quinta-feira, 22 de abril de 2010

Passeio Pelos Impérios II - RABAT, DE UMA PONTA À OUTRA

Saímos na direcção de Rabat através da auto-estrada. Ainda alagados, estavam os campos que a ladeavam, a atestarem a quantidade anormal de chuva que este inverno também caiu em terras marroquinas. Foram cerca de 200 quilómetros, com uma paragem numa área de serviço cujo preço do café coincidia com o das nossas, compensado ainda assim pelo melhor custo da gasolina e por uma surpreendente exposição de antiguidades no interior da loja. Semelhanças e disparidades.

Chegámos à capital, depois de atravessar a ponte sobre o rio que a separa do burgo alvo de Salé. Trepámos ao longo das extensas muralhas ocre que a circundam, algumas do século XII, acompanhando um cenário épico que marca o visitante e aconchega a maioria do espaço urbano de Rabat. Do lado contrário, alongavam-se as muralhas de Chellah. Uma paisagem homérica.

Foi para aí, Chellah (antigo nome de Rabat), que nos dirigimos de imediato, um complexo murado que encerra ruínas romanas – Sala Colonia – e uma necrópole Almóada. Por entre ninhos de cegonhas e extensas irmandades gatais, fomos instruídos na arte da chamada do mulá (líder religioso da mesquita) para a oração, através do pregão “Alláhu Akbar” (Deus é Grande), estendido pelo nosso guia que, simultaneamente, colocava as mãos sobre os ouvidos, clamando fortemente a sua crença. Uma questão de fé.

Apesar de despojados dos capacetes, que ficariam na recepção, o calor acompanhou-nos durante todo o périplo e pareceu abrir o apetite. Mas ainda tivemos tempo para, à porta de 8 séculos, pousarmos para a primeira das fotografias de grupo. Saiu melhor do que a de Safi.

Meia hora depois, estávamos a caminho do hotel, um trajecto relativamente fácil, mas que a falha de uma rua obrigou a empenhar um polícia como guia de recurso. Após estacionarmos as motos em cima do passeio, surpreendemos certamente a logística do hotel, uma vez que alguns ainda encontraram hóspedes a dormir nos quartos que lhes estavam destinados…

O dia estava destinado à caminhada. Ao todo, percorremos a pé cerca de seis quilómetros, só mais tarde percebidos na totalidade. Começámos pelo mausoléu de Mohammed V e terminámos na Medina comercial de Rabat, depois de experimentarmos as primeiras travessias pedestres de ruas com tráfego intenso. Uma aventura digna dos mais afoitos.

O mausoléu é uma obra faustosa de dimensões semelhantes à parte central do nosso Panteão, mas com arquitectura e decoração tipicamente árabes. Dominam o gesso, o mármore e a madeira, sob uma iluminação discreta de candelabros gigantescos. O edifício, bem como o acesso ao parque que o circunda, estão permanentemente escoltados por guardas reais, que reflectem de forma elucidativa o culto dos reis e da dinastia mais recente. Pompa e circunstância.

Do lado oposto, ergue-se a enorme Hassan II, uma torre de 40 metros, vestígio de uma imensa mesquita da qual apenas restaram as ruínas das respectivas colunas, também elas danificadas durante o terramoto de 1755. um espaço imenso.

Demos uma volta à varanda interior do mausoléu e, no exterior, assistimos à cerimónia do baixar da bandeira, para depois avançarmos ao longo do rio para o Kasbah des Oudaias, uma pequena medina muralhada, cujo interior, à imagem da medina de Chefchaouen (no Rif), também mostra as paredes pintadas de um luminoso azul índigo. Imprescindível.


Antes, ainda passámos por uma espécie de bastião militar, em recuperação, de onde espreitavam algumas peças de artilharia antigas, e cujas obras se alargavam aos terrenos anexos. Estranhamente, não encontrei informação sobre este monumento, nem sequer imagens na internet. Não procurei em árabe…

Quem aviste, de longe, a área do kasbah, rodeada por altas muralhas ameadas, com torres defensivas e barbacãs de um ocre velho de séculos, dificilmente fará ideia do contraste que encontrará no interior. Aqui, tal como em Chefchaouen, é o azul e o branco que dominam. Aqui, à imagem de Essaouira, há muitos portais de origem judaica.

Recordámos aquela envolvência anilada que tanto nos arrebatou há 3 anos. Aqui, todavia, parece não haver muitos habitantes, a tranquilidade é soberana, as ruas são mais largas e as casas mais baixas. Mesmo assim, há portas decoradas com motivos bastante originais.


Após recusarmos uma pintura com henna, entramos por uma espécie de túnel que ladeava uma porta majestosa do período almóada, também esta com mais de 800 anos. Mais à frente, vislumbrava-se para oeste um extenso cemitério islâmico que desce a colina até à praia, interrompido apenas pela marginal que envolve toda a cidade a poente. Uma vez que fazia parte do circuito que contornava as muralhas a poente, voltámos a passar por lá no dia em que deixámos a capital marroquina.


De um terreiro panorâmico a vista contempla a parte atlântica da cidade próxima de Salé – situada do outro lado do rio – uma praia abrigada – onde a prática do ‘bodyboard’ junta muitos praticantes – e outra muito batida pelas ondas atlânticas. Mais abaixo, os olhos também contemplam toda a urbe vizinha e o rio, estando no agradável Café Maure. Um deleite.


O interior, desnivelado, revela um conjunto muito harmonioso de portas, janelas e rodapés pintados com o tal azul de ganga clara. Muitos detalhes de ferro decoram algumas portas, algumas de dimensões diminutas. Casas baixas, pouca gente, ambiente sossegado. Saímos por um jardim andaluz, rumo à Medina comercial. Muito chique, mas mal cuidado.


Com entrada no espaço mercantil, recuperámos muito do que a memória havia guardado da viagem interior: a variedade das cores, a panóplia de tapetes, a multidão, a sujidade das ruas, os odores variados, a desordem dos artigos e a aparente desorganização geral. Uma satisfação, afinal!


Entra-se pela 'Rue des Consuls', uma das alamedas mais largas da medina, sob um telhado côncavo envidraçado. Mais à frente, sensivelmente a meio da rua, vira-se à direita para outra, mais estreita, que a atravessa de uma ponta à outra. Não tem uma planta tradicional, labiríntica, como as de Marraquexe ou Fez, o que permite percorre-la sem o recurso a um guia. Há edinas mais bonitas e cativantes, mas esta permite uma fácil orientação.

À noite, soubemos que estava por saldar um quarto no Ibis de Tanger, e que o pagamento havia sido reclamado aos elementos do grupo que lá haviam chegado no dia seguinte. Com efeito, tinha havido a presunção de que o alojamento estaria pago. Mas não. Talvez por isso, quando lá regressámos na última noite de viagem, nos tenham pedido pagamento antecipado…


O hotel Belere, com anos largos de uso, mesmo considerando a confusão inicial de distribuição de quartos ainda ocupados, não conseguiu encantar-nos, sobretudo quando a música de telediscos da televisão, concorria alto e bom som com o relato em outra de um jogo de futebol. O buffet não primava pela variedade e os quartos eram sofríveis. Escapamos.


Música: Colosseum, The Grass is always greener


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