segunda-feira, 12 de abril de 2021

Madrid, pelo Fim do Ano

 


Toda a gente conhece Madrid, ou ouviu falar, ou já viu imagens, ou tem amigos que já lá foram. Para além da monumentalidade – dizem que, império oblige – também tem espanhóis, a maioria madrilenos. Rapaziada alegre, brincalhona, barulhenta, como a maioria dos espanhóis. Amigos de festas e da rua - tudo é pretexto para ir -, dá para imaginar que o Fim do Ano fosse uma (das) festa de arromba. Vamos lá sentir a coisa, mas também para percorrermos um itinerário. Afinal, no fim de ano, tudo está fechado e festa é coisa limitada. Vamos aproveitar para espreitar o que ainda não espreitámos. Passamos pelo Alcazar de Toledo, entramos na Almudena, vamos à Atocha, damos um passeio pela avenida das artes, passeamos pelos bairros de La Latina, Delicias, Chueca, Lavapiés, visitamos testemunhos do Antigo Egipto e vamos a caminho do fim do ano para estar à meia-noite na Puerta del Sol. Venham espreitar como foi este fim de ano há meia dúzia de anos.

 

TOLEDO DE PASSAGEM




Toledo destacou-se no século XIII como importante centro no capítulo cultural e político sob o domínio de Afonso X. Hoje florescem as artes damasquinadas, incrustações de fios de ouro ou prata em peças de metal feitas de aço ou ferro, bem como a exímia arte de fabricação de espadas, criada na segunda metade do século XVII, com Fábrica de Espadas de Toledo. e, obviamente, D. Quixote, também por lá anda, ou não estivessemos em La Mancha.

Cervantes havia descrito Toledo como a "glória da Espanha", fascinado pela síntese cultural de cristãos, muçulmanos e judeus. , já havíamos percorrido Toledo a pé, desde a ponte de San Martin, passando pela Porta de Bisagra, pela ponte do Alcazar, pela Plaza De Zocodover. Entre outros locais de interesse, faltava o Alcazar.

Já lá tínhamos estado por mais do que uma vez, mas nunca conseguimos visitar o Alcazar. Nas anteriores tentativas, ora estava em obras, fosse qualquer fosse o impedimento – ora estava em obras, ora havia fila, ora por falta de tempo -, nunca tínhamos conseguido entrar.


O Alcazar e a Catedral são o dois edifícios que se destacam e reconhecem imediatamente em Toledo. O primeiro é um edifício monumental, com origem num palácio romano do século III, restaurado e depois modificado na primeira metade do século XVI, por Carlos I. 

Durante a guerra civil espanhola o Alcazar foi destruído, tendo sido reedificado após o conflito. Alberga actualmente a Biblioteca de Castilla-La Mancha e o Museu do Exército. Foi este último que visitámos. Desta feita, andámos por lá mais do que uma hora, sem contar com o périplo próximo, incluindo o respectivo miradouro.

Vista dos arredores, sobretudo de sul, Toledo parece uma ilha. Em seu redor, o Tajo quase a envolve totalmente, criando uma barreira natural de acesso. Toledo tem muitos monumentos religiosos, tais como a Sinagoga de Santa María la Blanca, a sinagoga de El Tránsito e a mesquita de Cristo de la Luz, que não conhecemos.

 

NOCTURNA EM LA ALMUDENA


Na noite em que chegámos a Madrid, passámos pela Catedral de La Almudena, datada de finas do século XIX. Esta igreja, palco da última união real em Espanha, em 2004 – havia uma década -, situa-se paredes-meias com a Muralha Árabe, parte de uma fortaleza do século IX, considerada a zona que deu origem a Madrid.

Notórios são, a quantidade de túmulos existentes na cripta, considerada uma das maiores de Espanha, bem como os espetaculares vitrais das 20 capelas que envolvem o templo.

A Catedral de Madrid possui uma mistura de estilos, do exterior ao interior, passando pela cripta, que vão do neoclássico ao neogótico e ao neo-romântico. 

 

PASSEIO PELAS ARTES



Com o fim do ano a poucas horas, os locais de interesse para visita fecham. Museus, galerias, casas culturais, actividades lúdicas, suspendem-se até depois do Ano Novo. Cá e lá, é assim. Tal proporciona o passeio , mais que não seja, pelas fachadas. È isso que vamos fazer: passear por um itinerário que nos leva pelos caminhos da arte.

Por lá, vamos descobrindo o que ainda não descobrimos, ao mesmo tempo que nos divertimos ao longo do último dia do ano, na expectativa de que o terminar de um ano seja auspicioso para desejar e querer que o seguinte seja ainda melhor do que este. Fazê-lo aqui, longe de casa, como estreia, pode potenciar esse ideal.

