sexta-feira, 30 de abril de 2010

Passeio Pelos Impérios XIII - DE VOLUBILIS A MATMATA

De manhã, ainda assistimos através da janela à partida do Joaquim e do Arlindo. Nós fizemo-lo à hora prevista e já institucionalizada, 9:12. Fizemo-lo, ao longo das avenidas que, àquela hora, ainda não padeciam de muito trânsito. Tínhamos agora Volubilis como destino, um objectivo que havíamos falhado há 3 anos quando se abateu uma enorme carga de água sobre o lugar. Desta vez, o tempo estava fresco, sobretudo no percurso que atravessava os campos que mantinham um verde suspeito, cúmplice da muita chuva que o inverno havia emprestado à região.

Foram os estragos provocados pela ira das chuvadas que testemunhámos, quando aproveitámos um desvio que rompia por olivais a caminho de Moulay Idriss. A estrada, além de se ondular em curvas de quase 180 graus por cabeços cada vez mais elevados, estava quase impraticável para motos de estrada. Havia pouca estrada para tanto buraco. Um deles, não o evitei, e o estrondo foi violento.

A chegada a Moulay Idriss foi como descobrir um oásis. A estrada melhorou e o ar aqueceu significativamente à medida que íamos descendo esta povoação que declina ao longo de uma colina, caso raro nas grandes urbes marroquinas. Estávamos praticamente à vista do nosso próximo propósito.

Em Volubilis, entrámos poucos. Os restantes ficaram junto das motos. O circuito das ruínas faz-se em pouco mais de meia-hora se não nos detivermos nos detalhes dos mosaicos, a ler as placas informativas ou demorar a tirar fotografias junto dos locais mais significativos. Alguns espaços são monumentais, sobretudo a área do fórum, da basílica, e ainda o imponente Arco do Triunfo. À imagem de outros lugares cuja origem não é árabe, não pareceu haver guias e o espaço apareceu mal organizado e particularmente pouco protegido.

Se em Conímbriga já há muito que os espaços mais frágeis estão telhados e outros locais têm o acesso condicionado, aqui não parece haver preocupação de proteger os mosaicos do sol impiedoso, o acesso constante de visitantes aos locais mais importantes, bem como às ruínas da zona habitacional. Merecia melhor sorte.

À saída, despedimo-nos dos Cunhas, dos Leais e do Mariano, que queriam passar ainda durante o dia para Espanha e pernoitar em Porto de Santa Maria. Mais tarde, com o calor a aumentar, parámos para almoçar uma churrascada numa esplanada, em Souk El Arba du Rharb. Foi aqui que se deu o nosso "Alcácer Quibir". Uma prova ciclística, que terminava no cruzamento principal da localidade, vedou-nos o acesso à estrada mais directa para Ksar El Kibir.

Voltámos às estradas municipais, estas bastante degradadas e de cujas obras também estava ausente qualquer tipo de sinalização. As suspensões só repousaram quando chegámos à auto-estrada, sensivelmente entre Casablanca e Larache. E foi numa área de serviço que o Menau teve conhecimento da avaria na BMW dos Leais. As três motos estariam paradas na berma a poucos quilómetros de Tanger.

Na realidade pouco menos de 30 quilómetros faltariam para a cidade, quando parámos junto dos que nos tinham deixado de manhã em Volubilis. Foi ali que o tubo de gasolina da BMW se quebrara. Não havia solução imediata, uma vez que a pressão da bomba de gasolina inviabilizaria qualquer intervenção que não fosse suficientemente estanque.

Daí a pouco, chegava um reboque. Depois de algumas tentativas para recuperar um cadeado mal fechado, os rapazes do reboque seguiram em velocidade reduzida a caminho de Tanger. Entardecia a passos largos e os nossos comPANheiros ainda não haviam almoçado e, pelo que soubemos mais tarde, também não jantariam cedo. A moto foi rebocada até ao porto, entrou à mão no barco e saiu da mesma forma em Tarifa, sendo daí enviada para Portugal em outro reboque.

