Entre o palácio de oitocentos, o casario do início
do século XX, um jardim dos anos 40 e o Tejo lendário, vai nascer o novo Museu
dos Coches do século XXI. A nova proposta para acolher o espólio que está exposto (e guardado) em vários locais, sendo os mais importantes, o actual museu, no Palácio de Belém, e no palácio de Vila Viçosa.
Ao longe, o olhar
reconhece uma quantidade de extensas paredes opacas que ocupam muito espaço e
vedam à vista a área habitacional e o rio. De longe, parece um bunker. E se o
olhar o condena, a alma rejeita-o de seguida. Para o tolerar é preciso penetrar
no âmago do gigante. Aproveitamos o Lisboa Open House para espreitar o espaço
por dentro.
Desta feita, entra-se
por uma abertura dissimulada nos painéis de chapa branca que circundam a obra.
Lá dentro, o olhar tranquiliza-se face à volumetria e divide-se pelo espaço
livre e pelo espaço edificado. O primeiro será preferentemente de circulação, o
segundo de exposição. Mesmo assim, o colosso impressiona.
Esperamos num
auditório em anfiteatro. O desafio de apetrechamento tinha sido “ser popular”.
Simples e de linhas direitas, mostra no formato corrido dos assentos, a
popularidade dos bancos verdes dos jardins lisboetas. Daí, partimos à
descoberta do que será o novo Museu dos Coches, cuja abertura está prevista
para 2014 ou seguinte.
Fomos com Ricardo
Bak Gordon, co-arquitecto do projecto desenhado pelo brasileiro Paulo Mendes da
Rocha para o espaço das antigas instalações das Oficinas Gerais do Exército.,
acompanhados por outro pequeno exército onde ponderavam muitos estudantes de
arquitectura.
Entre o actual e o
novo Museu dos Coches vai uma curta distância. Não mais do que uma esquina. Porém,
o enquadramento, a arquitectura e a decoração do interior de ambos é muito
diferente. O actual está fixado no picadeiro do palácio de Belém, o novo será
alojado sobre uma estrutura suspensa. O primeiro está integrado num edifício de
século XVIII, distando mais de dois séculos. As paredes do actual estão
preenchidas com quadros de época e o futuro museu deve mostrar imagens
projectadas. Talvez o único ponto em comum seja o facto de ambos disporem de
uma área expositiva e de uma área suspensa de observação.
O novo museu dos
Coches não é apenas um edifício. É um conjunto de espaços, de estruturas e de
expectativas. O espaço exterior parece sobretudo destinado á circulação e à
recuperação da ligação entre os bairros e a antiga “praia de Belém” uma zona extensa
e plana que margina o rio. É possível observar a preocupação com essa relação
reconhecendo as escadas e as “entradas” existentes a norte provenientes da zona
habitacional.
Mais. É possível
perceber que o projecto não se limitou a apresentar um edifício, mas que levou
em linha de conta a necessidade de devolver o espaço às pessoas, um espaço de
ligação importante entre o rio e as casas que agora propõe entre eles mais um
de cultura e conhecimento.
O edifício
principal dispõe de seis colunas exteriores gigantescas. São elas que suportam
o “chão” da parte expositiva do museu. O museu está suspenso. O impacto é
imediato, mesmo considerando os taipais que ainda o protegem. A base do edifício não se vê. É aí que a tal “estrutura em cristal”, parece suportar aquela imensa “caixa” que tem em cima. Realmente, acima, a volumetria destaca-se. E é essa base
que lhe irá dar alguma leveza.
A “estrutura em
cristal” não é mais do que um espaço envidraçado, de um e de outro lado do
edifício, destinado a áreas de recepção e entrada/saída. Ao nível térreo,
dentro do “caixote”, estão as oficinas, a entrada dos coches e parte da
logística do museu. No piso de cima está a área expositiva. Acima desta,
estendem-se áreas de observação em estilo varanda.
Estando vazia, a
área expositiva parece enorme. As paredes brancas conferem-lhe uma imagem
gélida e os espaços de passagem entre salas, com portas em trapézio, acentuam o
ambiente laminar. Supõe-se que as paredes sejam preenchidas com projecções
adequadas aos objectos expostos, e que a desigualdade geométrica das portas
sobressaia de forma harmoniosa.
As janelas (muito rasgadas) nos topos, a
leste e a oeste, levam a vista para os parques que envolvem o complexo. A sul
há uma varanda que se debruça sobre a zona ribeirinha. Do lado norte, através
de um acesso ao exterior fica-se com o olhar muito perto do palácio de Belém e
das casas tradicionais da rua da Junqueira. Apesar de relativamente fechado
sobre o conteúdo, reconhece-se também uma ligação com os diversos espaços
exteriores.
Por enquanto, o museu é um esqueleto, uma
carcaça que apenas guarda luz, sombra, ar e água, mas que já se impõe no espaço
que ocupa. Quando se vir livre dos taipais o peso que agora exibe atenuar-se-á.
Quando o envolvimento exterior se integrar no espaço vizinho ganhará outra
aura. Quando o interior estiver preenchido pelos coches centenários, há que o
revisitar. Quanto custou, se era premente, se é a melhor solução para aquele espaço, são algumas interrogações que ficarão sempre associadas à obra. Mas já é habitual haver polémica na orla ribeirinha...
Música: Atlântico, Morning Waves
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