 

AO LONGO DO REINA SOFIA

 

É por ali, na fachada lateral do Museu reina Sofia que iniciamos o nosso périplo. Originalmente, o edifício albergava o Hospital Geral de San Carlos. Desde a década de 80 do século passado que foi convertido em museu que guarda muito da arte contemporânea espanhola.

O Centro de Arte Reina Sofía abriu ao público em 1986 apenas com exposições temporárias e, pouco mais de dois anos depois, foram construídas as três torres  de elevadores panorâmicos em vidro e aço. Dez anos mais tarde, em 92, foi criada a exposição permanente e o espaço foi considerado museu.

 

PASSAGEM POR ATOCHA

 

A inauguração da estação de Atocha data de finais do século XIX, a primeira estação de comboios de Madrid que, na altura, apenas dispunha de um cais em madeira. No início da última década daquele século, surge um dos elementos de destaque da estação, a cobertura da nave principal, em vidro, com mais de 150 metros de comprimento.

Sendo a principal estação ferroviária da capital espanhola, Atocha está hoje dividida na parte nova e na parte antiga, é nesta última que está instalado um enorme jardim tropical com mais de 7 mil plantas de 400 espécies diferentes rodeado por um amplo centro comercial.

 

NA AVENIDA DAS ARTES




Não há muita gente na estação. Deixamos a Atocha no início do Passeo del Prado, a tal avenida das artes, com museus de um lado e de outro. Mais à frente, a novidade é um jardim vertical, construído numa parede com mais de 30 metros de altura, que faz parte integrante do Caixa Forum Madrid, uma instituição do banco La Caixa.



Este centro sociocultural é uma das instituições de arte, a par do museu do Prado e do Thyssen, que ladeia o Passeo del Prado. Polivalente e com conteúdos diversificados, o Caixa Forum dedicado a debates e workshops, recebe festivais de música e poesia e exibe arte, desde arte antiga a multimédia.

Vamos subindo ligeiramente a avenida e damos uma Victory, na versão Vision Street, uma moto americana, raramente vista, com 1730 cc, quase 100 cavalos, motor Vtwin e caixa de 6 velocidades, com um design que junta o clássico e o sofisticado, seguramente uma moto que “dá nas vistas”.

Muito próximo, vislumbramos uma râ, denominada Râ da Fortuna, uma escultura do artista espanhol, Eladio de Mora, criador multifacetado, de estilo popular e estética incomparável, com obras expostas em Londres ou Nova Iorque. Espreitando melhor, percebe-se que a escultura está à porta do Gran Casino. Lendo, fica-se a saber que foi oferta do casino à cidade.


A poucos passos, surge outra escultura, esta mais identificável para conheça as obras de Botero, a Mulher com Espelho. Botero tem um estilo inconfundível, de figuras rotundas e cheias, e está também patente em muitas cidades mundiais, em Lisboa, com “Maternidade”, por exemplo, no Parque Eduardo VII.

Muito próximo, ao descer uma escadaria, outro relance vai para o Museu de Cera de Madrid, não para o respectivo conteúdo interior, mas para os espelhos concavos e convexos exteriores que nos transformam rotundamente o parecer, mas que nos divertem imensamente o ser. 

Já nos arredores do bairro Chueca, alia próximo de Lavapies, muitas janelas exibiam cartazes, alertando para os imensos despejos dos centros das capitais, o que criou no país vizinho, um movimento anti-despejos, que nasceu em Barcelona, cresceu em Madrid e se estendeu por toda a Espanha.

Aproveitámos estar próximo da Cocina de San Anton, um restaurante situado no topo de um centro comercialem pleno bairro Chueca – o Mercado de San Anton, recuperado há poucos anos, tal como alguns dos nossos em Portugual – para admirar almoçar e preparar o périplo da tarde.


Até aqui, já havíamos palmilhado cerca de cinco quilómetros. Saímos do Hotel Porta de Toledo, passámos pela Casa Encendida -  centro social e cultural da Fundação Montemadrid – pelo Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, pelo Caixa Forum Madrid, pelo Museo del Prado, pelo Museo Nacional Thyssen-Bornemisza e pelo Museo de Cera de Madrid. Arte, até dizer chega!

 

O ANTIGO EGIPTO EM MADRID

 


O Antigo Egipto também está representado na capital espanhola. A iminência da inundação do vale de Assuão, no Egipto, levou este país a oferecer a Espanha um templo do século II a.C. Este foi instalado no Parque do Quartel de Montanha, perto da Praça de Espanha, na zona de Arguelles.

Dedicado inicialmente aos deuses Amon e Isis, a decoração obedeceu aos padrões tradicionais, com relevos e esculturas de significado religioso. Porém, só estaria terminado após a anexação do Egipto pelo Império Romano, altura em que o edifício recebeu elementos decorativos romanos.

Mais tarde, já sob conversão cristã no século VI d.C., a Níbia abandonou o o templo. Em pleno século XX, o Egipto viu-se perante o dilema de o ver inundado. Por tal, ofereceu-o a Madrid, tendo sido desmontado,, depois transportado e reconstruído, pedra por pedra. No lago que o envolve tinha, no último dia do ano, pequenas lages de gelo a flutuar....