Nós ficaríamos no Ibis, cujo alojamento repetíamos. Desta feita, porém, pediram-nos pagamento antecipado, não fosse alguém repetir o esquecimento da primeira estadia. No dia seguinte, saímos cedo a caminho de Tanger ainda a cidade dormia, mas onde um traço molhado no pavimento ainda fez "rabear" a Pan. Depois de termos esgotado os dirhams na “propina” do angariador da fronteira, embarcámos no ferry que nos levou de regresso à Europa.

Foi com um café espanhol que nos despedimos de Tarifa. A partir dali, e apesar de termos vaticinado que nos perderíamos todos, tal como há três anos, a verdade é que o único que não nos seguiu foi o Eduardo, que preferiu o itinerário por Cádiz. Ele virou para poente rumo a San Fernando, e nós para leste a caminho de Algeciras.

Optámos pelo mesmo caminho da jornada de partida, agor em sentido inverso, por Algeciras, Medina Sidonia e Sevilha, de onde prosseguiríamos de forma diferente, optando agora, via Zafra, por Badajoz. Almoçámos numa área de serviço recentíssima, por volta de El Ronquillo, e cerca das 4 e meia da tarde, estávamos a atravessar a fronteira onde a gasolina passa a ser mais onerosa.

O vento surpreendeu a nossa passagem na A6. É habitual. Talvez por isso, também seja costume pararmos a meio, em uma Área de Serviço, para o esconjurar. Chegámos a Massamá, a antiga Matmata árabe, a tempo de desmanchar as malas e preparar o jantar. Neste dia, teríamos pensão completa. Agora, é esperar pela próxima jornada. Insha'Allah!

Música: Yes, Mood For a Day


O QUE FICA

De momento, quase tudo, nova e exigente que está a memória. Porém, as recordações não dependem apenas da vontade de as agruparmos, sujeitam-se também à selecção que delas fazemos. E, dessa escolha, dessa multiplicidade, o que fica é, desde já: a exiguidade do espaço de bagagem; a possibilidade de ter levado o saco de depósito, para recolher algumas lembranças; a oportunidade de termos optado por vestuário mais fresco; o ensejo de levar menos peças de vestuário (já me segredaram); não termos levado antibióticos de largo espectro.

Outras memórias, ficam por repetição, ao estilo “lembro-me bem disto!”. Não é difícil recordarmos: a habitual loucura que é atravessar a pé uma rua de uma localidade marroquina, mas sobretudo nas grandes cidades; a simpatia dos marroquinos; a facilidade de encontrar um guia de Medina ou um guarda de estacionamento; a dificuldade de ir além do tema básico do futebol no primeiro contacto; a gasolina mais barata; a rotina da propina na fronteira.

Mas há novidades, como seja: o menor cerco do cliente pelo vendedor; os preços mais elevados face há 3 anos (dizem que por influência dos franceses); uma frase atribuída aos portugueses que diz muito da relação cliente/vendedor (“se queres, queres, se não queres não queres!”); as muitas obras urbanas e viárias; talvez haja mais mulheres na rua (sobretudo nas grandes cidades).

Lá, também é irremediável a presença do espaço, do tempo e da cultura, através dos quais se descobrem algumas diversidades interessantes.

Como sejam, as que se detectam no espaço, por exemplo: as disparidades de piso e trânsito com a passagem da auto-estrada à via nacional, daí ao tecido urbano, daí a certas estradas concelhias; do estupendo vaguear pelas estradas costeiras ao longo do mar (de El Jadida a Essaouira); do estender de quilómetros pelas planícies (de Essaouira a Marraquexe, de Ksar El Kebir a Tanger); do serpentear pelas montanhas (do Médio Atlas, na região de Ouzoud e Ifrane), mas experimentar o trânsito confuso, aligeirar radicalmente a velocidade em estradas que tinham mais buracos do que alcatrão; serviços muito agradáveis (na maioria dos restaurantes e hotéis) e outros deploráveis (um hotel, em particular);

