segunda-feira, 15 de junho de 2015

Passeio Árabe - Festival Islâmico de Mértola



Costuma-se dizer que temos uma costela árabe. Embora também se associe a uma índole preguiçosa, essa parte árabe está sobretudo ligada ao Alentejo, ao modo de vida alentejano. O ser alentejano é um assombro de adaptação e de persistência. Uma vida ao ritmo da respiração.


É fácil perceber essa capacidade quando esconjuramos os míseros 29 graus de temperatura que sentimos durante o fim-de-semana entre Beja e Mértola. Menos 6 graus do que dez dias antes quando “reconheci” o percurso. O calor, esse, não foi preciso identificar, sente-se imediatamente.


No Alentejo, sê alentejano, também é comum ouvir. Muito por conta de um lazer exigido, de um ócio dedicado, do descanso imposto sobretudo pelas elevadas temperaturas médias habituais mas também por um saber de séculos.


Estar lá e não fazer como se lá faz, ou se é esquisito ou tonto. O lazer é recompensador e necessário, tal como a alegria e a festa. Tal como o passeio, a descoberta, a revisitação. Nós fomos por isso tudo.



Mas sobretudo pelo Festival Islâmico de Mértola, um evento que tenta aproximar comunidades, exaltar as semelhanças e as diferenças, mostrar, animar, trocar, ou pelo menos, dar oportunidade para as pessoas passarem um bom bocado. O que já não é mau.


Jantar n' O Espelho de Água, Beja
Tem sido assim ao longo dos últimos anos, embora neste particularmente se tenha percebido que também aqui, os tempos são outros e não são favoráveis a muita gente. Verificaremos mais à frente que também por ali muito mudou.


Chegamos a ser bastantes. Depois, ficamos muitos, mas acabou por serem tantos quantos os que foram ao Passeio da Espanha Mudejar. Os tempos não estão fáceis e o Alentejo não é logo ali, embora os alentejanos repitam o contrário.


Com efeito, desde Lisboa vão cerca de 180 quilómetros, com quase 50 em estrada nacional. Praticamente o mesmo tempo que leva a Albufeira, pouco mais de duas horas. Do Porto a distância chega aos 450. Mais 100 e chega-se a Madrid!
Cais da Planície, Beja
Quem foi, porém, ia para descobrir, para passear, para conversar. E no meio desse “faz como lá fazem”, lá nos entregamos ao poente na esplanada do hotel e aos odores etéreos do gin alentejano. Gin Sharish, em homenagem a Monsaraz.
Hotel Melius, Beja
Quando aparecemos para jantar, quase uma hora depois do previsto, o Luís Barriga só me perguntara se estava tudo bem… e é isso que é preciso, estar tudo bem, tal como os secretos do “Espelho D’Água” e os gin’s do Cais da Planície onde acabámos a noite ao som de um grupo de rock de Beja. Outros acabaram a noite com mais dois quilómetros e tal nas pernas.

PARA FERREIRA

Capela do Calvário ou Igreja das Pedras

De manhã, a proposta inicial ia até Ferreira do Alentejo onde iríamos espreitar a Capela do Calvário ou Igreja das Pedras, uma ermida circular alva cravejada de pedras negras graníticas quer nas paredes quer sobretudo na cúpula. Nesta altura já rolavamos com o Carlos Sotero, de Serpa.

Se bem que nas grandes urbes as diferenças se esbatam, nas vilas e aldeias a diversidade ainda se realça. 
Se a planície não se percebe na cidade, aqui ao longo dos campos é impossível não confirmar que o horizonte aqui é sempre no plural. 
Se a cor se confunde nas grandes urbes, aqui os brancos e os dourados sobressaem. Se na zona urbana das grandes cidades domina a altura, aqui a grandeza é o comprimento e a largura. 

Estacionamos próximo da capela, bebemos café e esperamos a abertura da porta. Tiramos fotografias e espreitamos o interior, pintado recentemente e bem cuidado. Depois, saímos para Aljustrel pela “velha” N2.

PARA ALJUSTREL

Igreja da Senhora do Castelo, Aljustel

Percorremos longas rectas, algumas marginadas por árvores altas cujas copas de juntam sombreando a estrada. Mas também nos ondulamos por encadeados de curvas em bom piso mesmo antes de chegar a Aljustrel. E que curvas!

Entramos na vila alentejana, passamos pelo centro e virámos à direita na direcção da igreja da Senhora do Castelo. Trepamos um monte onde existia um antigo castelo e estacionamos num terreiro com a urbe no horizonte. Uma vista soberba.

Subimos algumas dezenas de degraus que dão acesso ao átrio da igreja e entramos. Embora ainda fosse cedo já temperatura aumentara desde Beja. Lá dentro estava mais fresco. Como é habitual. 
Observamos os azulejos que revestem as paredes, o pequeno altar e uma pedra curiosa que parece sustentar uma das esquinas. A lenda diz que caso fosse retirada, a igreja e o sítio seriam destruídos por uma inundação. Deixámo-la ficar, em baixo no canto esquerdo.

