terça-feira, 27 de abril de 2021

4A,4P,4M França 2009, Pirenéus Atlânticos


2019 já não foi um ano de grandes viagens. O seguinte, muito menos, sobretudo a partir do primeiro trimestre, quando toda a gente passou a ficar confinada a passeios na sua rua e pouco mais. Dos anos anteriores, todavia, resta-nos a memória, esse cofre de  momentos marcantes, onde guardamos os nossos tesouros mais cativantes. Revendo o passado, enriquecemos o presente e projectamos o futuro. Por enquanto, retrocedemos alguns anos no tempo. Elegi 4 viagens, em 4 países, em 4 anos diferentes, arrumados em 4 minutos de vídeo. Vou privilegiar as imagens face ao texto. Hoje, vamos a 

 

FRANÇA, PIRENÉUS ATLÂNTICOS, 2009

 



Durante anos a fio percorremos de moto a “nacional” que levava a Madrid, quer fosse para assistir às provas no circuito de Jarama, quer para ir além Pirenéus. 
Próximo da ponte que atravessava o Tejo na região de Almaraz, era costume parar para reabastecer, após concluir umas quantas curvas valentes, algumas delas autênticos ganchos. A esse troço, chamávamos-lhe “serra” e terminava aqui junto do lago que o Tejo formava. Hoje, o restaurante está em ruínas e o posto de abastecimento já não existe.

O alvo era agora Siguenza, um burgo medieval situado a cerca de duzentos quilómetros de Saragoça. Quando o alaranjado do ocaso iluminou as muralhas egrégias do castelo, erigido sobre uma colina que domina o casario da pequena encosta, pensei que descobrir Shangrila ou El Dorado devia ser semelhante. Afinal, era "apenas" o Parador de Siguenza. Estava no local certo, à distância que prevíramos, local sossegado e atraente. Ficamos entre muralhas.

No dia seguinte, serpenteámos até Roncesvalles. Assim foi, até à famosa localidade que ainda faz parte do célebre Caminho de Santiago. Trata-se de uma terra pequeníssima com alguns alojamentos, um complexo de edifícios religiosos e lojas de recordações. Dispõe ainda de um parque de merendas, sendo sobretudo um lugar de paragem mais que não seja para recuperar alguma energia e arremeter para Santiago ou pela montanha. Foi o que fizemos, antes de começar a trepar os Pirenéus.


O nosso destino dos próximos dias, Saint Martin D'Arrossa, estava a quase 1200 quilómetros percorridos desde casa. Parecia estar praticamente a chover quando deixámos a recepção do hotel, rumo ao quarto que nos estava destinado no anexo. Naquela região, a hotelaria não tem muitas camas, pelo que é difícil alojar um grupo grande no mesmo edifício.

Juntaram-se 25 motos, 14 espanholas, 8 portuguesas, 3 francesas. 
Corria uma certa aragem na manhã do dia seguinte. Quando saímos da primeira prova de enchidos, começou a chover. Embora o céu estivesse plúmbeo, o ambiente coloria-se pelo vermelho das portadas e das malaguetas deixadas a secar nas varandas de madeira pintada.


Mais á frente, foi a vez de visitarmos uma cooperativa de fabricação de queijos de recente formaçãoAlém de produzirem ainda com algumas técnicas artesanais, as ovelhas que ordenham são de uma raça autóctone ainda levada pelos pastores para os viçosos pastos pirenaicos.


A primeira visita da manhã do dia seguinte, levou-nos a um lagar da regiãoonde são fabricados os tintos, os ubíquos rosés, e alguns vinhos brancos. Não fizeram grandes adeptos entre os portugueses. Detalhe curioso, o facto de cortarem as parras das videiras para melhor deixarem penetrar o sol nas uvas.

Daí a pouco, estávamos em Saint Jean Pied de Portvila que pertence ao Caminho de Santiago, Património da Humanidade. O castelo, a rua principal e a ponte são de visita obrigatória. Talvez por isso estes locais enxameassem de turistas. Muitos dos forasteiros eram peregrinos, outros jovens em campos de férias, outros vizinhos espanhóis, outros emigrantes portugueses.

Depois de almoço, quais lagartos pirenaicos, saímos do restaurante para a apanhar uma réstia se sol quente. Aproveitámos para dar dois dedos de conversa e pousar para o fotógrafo, numa cálida sessão que apanhou... da esquerda para a direita, António Zamith, Carlos Cordeiro, Quim Soares, António (vizinho português do Bernard), José e Lena Marques, Pinto dos Santos, António Carvalho, Julieta Libório e António Branco.