Como sejam, as que descobrem no tempo: onde se passa um conflito entre lentidão e rapidez, sobretudo o vagar dos passos na edina quando sós e a rapidez desse percurso quando guiados; quando o sossego da montanha contrasta com a velocidade da campina; quando a morosidade das esperas (p.e. na fronteira) contraria a celeridade na angariação (de compradores); quando o tempo parece conservar-se nos olhares e nos gestos (ao esperarem ou motivarem para a compra), que contrastam com certos momentos de violência da voz (quando parecem discutir, zangados).

Como sejam, as que se descortinam na cultura, por exemplo: nas estratégias económicas que se percebem na fronteira, nos guias da medina, nos guardas de estacionamento (uma rede organizada de gestão de serviços, coisas e pessoas); como no caso dos produtos/objectos aos quais são atribuídos valores discrepantes, para serem vendidos por valores muito inferiores; como sejam as diversas hierarquias que se vão reconhecendo pelo simples trajecto de um guia (entre patrões e serventes) que altera cumprimentos e prestações mútuas.

Apesar da perspectiva quase compulsiva de ser surpreendido, essa condição tem sido progressivamente atenuada por um pacto que, ainda assim, permite que me maravilhe com pequenos nadas que parecem tanto, tais como: a graça do Kasbah des Oudaias, em Rabat; com aquele conjunto medina/porto de Essaouira; com alguns pedaços da medina de Fez; com os almoços programados ou não, desde o de Casablanca, passando pelo de Oualidia e Meknes; considerando o de Ouzoud tão saboroso e, arrisco, a sorte que tivemos com "o das bicicletas"; com o facto de que Marrocos estivesse tão verde; de beber um excelente vinho de Meknes em Casablanca; da festarola em Meknes; da excelente companhia da Nênê.

Também me sinto admirado de não ter caído redondo depois do almoço na praça de Essaouira; da moto chegar a casa com os amortecedores ainda a amortecer; de não ter sido preso por fotografar a fronteira; de não termos sido expulsos do hammam em Afourer; de não ter sido linchado depois da estrada(?) para Volubilis…

Fica ainda a lembrança dos que me acompanharam que, à imagem de uma espécie de confraria, cevou o espírito de viagem, num ambiente de cumplicidade, contribuindo sobretudo para o bem-estar de todos.

Mas também recordo aqueles que não puderam ir e, evidentemente, todos os que levamos na memória e no coração e, por tanto, nos obrigam sempre a regressar. É por eles que cumprimos o provérbio árabe que aconselha a não construir uma casa no caminho da viagem.


E o futuro? Por que não Atenas? Recuar mais um instante no tempo e no espaço da nossa cultura. Além disso, nesta altura, é consensual que precisam de ajuda.


