria destaca-se. E é essa base que lhe irá dar alguma leveza. 
A “estrutura em cristal” não é mais do que um espaço envidraçado, de um e de outro lado do edifício, destinado a áreas de recepção e entrada/saída. Ao nível térreo, dentro do “caixote”, estão as oficinas, a entrada dos coches e parte da logística do museu. No piso de cima está a área expositiva. Acima desta, estendem-se áreas de observação em estilo varanda.  
Estando vazia, a área expositiva parece enorme. As paredes brancas conferem-lhe uma imagem gélida e os espaços de passagem entre salas, com portas em trapézio, acentuam o ambiente laminar. Supõe-se que as paredes sejam preenchidas com projecções adequadas aos objectos expostos, e que a desigualdade geométrica das portas sobressaia de forma harmoniosa.
As janelas (muito rasgadas) nos topos, a leste e a oeste, levam a vista para os parques que envolvem o complexo. A sul há uma varanda que se debruça sobre a zona ribeirinha. Do lado norte, através de um acesso ao exterior fica-se com o olhar muito perto do palácio de Belém e das casas tradicionais da rua da Junqueira. Apesar de relativamente fechado sobre o conteúdo, reconhece-se também uma ligação com os diversos espaços exteriores. 

Por enquanto, o museu é um esqueleto, uma carcaça que apenas guarda luz, sombra, ar e água, mas que já se impõe no espaço que ocupa. Quando se vir livre dos taipais o peso que agora exibe atenuar-se-á. Quando o envolvimento exterior se integrar no espaço vizinho ganhará outra aura. Quando o interior estiver preenchido pelos coches centenários, há que o revisitar. Quanto custou, se era premente, se é a melhor solução para aquele espaço, são algumas interrogações que ficarão sempre associadas à obra. Mas já é habitual haver polémica na orla ribeirinha... 

Música: Atlântico, Morning Waves
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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

PALÊNCIA DAS GÁRGULAS

Ficámos numa ilha.
Mas nem por isso, longe do centro da cidade.
Palência é um burgo pequeno com uma avenida principal que divide a parte antiga da parte moderna.
Na parte antiga é outra avenida, mais pequena, muito simpática que, a partir de certo ponto, está reservada a peões.
É quase um quilómetro de passeio pedestre entre edifícios dos séculos XIX e XX, com as típicas varandas fechadas com vidraças de cima-abaixo, à imagem das varandas galegas.
Uma das pontes de aceso à ilha
Optámos pelo hotel Rey Sancho.
Trata-se de um quatro estrelas com alguns anos, porém em excelente estado.
Dispõe de quartos excelentes e uma piscina com espaços adjacentes muito agradáveis.
Está a cerca de 100 metros da avenida principal.
Tem estacionamento à porta.
Quando chegámos à catedral, a lua do final do dia iluminava-lhe os telhados..
Especialmente as dezenas de cegonhas que o coroavam como gárgulas vivas em poses majestáticas.
A catedral tem uma aspecto rude, já de um gótico tardio mas que ainda vem muito do românico visigótico.
Aliás, na cripta, ainda há vestígios dos tempos dos “bárbaros”.
A plaza Mayor é imprescindível, como em qualquer povoação espanhola que se preze.
Jantar por ali um cordero lechal (ou lechazo) impõe-se. Não foi barato.
Mas o sítio, apesar de não ser vasto é simpático.
Em redor, há galerias colunadas e a habitual animação da nossa hora de jantar.
Quando os espanhóis vão beber uma canha, trincar uns pepinitos, "picar" para criar apetite...
Catedral de Palência
Nota-se que não há tanta gente na rua como em outras cidades.
Palência parece conjugar harmoniosamente o ambiente urbano com o ambiente rural.
Exceptuando uma pequena área industrial, é a zona rural que domina os arredores.
A harmonia estética da plaza Mayor e da avenida principal contrata com algumas fachadas nas ruas secundárias.
Numa delas, de acesso à catedral, descobre-se que algumas opções não foram as melhores.
Porém, o (mau) contraste depressa se desvanece à chegada à Catedral.
O ambiente leva para um tempo remoto e a harmonia de cores e texturas sossega o estouro de cores de uma ou outra fachada de prédios.
No conjunto, Palência mostra-se agradável para passar uma tarde e ser etapa última de um périplo, a meio dia de distância de casa.
Sendo uma cidade de pequena dimensão, encontra-se tudo com facilidade.
E tudo fica perto.
E combustível? Foi numa Campsa de auto-estrada, na AP-8 espanhola que o gasóleo foi mais barato: 1,358€/l. Já à entrada de Barcelona, em Molins de Rei, os 1,424€/l estiveram muito próximos do abastecimento mais caro - 1,474€/l -, em Battenheim, próximo de Estrasburgo, França.