Mais tarde, voltámos à estrada. Quanto mais alto estávamos, menos vegetação alta nos acompanhava. A partir de determinado ponto, os penedos sobrevieram tal como se estivéssemos nas Beiras. Ao longe, via-se gado, sobretudo ovelhas e vacas e, no ponto mais alto que atingimos, eram cavalos que também por lá se passeavam.

À noite, a cidra foi rainhaRumámos a uma cidraria que distava cerca de dez quilómetros do hotel, já nos arredores de Saint Jean. Propriedade de um motociclista francês, a cidraria dispunha de dois tonéis embutidos na parede, de onde jorrava, através de pequenas torneiras, a célebre bebida de maçã. Uma boa ideia do Bernard.


No final do jantar, o Bernard, organizador do passeio, fez a habitual distribuição de recordações do evento. A nós, calhou-nos uma garrafa de cidra, e um 'cooler' em barro mercê de termos sido os que haviam viajado de mais longe. A outros, a sorte cobriu-os com véus...


Seríamos os primeiros portugueses a sair no domingo. Viajaríamos sós, tal como sucedera para lá. Próximo de San Sebastian já chovia. O regresso estragava-se. No entanto, até Vitoria, o tempo arranjou-se. Nos arredores de Palência, já se sentia o calor do sol a malhar nos blusões e foi assim até Vilar Formoso. Depois, nem uma aragem e, perto da Guarda, o calor já era impressionante, a roçar os 40 graus.





domingo, 18 de abril de 2021

Kamakura, Japão

Toda a gente conhece a serra de Sintra, a cerca de três dezenas de quilómetros de Lisboa, um lugar histórico, com a vila no sopé, acessos íngremes, escorregadios, estreitos e misteriosos, vegetação abundante, com trilhos que trepam a caminho do castelo e do palácio. Em Kamakura, a pouco mais de meia centena de quilómetros da capital nipónica, o cenário é semelhante. 

Aqui, as árvores, as casas, a penedia, o piso, as cores, o ambiente húmido, as veredas, as grutas, os trilhos, são em tudo semelhantes. O silêncio estende-se pelas encostas, a reverência pelos templos, a paisagem vai do vale ao topo da montanha, os caminhos rompem a floresta e trepam pelas fragas.

Tal como Sintra, embora situada a uma altitude inferior, também Kamakura se situa próximo do mar, banhada pelo Oceano Pacífico onde a prática de surf se bate com o de Ribeira de Ilhas. Até é possível surpreender um Mini numa garagem. Em Sintra, porém, não se reconhecem avisos nem ruas de evacuação em caso de tsunami...

TREPAR A SERRA

Desde a planura da cidade, é sempre a trepar, no meio de um bosque cerrado, com piso instável, flora lúbrica, colorida e frondosa, templos recônditos, penedos gigantescos, miradouros e recantos tão românticos e fascinantes como aterradores. Felizmente, as zonas íngremes são raras, mas foi por aí que trepámos, num dia tão húmido como desafiante.

De Tóquio, através da Linha Ueno, não chega a uma hora de viagem. Atravessámos os arredores de Tóquio, mais urbano, passámos por uma zona campestre, tão plana como a capital, e saímos quando o relevo já crescia frondoso. Chegados à estação de Kita-Kamakura  é possível, de ali, iniciar a escalada.

Está húmido e o trilho começa a subir mal deixamos o comboio naquela primeira estação de Kamakura. Levamos apenas um mapa com algum detalhe, mas o percurso está facilitado com indicações universais assim que saímos da zona urbana. O casario multiplica-se em pequenas aldeias, umas a seguir às outras, com pequenas moradias dispostas ao longo da estrada, com jardins exíguos, decorados com uma singeleza ímpar.

Avançamos por estreitas ruelas onde não há passeios e raros ou privativos são os lugares de estacionamento automóvel. Há pouca, muito pouca gente a circular nestas ruas, parecendo que todos trabalham fora. Há mais turistas do que autóctones, mesmo considerando que muitos desses turistas são japoneses ou asiáticos. Estamos todos a percorrer o mesmo trilho.