Passeio Pelos Impérios XII - PELAS ENTRANHAS DE FEZ

Regressámos a Fez pela estrada nacional, que se encontrava em recuperação e com muito trânsito. À chegada, rodeámos lentamente as muralhas da medina já o sol andava baixo na parte mais recente da cidade. Pena foi que não tenhamos entrado por uma porta (bab) mais a sul, onde as casas fazem parte da muralha. Estacionámos as motos numa área construída não há dois anos, e que, curiosamente, está filmada, ainda em obras em http://www.youtube.com/watch?v=SGnYv4UrTSQ.
Agora, acompanhados do guia, penetrámos na medina através da Bab Guissa e dirigimo-nos de imediato para a mais antiga universidade do mundo, a madrassa (universidade corânica) de Attarine. Apesar de as paredes serem praticamente monocromáticas, está exemplar em matéria de conservação. Embora dispusesse de uma varanda no andar superior – de ligação aos quartos dos estudantes - não nos possibilitaram ultrapassar o pátio. Nunca protagonizei uma visita tão curta.
Antes, havíamos deixado passar um dos transportes mais populares naquele sufoco, o burro, animal que, à excepção dos gatos, é o único admitido nas estreitas ruas da medina. Nas albardas levam de tudo: roupas, garrafas de água, sacos de cereais, máquinas e ferragens. Tal como há séculos.
Próximo da madrassa de Attarine, espreitámos a mesquita Kairouine, a maior da medina e de Fez. Percebe-se a dimensão quando, ao circundá-la, se vão contando as muitas portas que lhe dão acesso. Pela primeira vez, percebi estarmos próximo do rio, cuja maior parte do leito está oculta na travessia da Medina, não sem antes termos passado por uma zona de tingimento exclusivo de cabedais negros.
Mais à frente, entrámos numa casa, subimos dois andares e desembocámos uma espécie de varanda, de onde era possível observar a famosa zona de tingimento de curtumes, onde domina o activo cheiro das peles e as cores fortes das tintas.
Quase tão fascinante, mas numa outra escala e tema, o elevado número de antenas parabólicas individuais que envolvem o sítio, naquela teia de telhados cor de terra e arquitectura de traços geométricos. Parecem favos.
Circunstancialmente caótica, a intensa circulação pedestre dentro das exíguas ruas da medina, é um elemento típico, em que a quietude de muitos – sobretudo dos lojistas – contrasta com agitação dos fornecedores e da passagem apressada dos turistas com guia. Outra constatação: a de que não existem lojas fechadas, ou seja, que a diminuta dimensão, escassez de stock ou fraca clientela, não são condições de “portas fechadas”.
Feliz, a paragem numa pequeníssima loja que vendia chá. Deixámos passar mais um burro e cercámos o balcão para comprar uns quantos pacotes de chá a um preço que agradou. O chá é bom, sobretudo quando acompanhado de algumas folhas de hortelã. Comprovámo-lo em Portugal.
Comprovámos outra teoria que, nesta fase, já é tese: a fraca manutenção de edifícios, redes eléctricas, e equipamentos públicos em geral. É frequente ver fios eléctricos à mostra, protecções de quadros eléctricos arrombadas, portas de madeira roídas da água, lajes levantadas ou em falta. E o panorama de alguns hotéis, também não é famoso: há tinta que caiu, madeiras empenadas, teias de fios, tapetes surrados. Também é preciso sorte para que não existam mais tragédias, e os marroquinos parecem tê-la.
Prosseguimos pelo labirinto, para desembocarmos pouco depois no largo dos caldeireiros, cujo trabalho de alguns é feito à porta das lojas. Estávamos ainda junto da Karouine, quando percebemos que já iniciávamos a caminhada de regresso às motos. Voltámos ao dédalo de ruas, muitas delas por onde não passam mais do que três pessoas lado a lado, outras cuja dimensão oculta inclusivamente torres de mesquitas, outras ainda que, por estarem cobertas, eclipsam qualquer referência de orientação.

Acreditava que ainda iríamos parar numa loja de artigos de madeira e/ou outra de adornos e, por tal, atrasar a nossa saída, mas o guia não devia ter comissão nessa área. Mesmo assim, chegámos junto das motos com a noite a tombar. Avançámos para o trânsito da hora de ponta e batemo-nos com uma imensa legião de “petit táxis”, alguns dos quais ocupavam uma das faixas de rodagem contrárias. Fiquei desapontado com o facto de, uma vez mais, ter percorrido as ruas da Medina de Fez ao ritmo do guia. Tinha esperança que pudéssemos ter tempo para captar mais detalhes e conhecer aquele todo, desde o rio que mal vimos, passando pelas vielas sem saída onde os braços abertos tocam as paredes, pelos túneis escuros e assimétricos.A Medina é um espaço ímpar. È das mais estreitas, das mais cobertas, é assimétrica a par da de Chefchaouen, labiríntica como a de Marraquexe, rica e variada. Mas, sobretudo, tem uma vida que não se percebe à passagem veloz e inquietada que protagonizamos. A noite no bar foi mais divertida do que a anterior e ainda mais do que o período do aperitivo para o jantar. Desta vez, envolveria também alguns franceses que viajavam em Citröens “Arrastadeira” e contestavam os critérios de quantidade no que respeitava a bebidas servidas pelo tal barman sovina. Depois, desdobramos mapas, efectuámos cálculos ligeiros e discutimos percursos com os que sairiam cedo no dia seguinte.