Música: Avatar, James Horner
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FUTUROSCOPE

Estava sintonizado para visitar um parque que fosse uma espécie de mix La Villette/EuroDisney. 
No entanto, talvez seja mais do tipo Parque Asterix/Parque Warner Madrid.
Eventualmente a alguma distância dos anteriores em equipamentos e novidades.
No entanto, com atractivos semelhantes aos congéneres franceses e espanhóis.
Lá perto, o Ibis tem espaços de serviço bastante maiores do que é habitual.
Dispunha inclusivamente de piscina.
Fica a cerca de 500 metros da entrada do parque temático.
É possível, por tanto, fazer uma boa passeata de ida e volta.
Embora ameaçasse chover, só no dia seguinte caíram umas pinguitas.
À chegada, não havia filas de entrada.
Parecia catita.
No entanto, surgiram problemas (ou era mesmo propositado...) com as máquinas automáticas de bilhete.
Não estavam a aceitar VISA, o que levou dezenas de pessoas para uma recepção exígua.
Para adquirir os bilhetes, perdemos meia hora.
Lá dentro, há muito espaço disponível para andar, sombras e bancos suficientes.
Guloseimas e adereços de marketing são semelhantes a outros parques.
Talvez o bar aéreo fosse a proposta mais estranha em matéria de restauração.
Mas havia que consumir para que o bar, uma estrutura elevatória, finalmente subisse…
Alguns edifícios e das atracções têm uma arquitectura futurista.
Numa delas, uma espécie de robôs de pintura, animados num ambiente de discoteca enorme, “dançavam" ao som de música de DJ.
Transportavam duas pessoas que, durante 2 minutos, abanavam como se estivessem no meio de um ciclone.
Sempre ao ritmo da música de dança.
Outras atracções são um cinema 4D e 3 salas de cinema Imax, com 3D, com filmes sobre aves, vida natural marinha ou surf.
Uma das projecções era feita na habitual tela esguia.
No entanto, para além de passarem naquele ecrã as imagens continuavam em outros situados debaixo dos bancos.
Eram cardumes de peixes e dezenas de golfinhos a passarem sobre os nossos pés…
A entrada custa 18 euros por pessoa, das cinco da tarde à meia-noite.
Apesar de ser bastante tempo, permite assistir apenas a metade das projecções.
Havia fila para o cinema 4D e para os robots dançarinos.
À imagem de muitos parques temáticos, o dia acaba com um espectáculo.
Este articulava luz, som e água, sobre um lago.
Contava uma espécie de fábula ecológica. 