EM KINPOZAN JŌCHI-JI, COM O BUDA DA FELICIDADE

Numa curva da estrada, abre-se uma escadaria valente que leva a um templo budista zen, Kinpozan Jōchi-ji, fundado em finais do século XIII. Hoje, pouco resta do grande templo original, constituído por mais de uma dezena de edifícios, destruídos pelo terramoto Kanto. O edifício principal, que não é grande, tem no átrio três estátuas de Buda que representam o passado, o presente e o futuro.

Próximo, fica um cemitério budista envolto num bosque de bambus. Um dos acessos faz-se através de um túnel que leva à estátua de um Buda da Felicidade, de aspecto simpático, mas cuja devoção dos fiéis é de tal ordem já lhe alisaram, a barriga, uma orelha e o indicador, de tanto os afagarem.


Passeamos sozinhos pelo cemitério envoltos na habitual serenidade destes lugares, todavia sob um vasto manto de humidade, ao longo das inúmeras campas e das pedras lapidares de forma geométrica. Junto à rocha, em pequenos espaços cavados na pedra, surgem lápides e esculturas de animais.

Trata-se de túmulos escavados nas encostas das colinas, muitos originários da Idade Média, sepulturas destinadas a sacerdotes e personalidades de alto estatuto. Praticamente todos os túmulos têm uma lápide, embora algumas sejam iguais. Na maior, onde cabem várias pessoas, está o Buda da Felicidade.

Apesar de o ambiente ser acinzentado pelas rochas que nos rodeiam, as cores nunca desaparecem dos diversos cenários, quer na zona urbana, quer já ao longo dos trilhos, junto dos cemitérios e dos templos. Verdes, vermelhos e dourados juntam-se à profusão dos brancos rosados das sakuras. 


ZENIARAI BENZAITEN, UM TEMPLO NA CAVERNA


Deixámos o cemitério por um trilho que nos levou de novo a uma pequena zona urbana. Pouco trânsito na estrada, pouca gente nos exíguos passeios, um grupo significativo de estudantes caminhava de forma organizada a caminho de casa. Almoçámos num pequeno restaurante à beira da estrada e saímos na direcção do Zeniarai Benzaiten, um templo construído numa caverna, fundado em finais do século XII.

Da planura da aldeia voltámos ao trilho pedregoso e escorregadio. O envolvimento continuou a assemelhar-se à nossa Sintra, todavia sempre acompanhados pelas flores de cerejeira que iam abrindo a claridade do caminho. Encontramos um mapa informativo e confirmarmos estar em pleno Parque Genjiyama.

Andamos já num trilho exclusivamente pedestre. Primeiro amplo, depois cada vez mais estreito, entre penedias. Não tarda que se perceba que o cenário já teve um perfil de defesa. Tal data de 1333, quando Kamakura se tornou um campo de batalha sangrento, na época da invasão perpetrada por Nitta Yoshisada.

Vamos entrar por um dos sete “pass” da montanha. O solo pétreo continua escorregadio o que obriga a caminhar com muito cuidado. Passamos a andar entre vegetação frondosa e densa onde, por vezes, somos obrigados a escalar os degraus da penedia. 

Ainda caíram uns pingos de chuva no topo da montanha, a deixar o chão ainda mais escorregadio. Prosseguimos, já acompanhados por mais turistas. Entretanto, o tempo melhorou assim que começámos a descer. E, nesta descida, surpreendemo-nos numa passagem entre rochas, ao descobrir uma espécie de caverna. 

Passámos o túnel de acesso, onde não cabiam mais de duas pessoas lado a lado. Depois, um corredor sob um conjunto de torii, portais japoneses da tradução xintoista que assinalam a proximidade de um santuário. Entrávamos em Zeniarai Benzaiten, num espaço pequeno, mas pleno de gente, parecendo ser um dos locais mais visitados da serra.

E esse facto talvez esteja relacionado com o sincretismo do kami – deus – que ali é adorado, que combina um espírito tradicional nativo e uma deusa budista de origem indiana. Essa fusão de crenças religiosas nota-se quer nos componentes decorativos, quer nos elementos dos rituais, desde os torii ao incenso.

Acompanhamos um dos rituais xintoistas, o temizu – ritual de purificação simbólica – que consiste em lavar a mão e a boca, e significa a limpeza da alma e da mente. Mais à frente, já dentro da caverna, os rituais multiplicavam-se e havia fila para aceder a alguns dos recantos. 