Música: Return To forever, Magestic dance


Passeio Pelos Impérios XI - HÁ FESTA EM MEKNES

Aproveitámos o dia seguinte para darmos seguimento aquela animação. Optámos pela auto-estrada, rumo a Meknes, onde estava previsto um almoço que augurava animação. O acesso à cidade que já foi capital do reino no século XI, está muito facilitado pela proximidade da auto-estrada que liga Fez a Marraquexe. Tal como anteriormente, não tivemos problemas em chegar ao centro, e foram as extensas e elevadas muralhas que serviram de anfitriã à nossa entrada na cidade. Em curto espaço de tempo, chegámos à Bad Mansour onde, há 3 anos, pousámos para várias fotografias de grupo. Mantém-se deslumbrante. Do lado oposto, uma praça imensa serve de átrio à medina. Entra-se por uma porta em arco, relativamente baixa, que nos incorpora imediatamente no ambiente das lojas e das bancas que já ocupam meia rua. Virámos junto de um segundo muro/muralha e percorremos uma centena de metros até voltarmos para uma rua estreita e escura, onde apenas uma placa de metal indicava existir um riad. Foi lá que nos aguardava o almoço mais divertido da jornada. Tratava-se de um espaço em tons de rosa fucsia, um pátio exíguo mas suficientemente grande para reforçar intimidades, apreciar sabores e abanar o capacete. Receberam-nos à francesa, com espumoso, e serviram-nos as entradas mais saborosas da viagem. Depois, surgiram músicos gnawa e, mais tarde, uma bailarina cintilante e um dançarino pitoresco, que contagiaram as hostes. Houve ainda oportunidade para escutar as palavras (compulsivamente elogiosas, cof!, cof!), protagonizadas pelo Mariano, de agradecimento aos organizadores da viagem, reconhecimento dirigido aos Cordeiros e aos Menaus, incluindo obviamente a Nênê. Ela retribuiu, mas nós achamos que o gozo que nos deu planeá-la já havia sido uma boa retribuição. Todos quiseram reforçar essa recompensa e aquela refeição ficou por conta dos nossos amigos.
Nem o excelente “mechoui” (borrego) impediu que a maioria fosse a terreiro acompanhar os dançarinos. Não tardou que a proprietária do riad, Karina Bouchaara, se associasse à farra. Editora do Sultana Magazine, uma publicação sobre sociedade, e ainda anfitriã de provas de vinhos, e de refeições e eventos sociais, despediu-se de todos e de cada um em plena praça fronteira à Bab Mansour, não sem antes se fazer fotografar junto das motos.