Para poente, o cenário não é tão aberto e harmonioso. O horizonte rasga-se com algumas antenas que enfeiam um lago de água irrepreensivelmente turquesa. Um dia, talvez mascarem as antenas como se fossem palmeiras gigantes. Como em Agadir…

Disseram-nos que em dias bons se vê do miradouro a torre do castelo de Beja. E embora o céu não estivesse praticamente limpo, a verdade é que, lá longe, aparecia uma silhueta altiva da torre da fortaleza. E sem um único monte de permeio.

PARA CASTRO VERDE

Casa Egípcia, Castro Verde


Deixamos Aljustrel a caminho de Castro Verde. É uma longa recta de quase uma vintena de quilómetros. Pelas onze e meia da manhã já lá estávamos. Pouco depois, chegou o João Murta. E logo a seguir o Pedro Jesus. O João trazia pastéis de Loulé e o Pedro vinha sozinho.

Antes, havíamos passado pela “casa egípcia”, onde alguns torreões mostram uma arquitectura invulgar nestas paragens. Segundo me disse um pouco envergonhada uma familiar que encontrei na ermida da Senhora do Castelo, terá sido um devaneio estético.

Depois voltamos ao centro da vila e fomos até à Real Basílica de Castro Verde. Trata-se de um templo de grandes dimensões, cujo altar-mor em talha dourada - mas, sobretudo, quanto a mim, os painéis de azulejos que reproduzem cenas da batalha de Ourique - marcam ricamente o interior.

Estivemos uma boa meia hora a degustar os pastéis de Loulé, sentados numa esplanada da vila, paredes-meias com a igreja das Chagas. Depois, despedimo-nos do João e voltamos à N2. Logo após um desvio que não ia dar a lado nenhum. Já ia para lá do meio-dia.



PARA MÉRTOLA

Escadinhas, Mértola


O piso da N123 que leva a Mértola está impecável. Fomos ao longo da planície, ladeados ora por árvores folhudas que ocultavam muitos ninhos de cegonhas, quer escoltados pelos lençóis ocres e áureos do campo, envoltos ainda pelos 290 graus que nos acompanhavam praticamente desde Ferreira.

Ainda não era uma da tarde quando chegamos à rotunda de Mértola. Pouco trânsito, pouca gente, muitos lugares vagos sobretudo para motos. Com muita gente, mas não em todas, estavam as esplanadas dos restaurantes mais próximos.

Afinal, o restaurante ‘A Esquina’ estava repleto e barulhento pelo que iríamos par o San Remo ali perto mais sossegado, com a mesa posta e praticamente a nós dedicado. Só por volta das três da tarde começamos a “destroçar”.

Avançamos sobre a porta das muralhas, passamos o arco da entrada nobre e a partir daí já se percebia o burburinho. 

É pouco depois da entrada que surgem as bancas com uma miríade de objectos em que o traço dominante é a diversidade, as cores, a raridade ou o brilho.

Os vendedores também são diferentes, na cor da pele, nas roupas que usam, no linguajar que utilizam, na língua que partilham com outros. 
A envolver peças e pessoas, o bulício e algum alvoroço. Mas suave, tudo muito tranquilo, pouco ruidoso.

Este ano, porém, faltaram alguns aspectos a que estava habituado. A música raramente se fez ouvir. Não vi o passeio da banda árabe nem a ronda dos soldados mouros. 
Em outros anos, havia música em diversos locais da vila e os soldados árabes patrulhavam com frequência o recinto.

E, nessa altura, estava muito mais gente nas ruas. Desta feita, com menos pessoas, a única dança a que assisti foi uma espécie de workshop, em que uma dançarina levava meia dúzia de dançantes a imitá-la. Houve animação certamente, mas aconteceu mais tarde. 

Também havia menos gente nos restaurantes. Houve anos em que as filas de almoço iam para as três da tarde. Andava-se à vontade nas ruas. 
Num dos anos anteriores, tinha ficado bloqueado numa das ruas durante alguns minutos. Este ano havia bastantes lugares de estacionamento. Num dos anteriores, os automóveis nem chegam perto do arco nas muralhas.

Este sossego permitiu uma visita tranquila às ruínas romanas e ao bairro árabe feita ao nosso ritmo. Felizmente, aliás. A descida ao armazém romano subterrâneo faz-se por uma escada estreita que penas permite a passagem a uma pessoa de cada vez.


Antes passamos por um espaço religioso romano, onde ainda são visíveis partes dos “tapetes” de azulejos, depois encontram-se as ruínas de um bairro islâmico e ainda uma necrópole medieval. Em certas partes, os mosaicos romanos e a calçada lisboeta parecem gémeos.


Foi a primeira vez que vi, em dia de Festival Islâmico, o acesso permito às ruínas. Pareceu-me mesmo que as escavações já mostram muito mais do que há meia dúzia de anos. A mostra faz-se em parte através de uma passagem elevada, uma espécie de varandas sobre as ruínas.