A claridade é ténue. Os visitantes tentam não cair e evitar ir de encontro uns aos outros. Mais perto dos altares, numa fonte famosa pelos predicados de multiplicação de dinheiro, havia pessoas a lavar moedas...


KŌTOKU-IN, ONDE SE SENTA O GRANDE BUDA

Almoçámos pouco depois, no regresso à zona urbana. Voltámos a sair da rua principal, passámos um túnel rodoviário e, em 10 minutos, estávamos perante o Grande Buda, Daibutsu, uma estátua de bronze, com mais de 13 metros de altura, de interior oco, que ocupa o espaço do santuário Kotoku-in. 

Maior do que este, no Japão, só o do templo Todai-ji, em Nara. O Daibutsu data de finais do século XIII, inicialmente construído no interior de um templo, está agora no meio de um jardim. Inicialmente, era dourado e ainda é possível distinguir folhas de ouro junto das orelhas da estátua.

Em seu redor, nos jardins, as sakuras dominam formando um tecto rosado sobre a passagem de milhares de pessoas. Voltou a chover, mas as pessoas continuam a circular, habituadas a este tipo de clima. Tudo é calmo, silencioso e reverente, uma característica que a serra de Kamakura empresta ao ambiente.

SURF NA BAÍA DE SAGAMI


Kamakura já foi capital do Japão há quase 7 séculos, tendo sido a região com maior população no século XIII, durante o período Kamakura. Hoje, a cidade geminada com Nice, em França, junta a profusão de templos na floresta da serrania, aos seus próprios na zona urbana, aos muitos festivais culturais anuais e, ainda, à prática de surf. Dispõe ainda de, em caso de tsunami, muitas vias de fuga assinaladas.


É sobretudo à vista da praia de Yuigahama - comprida, larga e com ondulação suave -, na baía que banha a cidade, que o surf é popular desde há muitos anos. Neste dia, eram muitos os praticantes de windsurf que por ali andavam, indiferentes ao tempo chuvoso que assolava a praia, a marginal e a cidade.


Além destes, que davam um colorido agradável ao mar cínzeo da baía, também os cafés e as lojas de surf emprestavam alguma identidade estética ao ambiente. Curiosas, as decorações das bóias dos pescadores, neste dia confinados nas suas pequenas barracas de madeira. Tal como um clássico Mini branco, um dos carros ideais para guardar numa exígua garagem japonesa.

Um dia bem passado em Kamakura. Na floresta e na zona urbana, entre templos budistas e xintoístas, em subidas e descidas, pouco mais de seis quilómetros em percurso pedestres, íngreme por vezes é verdade, mas suficientemente suave para repetir. Porque Kamakura está lá, tem muito mais para descobri, para ver e para sentir, quer no bosque quer na cidade. 



segunda-feira, 12 de abril de 2021

Madrid, pelo Fim do Ano

 


Toda a gente conhece Madrid, ou ouviu falar, ou já viu imagens, ou tem amigos que já lá foram. Para além da monumentalidade – dizem que, império oblige – também tem espanhóis, a maioria madrilenos. Rapaziada alegre, brincalhona, barulhenta, como a maioria dos espanhóis. Amigos de festas e da rua - tudo é pretexto para ir -, dá para imaginar que o Fim do Ano fosse uma (das) festa de arromba. Vamos lá sentir a coisa, mas também para percorrermos um itinerário. Afinal, no fim de ano, tudo está fechado e festa é coisa limitada. Vamos aproveitar para espreitar o que ainda não espreitámos. Passamos pelo Alcazar de Toledo, entramos na Almudena, vamos à Atocha, damos um passeio pela avenida das artes, passeamos pelos bairros de La Latina, Delicias, Chueca, Lavapiés, visitamos testemunhos do Antigo Egipto e vamos a caminho do fim do ano para estar à meia-noite na Puerta del Sol. Venham espreitar como foi este fim de ano há meia dúzia de anos.

 

TOLEDO DE PASSAGEM




Toledo destacou-se no século XIII como importante centro no capítulo cultural e político sob o domínio de Afonso X. Hoje florescem as artes damasquinadas, incrustações de fios de ouro ou prata em peças de metal feitas de aço ou ferro, bem como a exímia arte de fabricação de espadas, criada na segunda metade do século XVII, com Fábrica de Espadas de Toledo. e, obviamente, D. Quixote, também por lá anda, ou não estivessemos em La Mancha.