Música: Passport, Happy Flight

Passeio pelos Impérios X - ABORDAGEM A FEZ

Fez é extensa. Era de esperar que, a chegada ao hotel, situado já próximo de El Bali, a zona antiga da cidade, iria ser complicada. Mas a chegada acabou por me lembrar a que havia protagonizado há cinco anos com o Paulo Mafra, quando lá entrámos pela primeira vez. Fruto das circunstâncias, havíamos recorrido a um indivíduo montado num Mobylette. Desta vez, a cena repetiu-se. O “nosso” homem levou-nos ao hotel e também tinha um parente que era guia oficial. Eficiência.
A parte nova de Fez é relativamente aberta, dispõe de algumas avenidas espaçosas, mas o trânsito, principalmente na hora de ponta, é colossal. Apesar de informados, é sempre com admiração e gáudio que assistimos às tangentes dos “petit taxi” que avançam por tudo quanto é sítio, inclusivamente sobre o espaço que está (aparentemente) dedicado aos que vêm em sentido contrário. Porém, tudo parece correr bem. Não assistimos a um único acidente, embora fossemos obrigados a travar para deixar passar quem vinha de frente na nossa faixa de rodagem…
Surpreendente, todavia, foi o acolhimento no hotel Menzeh Salagh. Só a recepção deslumbrava, com uma vidraça a mostrar toda a extensão da medina ao entardecer. Porém, havia sido uma falsa abordagem e, pouco depois, exilaram-nos para um “anexo”… que, por fora, não inspirava grande confiança mas que, por dentro, mostrava que tinha sido recente mas não completamente renovado.
Novidade deste ano: a oferta de um chá à chegada aos hotéis mais emblemáticos, que bebíamos com prazer enquanto preenchíamos a famigerada ficha de cliente. Neste, porém, bebemos o pior da jornada. Premonitório? Talvez, já que, a partir dali, as queixas multiplicaram-se: a porta da casa de banho não fechava, a misturadora não tinham chuveiro, o tubo do secador estava roto, o colchão afundava-se na cama. Isto no nosso quarto. Em outros, não havia sabonetes. Algumas reclamações foram atendidas, outras não, ao sabor de uma indiferença que desconhecíamos. Uma pequena desgraça.

Música: Spin Artes - Zamocles Curse


quinta-feira, 29 de abril de 2010

Passeio Pelos Impérios VIII - BURRIFOS, MACACOS E OMELETAS

A partir daqui, a Julieta passou de novo para a Pan. Sentia-se melhor. Para mim, seria uma ajuda bem-vinda, sobretudo na logística e na “leitura” da estrada. Para ela, um teste de robustez à espécie de convalescença que não terminara. Protegeu-se demais, pareceu-me.
Talvez neste dia tenhamos saído às nove e doze. A verdade é que, a partir de determinada altura, foi o horário de partida adoptado. Rodámos com piso aceitável mas, mais à frente, o perfil da estrada e o cenário envolvente mudaram. O Médio Atlas começou a espreitar sob um manto de nuvens que, ainda assim, não assustava e a estrada começou a torcer-se em colinas ainda assim bastante suaves. Não estava frio, ao contrário do que era de esperar.
O objectivo era visitar as célebres cascatas de Ouzoud. Quem chega ao local dá com uma aldeia de casas desordenadas, algumas em construção. Uma curva apertada, um largo que serve de paragem de autocarros e um baldio que serve de parque de estacionamento, marcam-lhe o centro. Contudo, sente-se alguma humidade no ar que, por vezes, era mesmo uma mão-cheia de gotas de água.
As cascatas estão quase a 1500 metros de altitude, incrustadas numa zona de sucessivos cumes e vales repletos de vegetação baixa, cujo verde garantia que a água das últimas chuvadas ainda não havia desaparecido. Três braços de rio serpenteiam até se precipitarem de uma altura de pouco mais de 100 metros. Ao cair, toda a aquela água parece vaporizar-se de volta ao local de onde se despenha.
Nunca pensámos poder almoçar com as quedas de água praticamente debaixo dos pés. Foi sobre um caramanchão de vides, com uma vista magnífica e exclusiva sobre a cascata – o local identifica-se próximo da base das duas árvores da fotografia - que almoçamos, primeiro em tímida quantidade, depois reforçada, excelentes pratos de omeletas berberes. Para nós, novidade gastronómica, deliciosa e económica: ovos, tomate e algumas ervas a condimentar. Um pitéu.
Em breve, descíamos uma (longa) rampa que daria acesso à base da cascata, assim como a uma série de promontórios de onde era possível apreciar melhor a grandeza das quedas de água. Demorámos para algumas fotografias, tal como alguns macacos também pousavam, habituados à proximidade humana e a algumas ofertas (doces) que lhe davam cabo do pêlo.
Evitámos descer mais. Ida e volta até ao fundo podia levar cerca de 2 horas, uma vez que a descida é muito suave e não se dá pelo cansaço. Em baixo, estou convencido de que precisaríamos de gabardinas, tal é a dispersão de água que bate forte numa espécie de lagoa. Partimos, depois de cumprimentarmos um italiano, acompanhado de uma americana, numa BMW com matrícula de Munique… mundices!
De Ouzoud a Efourer, a estrada sulca a montanha em baias estreitas e com piso sofrível. Mas a paisagem é estupenda. Tornaram o verde e os declives abruptos, as pontes e as curvas acanhadas, quando algumas notas alaranjadas já pairavam no céu a prometer um ambiente ainda mais estival. Estava um fim de dia admirável.
De Marraquexe a Fez, são quase 500 quilómetros, demasiados para fazer num só dia e perder a oportunidade de andar pela montanha e visitar as cascatas de Ouzoud. Para tal, era necessário encontrar apoio hoteleiro a meio do percurso entre as duas cidades, pelo que não podíamos ficar longe de Beni Mellal.