Mas o malfadado mármore continua a marcar o caminho para o castelo. Se quando é preciso subir já custa, uma escada em mármore branco parece estar mesmo ali para nos queixarmos. E corrimão é coisa que não existe, ausência que talvez aconteça para não lhe juntar outro anacronismo.

Andar pelas ruas de Mértola, mau grado o piso irregular, é agradável. Há becos e recantos sublimes, espaços estreitos, panoramas únicos. E apesar de todo aquele burburinho, ainda é possível observar o tranquilo trabalho artesanal nas açoteias das casas locais.

Desta vez, não demos com o pequeno museu local, mas que tem um espólio interessante e variado. Fica um pouco mais abaixo do trajecto que fizemos, já próximo das muralhas que se estendem mais perto do rio.


Regressámos a Beja pouco depois das dezoito. Trânsito diminuto, um fim de tarde quente, a mesma planície dourada a envolver-nos. Voltamos a deixar as motos na garagem do hotel e seguimos a pé para o jantar. Não sem antes capricharmos num Sharish com peras.

A noite foi no restaurante “A Lareira”, outra boa escolha do Luís Barriga. E foi também ele que nos sugeriu o local para almoço no dia seguinte. Nessa manhã, eramos apenas oito, em quatro motos. E o destino era São Cucufate. A pouco mais de meia hora de Beja.

PARA SÃO CUCUFATE

Interior da igreja do mosteiro, São Cucufate

Fomos pelo IP2. O caminho de Vila de Frades está mais verde, mais refrescante. 
As parreiras estendem-se até ao cume dos montes. Lá perto há ainda mais vinhas. 
Estamos próximo da Vidigueira terra de bom vinho. Mas não só. 



Íamos por São Cucufate. Não pelo santo, que tem um historial peninsular, mas pelo lugar. Pelas villas romanas do primeiro, segundo e quarto séculos, onde ainda é possível descobrir um templo, a fachada da villa mais recente, um sector de termas,  outro agrícola e ainda uma zona de habitação dos criados.


A restauração da área religiosa, nomeadamente do mosteiro data da Idade Média. 
A igreja é pequena mas são especialmente os frescos que sobressaem, uma articulação entre pintura religiosa a arte naif. 
Alguns já foram recuperados, mas o espaço continua a não estar fechado às intempéries, às mudanças de temperatura , à humidade, etc.

O edifício principal da villa mais recente tinha dois andares. 
Do segundo, hoje uma espécie de terraço, a vista é ampla sobre os campos em redor. 
Imensas são igualmente as duas piscinas do complexo, uma situada mais próximo do templo e outra junto à villa.


Alguns sítios que já não enganam o peso dos anos estão a ser intervencionados. E são bastantes. 

Na villa nota-se que parte da zona central abateu. Para que tal não acontecesse a outras áreas, a maioria dos arcos das portas foram reforçados.

O espaço parece cuidado. Está sempre alguém na recepção - sítio isolado que em época de pouca afluência deve ser constrangedor - e a informação é suficiente.

Embora a temperatura caminhasse à procura dos trinta graus, o sol ainda não estava impiedoso. Percebe-se bem aqui a ingratidão do Estio. 

Anda-se à vontade pelos carreiros em volta das ruínas. Permite-se até acesso a certos sítios que talvez devessem ser alvo de algum recato turístico.


Nestes últimos anos, o espaço arqueológico cresceu em quantidade de área explorada e ‘ressuscitada’, bem como nos espaços de acesso e zonas de apoio. 

A visita pode ser complementada com a visualização de um filme que devia ser projectado numa tela. Mas o projector devia estar avariado e, no computador, o filme corria sem som. Fosse a preto e branco e diríamos ser também um vestígio arqueológico.


PARA A VIDIGUEIRA E DEPOIS PARA CASA

Parque da Cascata, Vidigueira


Saímos para a Vidigueira antes da uma da tarde. 
Ainda estivemos próximo da torre de menagem do castelo mas foi junto do jardim da Cascata que fomos beber um café enquanto decidíamos pelo local de almoço. 

Aproveitamos a sugestão do Luís e a escolha recaiu no restaurante “A Cascata”, com preços que já não se usam e música ao vivo durante a refeição. Talvez por isso estivesse cheio. 


Despedimo-nos dos Coimbrões logo a seguir, mas ainda rodamos juntos com o Abel e a Helena até ao desvio na AE para a A13.

A 'nacional' para Évora está aceitável, mas além de obras perto de Portel, ainda vai tendo sítios onde o estado do piso deixa a desejar. 


Espero que o casal Miguel e Maria José, na sua estreia junto do CPEP, tenham gostado tanto do passeio como nós gostamos da sua companhia. Foi já nos acessos a Lisboa, depois da Ponte 25 de Abril, que nos separamos.


O video do Passeio Árabe, aqui
https://vimeo.com/131223707