Cervantes havia descrito Toledo como a "glória da Espanha", fascinado pela síntese cultural de cristãos, muçulmanos e judeus. , já havíamos percorrido Toledo a pé, desde a ponte de San Martin, passando pela Porta de Bisagra, pela ponte do Alcazar, pela Plaza De Zocodover. Entre outros locais de interesse, faltava o Alcazar.

Já lá tínhamos estado por mais do que uma vez, mas nunca conseguimos visitar o Alcazar. Nas anteriores tentativas, ora estava em obras, fosse qualquer fosse o impedimento – ora estava em obras, ora havia fila, ora por falta de tempo -, nunca tínhamos conseguido entrar.


O Alcazar e a Catedral são o dois edifícios que se destacam e reconhecem imediatamente em Toledo. O primeiro é um edifício monumental, com origem num palácio romano do século III, restaurado e depois modificado na primeira metade do século XVI, por Carlos I. 

Durante a guerra civil espanhola o Alcazar foi destruído, tendo sido reedificado após o conflito. Alberga actualmente a Biblioteca de Castilla-La Mancha e o Museu do Exército. Foi este último que visitámos. Desta feita, andámos por lá mais do que uma hora, sem contar com o périplo próximo, incluindo o respectivo miradouro.

Vista dos arredores, sobretudo de sul, Toledo parece uma ilha. Em seu redor, o Tajo quase a envolve totalmente, criando uma barreira natural de acesso. Toledo tem muitos monumentos religiosos, tais como a Sinagoga de Santa María la Blanca, a sinagoga de El Tránsito e a mesquita de Cristo de la Luz, que não conhecemos.

 

NOCTURNA EM LA ALMUDENA


Na noite em que chegámos a Madrid, passámos pela Catedral de La Almudena, datada de finas do século XIX. Esta igreja, palco da última união real em Espanha, em 2004 – havia uma década -, situa-se paredes-meias com a Muralha Árabe, parte de uma fortaleza do século IX, considerada a zona que deu origem a Madrid.

Notórios são, a quantidade de túmulos existentes na cripta, considerada uma das maiores de Espanha, bem como os espetaculares vitrais das 20 capelas que envolvem o templo.

A Catedral de Madrid possui uma mistura de estilos, do exterior ao interior, passando pela cripta, que vão do neoclássico ao neogótico e ao neo-romântico. 

 

PASSEIO PELAS ARTES



Com o fim do ano a poucas horas, os locais de interesse para visita fecham. Museus, galerias, casas culturais, actividades lúdicas, suspendem-se até depois do Ano Novo. Cá e lá, é assim. Tal proporciona o passeio , mais que não seja, pelas fachadas. È isso que vamos fazer: passear por um itinerário que nos leva pelos caminhos da arte.

Por lá, vamos descobrindo o que ainda não descobrimos, ao mesmo tempo que nos divertimos ao longo do último dia do ano, na expectativa de que o terminar de um ano seja auspicioso para desejar e querer que o seguinte seja ainda melhor do que este. Fazê-lo aqui, longe de casa, como estreia, pode potenciar esse ideal.

 

AO LONGO DO REINA SOFIA

 

É por ali, na fachada lateral do Museu reina Sofia que iniciamos o nosso périplo. Originalmente, o edifício albergava o Hospital Geral de San Carlos. Desde a década de 80 do século passado que foi convertido em museu que guarda muito da arte contemporânea espanhola.

O Centro de Arte Reina Sofía abriu ao público em 1986 apenas com exposições temporárias e, pouco mais de dois anos depois, foram construídas as três torres  de elevadores panorâmicos em vidro e aço. Dez anos mais tarde, em 92, foi criada a exposição permanente e o espaço foi considerado museu.

 

PASSAGEM POR ATOCHA

 

A inauguração da estação de Atocha data de finais do século XIX, a primeira estação de comboios de Madrid que, na altura, apenas dispunha de um cais em madeira. No início da última década daquele século, surge um dos elementos de destaque da estação, a cobertura da nave principal, em vidro, com mais de 150 metros de comprimento.

Sendo a principal estação ferroviária da capital espanhola, Atocha está hoje dividida na parte nova e na parte antiga, é nesta última que está instalado um enorme jardim tropical com mais de 7 mil plantas de 400 espécies diferentes rodeado por um amplo centro comercial.