O templo está  implantado num local algo lúgubre, conhecido como a Montaña de Príncipe Pío, cenário de dois episódios dramáticos da vida espanhola, onde as tropas francesas de Napoleão fuzilaram os sublevados da revolta de 2 de maio de 1808, e da sublevação militar, em 1936, que daria lugar à Guerra Civil espanhola.


A CAMINHO DO FIM DE ANO

 

Sem conhecermos o programa estaria previsto para o Fim de Ano, sabíamos contudo que o epicentro das comemorações teria lugar na famosa Puerta del Sol, no centro de Madrid, e que seria o relógio do edifício da Real Casa de Correos a dar a meia-noite. Por tal, ainda andámos por lá a reconhecer o espaço antes de jantar.

Aquela hora, eram sobretudo as família que já andava de um lado para o outro, ao longo da animação das “estátuas”, dos mascarados, dos restantes animadores de ocasião, que até incluia um avô ciclista, cuja bicicleta tinha mais luzes do que uma árvores de Natal. Até que, ás tantas, parecia estarmos em plena cerimónia do Fim de Ano. Sim, que os madrilenos insistem em treinar para essa ocasião...

Entretanto, já espreitávamos o urso que trepa o medronheiro, emblema de Madrid, representa a constelação da Ursa Menor e simboliza fertilidade. Às tantas, estávamos em cima do “Km 0”, originalmente “Légua Zero” quando o rei Filipe V mandou construir seis estradas a partir daquele ponto, que seria, nessa altura, o centro da capital.

Entretanto, já havíamos passado pelas lojas ambulantes com artigos de ocasião, entre máscaras, rocas, serpentinas e, claro, o típico “cagón de la suerte”, pequeno boneco de barro pintado, em posição de defecar, associado à boa sorte e à prosperidade, e que assume por vezes a identidade de personalidades famosas.

Agora, bastava sobreviver à marcação do último jantar do ano. Conseguimos uma mesa num restaurante da calle Toledo, depois de espreitarmos uma dezena de outros que já estavam lotados. Acabamos por jantar bem, relativamente apertados, mas numa sala privativa da Cerveceria de San Milan. 

 

ESTAR QUASE LÁ

 

Perto da 11 da noite, fomos espreitando o destino da “movida” madrilena. Com efeito, a maioria ia a caminho da Puerta del Sol. Quanto mais perto estávamos, mais gente  convergia para as ruas que lhe davam acesso. Até que se começaram a formar filas nos passeios da Calle Mayor.

Era por aí que íamos ao encontro do Fim de Ano, espreitar o tal lugar de eleição da turba madrilena. Mas não conseguimos lá chegar. Havia gente já parada no final da da rua que não conseguia avançar para a praça. O motivo era o controlo do acesso á Puerta del Sol, proibido a quem levasse garrafas ou copos de vidro.

Tudo o que era vidro ficava em sacos e o líquido passava para copos de plástico fornecidos pela autarquia. Tudo aquilo controlado pela polícia municipal. Claro que deixámos por lá as garrafas de espumoso e continuámos. Mas não andámos muito mais. Ficámos barrados por uma plateia de gente que já lá estava.

Por estarmos relativamente longe da praça, nem sequer percebemos que é o movimento e o som do relógio do edifício dos Correios que, quando faltam apenas alguns segundos para a meia-noite, faz com que a esfera situada na parte superior da torre comece a descer, acompanhada pelo som dos carrilhões, para logo após assinalar a meia-noite do dia 31 de Dezembro.

 

MEIA NOITE NA PUERTA DEL SOL



O burburinho começa a fazer-se sentir pouco antes da meia-noite e a apoteose vai crescendo até que, de lá para cá, o som de música vai antecedendo a meia-noite. Depois, a turba faz o resto: a excitação aumenta ao ritmo do barulho e vice-versa, há contagem descrescente, pouco antes já há grupos a celebrar.

Acompanhamos a movida até podermos, “reservarmos” um espaço junto a uma árvore, de modo a podermos mexer minimamente braços e pernas. Conseguimos celebrar como habitualmente a passagem de ano, na companhia dos amigos, com um copo de espumoso na mão e com a esperança de que o novo ano seja melhor do que o anterior.

Tudo se passa entre o quarto de hora que antecede a meia-noite e o primeiro quarto de hora do Ano Novo. Depois, a multidão desaparece. Não se ouve música vinda da Puerta del Sol. Menos se percebem destinos de outra folia. Os (poucos) bares abertos estão cheios até à porta e, quanto mais longe da Puerta del Sol, menos gente se vê. E, lá, passámos mais um ano.

Música: Anwar Amr, Epicness; Remake Cinematic Music, Interstellar (no copyright music)




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