Música: Avatar, James Horner
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À PARIS


Paris é vasta, imponente, imperial.
Tem muito para ver e visitar.
Mas num domingo, em que muitas visitas são gratuitas, é impossível não estar algumas horas em filas.
Para visitar o Louvre gratuitamente ou, mesmo pagando, subir à Torre Eiffel, há que contar com tempo de espera na bilheteira e, depois, à porta.
Um dia de visita não pode ir além de um percurso pelas ruas, pelas margens do rio, pelos monumentos principais e pelas fachadas mais atractivas.
Num périplo previamente delineado.
Ficámos pelas fachadas.
Descartada a possibilidade de visitar interiores, optámos por um passeio pedestre.
Inicialmente, devia ultrapassar uma dúzia de quilómetros.
Como em Roma.
Mas ficámos pelos oito.
Tantos quantos dos de Veneza, talvez tão cansativos como os três a subir e descer em Lugano. 
Paris até merece mais...
Lago no Palais Royal
De manhã, o “metro” de Bagnolet para Saint-Lazare ia praticamente vazio.
Ao princípio, não havia muita gente nas ruas.
Os jardins do Palais Royal tinham meia dúzia de pessoas.
Contudo, à aproximação do Louvre, era notório que todos para lá convergiam aos 
No túnel de acesso à “pirâmide” o tráfego era mais intenso do que o da “Etoile”.
A Pirâmide, apesar de ser de vidro monopoliza o olhar.
É no subsolo desta que está situada a recepção dos museus do Louvre.
Percebe-se que a logística se encontre ali.
Mesmo assim, a fila ia para além dos 500 metros.
E, neste dia, não se pagava.
O museu Louvre são vários museus, distribuídos por outros tantos edifícios.
À “vista desarmada” a extensão e a altura dos edifícios fazem supor que uma visita serão sempre várias visitas.
É impossível visitar todos os museus num dia.
Nem em dois, provavelmente nem numa semana.
Além da fila gigantesca na recepção, havia que contar com a que existia à porta de cada museu.
E nós chegámos lá pouco depois das 9 da manhã…
Se o Louvre é grande, o Jardim das Tulherias é enorme, extenso, um parque grandioso.
A multidão do Louvre não o enche.
Sensivelmente a meio, é onde está mais gente, em redor de um lago, sentada em cadeiras de metal.
As pessoas querem apanham sol, o sol precioso que banha Paris nesta altura.
E que não se iria demorar por lá.
No entanto, nos jardins não falta arte.
Próximo da roda gigante, há uma área de recreação.
Em redor, uma zona de restauração ao estilo “feira popular” serve comida mediterrânica.
Pode-se almoçar a olhar para o obelisco de Luxor que ocupa a parte central da praça da Concórdia ou deixar os olhos na estatuária urbana do parque.
Típicas, parecem ser as cadeiras de braços em metal distribuídas um pouco por todo o parque.
Um dos sítios mais visitados de Paris é o Arco do Triunfo.
Trata-se de uma obra napoleónica feita à imagens dos arcos de triunfo romanos e com a mesma intenção de glorificar os vencedores.
É na sua base que se encontra o túmulo do soldado desconhecido francês.
Há nos, tinha sempre guarda de honra.
Hoje, apenas a chama relembra as vítimas das guerras.
Há anos, quase não tinha turistas.
Hoje, estava pejado.
Nas paredes do arco estão gravadas as batalhas napoleónicas.
Entre outros, ressalta o nome de “Almeida”, alusivo ao cerco da cidade pelas tropas anglo-lusas.
Foi de lá que os franceses conseguiram efectuar uma fuga prodigiosa.
Almeida possuiu hoje um museu – que aproveita os edifícios e as muralhas dessa altura – alusivo às invasões napoleónicas.
Arco do Triunfo
Paris é uma cidade cara.
Sobretudo no centro, e mais provavelmente ao fim de semana.
Nota-se no preço das garrafas de água de 20 cl dos vendedores ambulantes (1€);
no preço de um café numa esplanada dos Champs Elysée (9€);
no preço de um dia de estada no Hotel Amarante, um quatro estrela, ali perto da Etoile (250€).