 

NA AVENIDA DAS ARTES




Não há muita gente na estação. Deixamos a Atocha no início do Passeo del Prado, a tal avenida das artes, com museus de um lado e de outro. Mais à frente, a novidade é um jardim vertical, construído numa parede com mais de 30 metros de altura, que faz parte integrante do Caixa Forum Madrid, uma instituição do banco La Caixa.



Este centro sociocultural é uma das instituições de arte, a par do museu do Prado e do Thyssen, que ladeia o Passeo del Prado. Polivalente e com conteúdos diversificados, o Caixa Forum dedicado a debates e workshops, recebe festivais de música e poesia e exibe arte, desde arte antiga a multimédia.

Vamos subindo ligeiramente a avenida e damos uma Victory, na versão Vision Street, uma moto americana, raramente vista, com 1730 cc, quase 100 cavalos, motor Vtwin e caixa de 6 velocidades, com um design que junta o clássico e o sofisticado, seguramente uma moto que “dá nas vistas”.

Muito próximo, vislumbramos uma râ, denominada Râ da Fortuna, uma escultura do artista espanhol, Eladio de Mora, criador multifacetado, de estilo popular e estética incomparável, com obras expostas em Londres ou Nova Iorque. Espreitando melhor, percebe-se que a escultura está à porta do Gran Casino. Lendo, fica-se a saber que foi oferta do casino à cidade.


A poucos passos, surge outra escultura, esta mais identificável para conheça as obras de Botero, a Mulher com Espelho. Botero tem um estilo inconfundível, de figuras rotundas e cheias, e está também patente em muitas cidades mundiais, em Lisboa, com “Maternidade”, por exemplo, no Parque Eduardo VII.

Muito próximo, ao descer uma escadaria, outro relance vai para o Museu de Cera de Madrid, não para o respectivo conteúdo interior, mas para os espelhos concavos e convexos exteriores que nos transformam rotundamente o parecer, mas que nos divertem imensamente o ser. 

Já nos arredores do bairro Chueca, alia próximo de Lavapies, muitas janelas exibiam cartazes, alertando para os imensos despejos dos centros das capitais, o que criou no país vizinho, um movimento anti-despejos, que nasceu em Barcelona, cresceu em Madrid e se estendeu por toda a Espanha.

Aproveitámos estar próximo da Cocina de San Anton, um restaurante situado no topo de um centro comercialem pleno bairro Chueca – o Mercado de San Anton, recuperado há poucos anos, tal como alguns dos nossos em Portugual – para admirar almoçar e preparar o périplo da tarde.


Até aqui, já havíamos palmilhado cerca de cinco quilómetros. Saímos do Hotel Porta de Toledo, passámos pela Casa Encendida -  centro social e cultural da Fundação Montemadrid – pelo Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, pelo Caixa Forum Madrid, pelo Museo del Prado, pelo Museo Nacional Thyssen-Bornemisza e pelo Museo de Cera de Madrid. Arte, até dizer chega!

 

O ANTIGO EGIPTO EM MADRID

 


O Antigo Egipto também está representado na capital espanhola. A iminência da inundação do vale de Assuão, no Egipto, levou este país a oferecer a Espanha um templo do século II a.C. Este foi instalado no Parque do Quartel de Montanha, perto da Praça de Espanha, na zona de Arguelles.

Dedicado inicialmente aos deuses Amon e Isis, a decoração obedeceu aos padrões tradicionais, com relevos e esculturas de significado religioso. Porém, só estaria terminado após a anexação do Egipto pelo Império Romano, altura em que o edifício recebeu elementos decorativos romanos.

Mais tarde, já sob conversão cristã no século VI d.C., a Níbia abandonou o o templo. Em pleno século XX, o Egipto viu-se perante o dilema de o ver inundado. Por tal, ofereceu-o a Madrid, tendo sido desmontado,, depois transportado e reconstruído, pedra por pedra. No lago que o envolve tinha, no último dia do ano, pequenas lages de gelo a flutuar....

O templo está  implantado num local algo lúgubre, conhecido como a Montaña de Príncipe Pío, cenário de dois episódios dramáticos da vida espanhola, onde as tropas francesas de Napoleão fuzilaram os sublevados da revolta de 2 de maio de 1808, e da sublevação militar, em 1936, que daria lugar à Guerra Civil espanhola.


