Foi giro, este giro. Pelas novidades e pelos nadas. Novidades, três: trepar o miradouro da Senhora do Monte e acercarmo-nos dos da Graça e das Portas do Sol. E ainda outra: o miradouro do Torel estava aberto. Nadas: não vislumbrámos mais de meia dúzia de metros à frente dos narizes, tal estava o lençol nevoento que envolvia a capital. Mas houve mais singularidades.
Saímos do Miradouro de São Pedro de Alcântara embrulhados na névoa. Não víamos sequer a avenida da Liberdade que se estendia em baixo, ali a dois passos. Passos que passaram a ser muito cuidadosos. Com tanta chuva nos dias anteriores, a erva invadia os interstícios dos paralelepípedos. Asfalto e passeio escorregavam bastante.
No ano passado cada bilhete custou 1,35€. Mas agora foram 3€ que nos pediram para subirmos no elevador do Lavra. Um preço de turista. Imagine-se o custo para uma família de 4 pessoas: é um almoço. Ficaram sem clientes. Subimos a pé e sobrevivemos. A chegada ao topo foi feita em grupo. Foi a primeira prova de que estávamos todos em boa forma.
Daí a pouco, enfiámos como se fosse uma estreia pela entrada que dá acesso ao miradouro do Torel. Pavimento, jardim, equipamentos, escadas, corrimãos: tudo novo. É um espaço em socalcos, onde não falta um pequeno lago. Só não se distinguia a avenida. Tal como no de S. Pedro de Alcântara, também neste miradouro o nevoeiro se mantinha.
Continuámos para o Campo Mártires da Pátria, passámos entre S. José e o Desterro e chegámos à Almirante Reis. A novidade era agora passar próximo do Intendente. Diz-se que naquele palco o folclore mudou. Mas ainda há alguns ranchos manhosos por ali e umas “linhas” de cocaína por acolá. Vida difícil, bem mais íngremes do que algumas ladeiras. Travessa do Bemformoso: que nome mais falho!
Mais uma quantidade de degraus em viela a desembocar na Bombarda, uma rampa e nova escadaria até ao frondoso miradouro da Senhora do Monte. A névoa permanecia. Sem vista para o castelo ou para o Baixa, ficámos pela ermida da Senhora do Monte, de final de século XVII. No interior, além da cadeira de S. Gens, um presépio do género “Machado de Castro”. Não se pode fotografar nem filmar.
Depois, fomos a caminho da Graça. Passámos pelo antigo quartel, onde alguns de nós fomos “inspeccionados”, hoje comando da GNR. À frente da igreja da Graça, voltámos a não conseguir ver um palmo à frente dos olhos... bom, já divisávamos alguns metros, poucos que mal passavam dos telhados próximo. Aquele miradouro chama-se agora "Sophia de Mello Breyner Andresen".
E do das Portas do Sol, também o rio parecia confundir-se com o céu. A névoa tinha vindo para ficar. Passámos na chamada muralha Fernandina e descemos a espreitar um airoso pátio alfacinha. Emperrámos diante de uma raiz gigantesca, passámos pela Sé e virámos a caminho da Casa dos Bicos (que volta a estar em obras…).
Agora era percorrer a plana zona ribeirinha passando pelo Terreiro do Paço, pela Praça do Município, enfiar pela rua de S. Paulo e descobrir o prédio onde mora o elevador da Bica. Foi um percurso suave, considerando o sobe e desce da Graça. Plano e bom caminho, um pouco sombrio e fresquito. Por ali, Lisboa mantinha-se sossegada. Havia pouca gente já sentada no elevador e, por isso, coubemos todos na mesma viagem.
Pediram-nos outros 3€. O preço turístico já não abrange apenas o elevador de Santa Justa. Pagámos, entrámos e distribuímo-nos pelas 3 plataformas do elevador. O preço inclui “sobe e desce”. Ficámos com a possibilidade de voltar e descer gratuitamente. Deve ser o preço mais elevado por metro percorrido dos transportes públicos de Lisboa.
A subida é divertida. Com o elevador cheio, parece que não arranca. Depois, de um salto, começa a escalar o bairro da Bica. Arrasta-se a uma velocidade comedida, permite olhar as casas e espreitar as ruelas. A viagem dura escassos minutos. De Santos ao bairro Alto é um instante. Lá do cimo, porém, a vista não chegava ao rio. A névoa não dava tréguas.
A Bica é gira. Parece um esqueleto. A coluna vertebral é a Calçada da Bica de Duarte Belo (por onde trepa o elevador), de onde saem vértebras inclinadas que são as travessas, com casas de habitação encavalitadas nos dois outeiros. Em cima, desemboca-se na orla do Bairro Alto. Ali perto, fica o miradouro de Santa Catarina. Não estava vivalma, à excepção de um pássaro que esvoaçava sobre a estátua do Adamastor.
Pouco depois, embrenhámo-nos no Bairro Alto. A aridez habitual a esta hora da manhã contrasta com a multidão que cruza habitualmente estas ruas até de madrugada. Voltámos à passagem estreita de andaimes que seguram há anos uma ruína. Num instante, voltámos ao miradouro de S. Pedro de Alcântara. Já se vislumbrava a Avenida, mas do castelo de S. Jorge pouco ou nada se entrevia.
Andámos em veloci-dade moderada. Pará-mos frequentemente para apreciar um car-taz mais divertido ou reflectir em locais insuspeitos. Éramos 16. Percorremos cerca de 6,5 quilómetros. Partimos perto das 10:30 e chegámos próximo das 13:00. Era o que estava previsto. Mas não adivinhámos o véu brumoso que cobria Lisboa.
Música: Frank Zappa's Bolero
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