Mas como serviço é serviço, é natural que os preços na loja Hugo Boss dos Campos Elísios também sejam surpreendentes.
Até têm porteiros.
Os sítios de risco também se percebem.
A caminho do Trocadero, passa-se pela embaixada do Irão.
Há grades no passeio e logo após carrinhas de polícia de choque.
Mais à frente, está a torre Eiffel.
Aí, uma patrulha que mais parecia de para-quedistas, vigiava a base da torre.
Armados com metralhadoras e em passo ligeiro…
A Torre Eiffel estava em obras.
Mas nem por isso as pessoas desistem de subir, de fotografar, de “acampar” em redor.
Aos seus pés, o Champs de Mars, um extenso jardim semelhante ao das Tulherias, acolhe os milhares de turistas que aproveitam a relva para descansarem.
A torre só se encaixa nos ecrãs das máquinas fotográficas se visada de longe.
Além dos enquadramentos que podem ser ensaiados desde o Trocadero, a torre fica excelente ajustada ao monumento “Le Mur de La Paix”.
Trata-se de um pedido do governo francês – encomendado na comemoração do ano de 2000 - para promover a paz e a tolerância.
Está do lado oposto ao Trocadero, do lado nascente do Champs de Mars.
Colocar um monumento à paz no jardim do deus da guerra é capaz de ter sido propositado…
Florença já tem multas para os adictos dos cadeados.
Paris parece que ainda não adoptou a medida.
Pelo menos na ponte des Arts, a julgar pela colocação sistemática dos chamados “cadeados do amor”.
A intenção é catita, mas em alguns sítios, o arame que liga a estrutura dos corrimãos da ponte já está partido.
Mas como Paris é a “cidade do amor” o peso dos cadeados deve estar de acordo com as expectativas…
O Sena integra-se bem no espaço parisiense.
Parece estar sempre presente.
As margens também o acompanham nessa assimilação.
Há muito que o rio acolhe barcos-casa nas suas margens.
Os extensos e largos passeios à beira-Sena aproximam as pessoas do rio, mas afastam-nas das ruas que o marginam.
Casa-barco no Sena
Praia nunca tinha visto, ou melhor, de espaços com areia e cadeira de praia, não estava à espera.
Mas lá estão, ao longo do rio, na margem soalheira.
Com uma ou outra palmeira envergonhada dentro de um vaso.
Com pedaços de areia dispostos como se de um jardim se tratasse.
A Notre Dame, o ícone gótico de Paris tem agora à sua frente uma estrutura com rampa que dá acesso a bancadas.
O espaço frontal à catedral está agora muito mais curto.
E estranho.
A solução pode ser interessante do ponto de vista do conforto.
Mas o exterior do lado da fachada perde o enquadramento, o espaço de circulação amplo e os ângulos de observação naturais do monumento.
Detalhe na fachada da Notre Dame
Na rua das traseiras, não havia praticamente ninguém.
Porém, à frente da fachada do Centro Georges Pompidou, a fila de espera já ia a metade da praça.
Ali próximo, imergindo de um lago, um conjunto de esculturas de metal pintado substituíam a visita ao ‘Beaubourg’ como é conhecido o mais famoso centro cultural parisiense.
Não deixa de ser estimulante (e auspicioso) ver tanta gente interessada em arte e cultura.  
Já estavam muito presentes em Roma e Veneza.
Este ano os asiáticos parecem ter escolhido Paris como destino de férias.
Poucas vezes ouvimos falar português.
No entanto, nos sítios mais visitados ainda surpreendemos algumas famílias de turistas portugueses.
Entrada do Centro Georges Pompidou
Há muitos vendedores ambulantes, sobretudo africanos.
Nas avenidas que marginam o Sena há muitos alfarrabistas.
Os poemas esotéricos de Pessoa também lá estavam, em francês.
Bem como muitas réplicas de cartazes de espectáculos dos anos 60/70/80.
Há muitas esplanadas em Paris.
As cadeiras estão habitualmente voltadas para o passeio.
Tasmbém voltadas para o sol.
Os franceses também devem gostar de olhar uns para os outros.
Cosmopolita esta Paris.

Música: Avatar, James Horner
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