A CAMINHO DO FIM DE ANO

 

Sem conhecermos o programa estaria previsto para o Fim de Ano, sabíamos contudo que o epicentro das comemorações teria lugar na famosa Puerta del Sol, no centro de Madrid, e que seria o relógio do edifício da Real Casa de Correos a dar a meia-noite. Por tal, ainda andámos por lá a reconhecer o espaço antes de jantar.

Aquela hora, eram sobretudo as família que já andava de um lado para o outro, ao longo da animação das “estátuas”, dos mascarados, dos restantes animadores de ocasião, que até incluia um avô ciclista, cuja bicicleta tinha mais luzes do que uma árvores de Natal. Até que, ás tantas, parecia estarmos em plena cerimónia do Fim de Ano. Sim, que os madrilenos insistem em treinar para essa ocasião...

Entretanto, já espreitávamos o urso que trepa o medronheiro, emblema de Madrid, representa a constelação da Ursa Menor e simboliza fertilidade. Às tantas, estávamos em cima do “Km 0”, originalmente “Légua Zero” quando o rei Filipe V mandou construir seis estradas a partir daquele ponto, que seria, nessa altura, o centro da capital.

Entretanto, já havíamos passado pelas lojas ambulantes com artigos de ocasião, entre máscaras, rocas, serpentinas e, claro, o típico “cagón de la suerte”, pequeno boneco de barro pintado, em posição de defecar, associado à boa sorte e à prosperidade, e que assume por vezes a identidade de personalidades famosas.

Agora, bastava sobreviver à marcação do último jantar do ano. Conseguimos uma mesa num restaurante da calle Toledo, depois de espreitarmos uma dezena de outros que já estavam lotados. Acabamos por jantar bem, relativamente apertados, mas numa sala privativa da Cerveceria de San Milan. 

 

ESTAR QUASE LÁ

 

Perto da 11 da noite, fomos espreitando o destino da “movida” madrilena. Com efeito, a maioria ia a caminho da Puerta del Sol. Quanto mais perto estávamos, mais gente  convergia para as ruas que lhe davam acesso. Até que se começaram a formar filas nos passeios da Calle Mayor.

Era por aí que íamos ao encontro do Fim de Ano, espreitar o tal lugar de eleição da turba madrilena. Mas não conseguimos lá chegar. Havia gente já parada no final da da rua que não conseguia avançar para a praça. O motivo era o controlo do acesso á Puerta del Sol, proibido a quem levasse garrafas ou copos de vidro.

Tudo o que era vidro ficava em sacos e o líquido passava para copos de plástico fornecidos pela autarquia. Tudo aquilo controlado pela polícia municipal. Claro que deixámos por lá as garrafas de espumoso e continuámos. Mas não andámos muito mais. Ficámos barrados por uma plateia de gente que já lá estava.

Por estarmos relativamente longe da praça, nem sequer percebemos que é o movimento e o som do relógio do edifício dos Correios que, quando faltam apenas alguns segundos para a meia-noite, faz com que a esfera situada na parte superior da torre comece a descer, acompanhada pelo som dos carrilhões, para logo após assinalar a meia-noite do dia 31 de Dezembro.

 

MEIA NOITE NA PUERTA DEL SOL



O burburinho começa a fazer-se sentir pouco antes da meia-noite e a apoteose vai crescendo até que, de lá para cá, o som de música vai antecedendo a meia-noite. Depois, a turba faz o resto: a excitação aumenta ao ritmo do barulho e vice-versa, há contagem descrescente, pouco antes já há grupos a celebrar.

Acompanhamos a movida até podermos, “reservarmos” um espaço junto a uma árvore, de modo a podermos mexer minimamente braços e pernas. Conseguimos celebrar como habitualmente a passagem de ano, na companhia dos amigos, com um copo de espumoso na mão e com a esperança de que o novo ano seja melhor do que o anterior.

Tudo se passa entre o quarto de hora que antecede a meia-noite e o primeiro quarto de hora do Ano Novo. Depois, a multidão desaparece. Não se ouve música vinda da Puerta del Sol. Menos se percebem destinos de outra folia. Os (poucos) bares abertos estão cheios até à porta e, quanto mais longe da Puerta del Sol, menos gente se vê. E, lá, passámos mais um ano.

Música: Anwar Amr, Epicness; Remake Cinematic Music, Interstellar (no copyright music)