Música: Premiata Forneria Marconi, É Festa


quarta-feira, 28 de abril de 2010

Passeio Pelos Impérios IX - HAMMAM EM AFOURER E ALMOÇO NOS ALPES


Na medida em que seríamos obrigados a pernoitar entre Marraquexe e Fez, a escolha recaiu sobre Afourer, onde ficamos alojados num “4 estrelas” - hotel Tazarkount - recente e espaçoso, situado num local tranquilo, a dispor de hammam – banho de vapor com passagem de “savon noir” destinado à limpeza da pele. Fomos ao banho. Apesar de acanhado, o espaço e o sistema proporciona-se à farra e, mais balde menos balde de água, enfiado pela cabeça abaixo, todos sobrevivemos à água a escaldar e àquela espécie de geleia. Uma alegria.


A noite começou a revelar os planos de regresso de alguns, que queriam voltar mediante outro calendário ou horário. Ficamos a saber que o Arlindo faria o trajecto de Fez a Isla Canela e o Joaquim tentaria fazer o caminho directo para a Trofa. Depois, outros três também manifestaram a intenção de seguir mais cedo, passando para Espanha no último dia, em vez de ficarem em Tanger. Assim foi, com algumas peripécias pelo caminho.


Entretanto, tínhamos programado um almoço em Ifrane, uma localidade que aparenta ser como qualquer uma congénere europeia de montanha. Terra de emigrantes, situada a cerca de 1700 metros de altitude, tem perto uma estância de esqui. Muitos parques, envoltos em árvores altas, telhados das casas em bico, cadeiras em palhinha nas esplanadas, fazem da povoação um misto de ambiente parisiense e cenário suíço.


Foi lá que almoçámos. Também estava programada uma paragem em Azrou, poucos quilómetros antes, mas não sei se por faltar pouco, se por algum trauma da viagem anterior, não o fizemos (1). Ifrane estava perto e era bom caminho. Possivelmente não valeria mesmo a pena parar previamente. Talvez se o fizéssemos naquele saliência onde estavam montadas diversas lojas de artesanato em madeira, tivéssemos aproveitado da aprazível vista sobre o vale.

(1) Há 3 anos, havíamos sido surpreendidos pela neve, quando trepámos a Floresta de Cedros, e Azrou foi o local de partida para essa jornada não muito auspiciosa.

Verificámos mais uma vez mais que choveu bastante em Marrocos no último Inverno. Era um vasto lençol de água que banhava o sopé de uma zona montanhosa que deixava Azrou rumo a Fez. Os efeitos da chuva também foram sendo aferidos pelas suspensões que não se fatigavam de ir negociando buracos e lombas. Mas continuávamos distraídos por cenas bíblicas – as célebres imagens da anciã de véu escuro montada num burro - ou de transportes insuspeitos de limpeza e armazenamento da carga – como o que levava duas vacas numa grade e, prudentemente, fazia as curvas sem qualquer inclinação de risco. Outros vagares.

Música: Kitaro, Silk Road