ETAPA 1 - A CAMINHO DE ROMA
Fomos por Itália, mas era Roma que não conhecíamos. Itália é obviamente (muito) mais do que Roma. Experimentámo-lo mais uma vez, agora mais a sul. A zona campestre continua tão harmoniosa como atractiva. A zona urbana, também. Mas Roma é Roma.
Roma foi novidade, mesmo apesar do que se lê, ouve e vê sobre a cidade e sobretudo sobre o seu legado histórico. Dois dias para visitar toda aquela riqueza é manifestamente pouco. Mesmo escassos, permitem ter uma noção do que existe. E o que há parece-me ser uma harmonia tranquila, uma beleza diferenciada, mas sobretudo um património excelente.
Roma foi novidade, mesmo apesar do que se lê, ouve e vê sobre a cidade e sobretudo sobre o seu legado histórico. Dois dias para visitar toda aquela riqueza é manifestamente pouco. Mesmo escassos, permitem ter uma noção do que existe. E o que há parece-me ser uma harmonia tranquila, uma beleza diferenciada, mas sobretudo um património excelente.
Há várias Romas. A das praças, a das fontes, a da arquitetura, a das cores, a romana, a renascentista, a da unificação, outras. Como há várias Itálias. A do norte, a do sul, a urbana, a rural, as litorais, a das planícies, a das montanhas, a das falésias, outras. Percorremos algumas.
O saldo é claramente positivo. Como já havia sido há mais de 20 anos. A viagem não decepcionou, antes pelo contrário, mesmo considerando o atraso no embarque e no desembarque, as ondas que fustigaram o barco durante toda a noite, o piso bera das autoestradas italianas, aquela sujidade eterna dos edifícios, algumas aldrabices à italiana, tenhamos andado pendurados nas falésias que nem cabras montesas, que os hotéis não fossem grande coisa, que a moto tenha aquecido, que fossemos obrigados a recorrer à assistência em viagem, que o avião para Frankfurt abanasse bastante, quase tenhamos perdido o seguinte para Lisboa ou uma das malas tivesse ficado na escala…
Houve certos detalhes que perdi, não se manifestaram ou não os descobri, nomeadamente o glamour de outras épocas, novidades, manutenção mais aturada, boas indicações viárias. Outros detalhes, revi-os com júbilo: a paisagem campestre, a monumentalidade, a arquitectura e a cor urbanas, a simpatia geral e aquela língua tão melodiosa.
UM LUARQUINO QUE CONHECE ÓBIDOS
Estendemos a primeira etapa até Madrid, depois de almoço, e terminámos no “Colosso”, próximo da Gran Via, antes de jantar. Fomos andando ao longo de um Alentejo de prados verdes, ainda a mostrar que, por ali, o Inverno tinha sido chuvoso. Saímos com os Menaus.
Parámos para reabastecer a Pan na área de Montemor. Só eu o fiz. Talvez tenha sido essa gasolina que a pôs a trabalhar em 3 cilindros, antes da segunda paragem, perto de Mérida. Engasgou-se, entrou a tossir na bomba mas, depois de reabastecida, nunca mais se queixou. Curiosa, a existência de um concessionário Triumph nessa área de serviço.
Já estava a anoitecer quando entrámos em Madrid. Fiado na excelência do GPS, fui seguindo a linha alaranjada até… já não saber onde estava. Uma, duas voltas e, finalmente, a Praça de Espanha. Devia ter sido sempre a direito: era assim que chegávamos ao centro de Madrid quando o objectivo era assistir ao Grande Prémio de Motociclismo de Jarama…
Arrumámos as motos no "jazigo" do hotel – cujo tecto parecia esventrado - tomámos banho e saímos para jantar. Para tal, elegemos a Casa Parrondo, de cozinha asturiana, a duas centenas de metros do hotel. Muitas tapas, uns queijos deliciosos, uma cidra ácida e um tinto mais agradável.
O dono é de Luarca, um pequeno porto, simpático, nas Astúrias, 100 kms a oeste de Gijon. Dizia conhecer bem Portugal, sobretudo Óbidos. Talvez não conhecesse bem as 4 mulheres com quem já tinha casado… Nesta noite, a movida madrilena estava concentrada na Praça de Espanha e não havia muita gente na Gran Via. Na Plaza del Callao, era um protótipo Citroen que brilhava.
AO LONGO DA FRESCURA DA MANHÃ
De manhã, saímos das catacumbas e voltámos a seguir os conselhos do GPS. Com mais uma ou outra rua no curriculum, lá demos com a Avenida América, a via de saída preferencial de Madrid rumo a Saragoça.
O céu estava enevoado e fazia frio, sobretudo quando, mais à frente, já depois de Guadalajara, atingimos os 1200 metros de altitude em pleno planalto. Cheguei a bater o dente, uma vez que não levava forro e, por baixo do blusão, só vestia um pólo de manga curta. Fui o único a queixar-me. Já não me lembrava que, mesmo nas manhãs de Verão, aquela região da meseta castelhana é fresquinha.
Com a proximidade de Saragoça, o tempo ficou mais quente. Bebemos um café numa área de serviço com hotel e loja de antiguidades e, daí a pouco estávamos no início da auto-estrada, mais propriamente na segunda área de serviço à beira de Saragoça, onde parámos para almoçar. Esperámos dez minutos que nos arranjassem uma mesa, quando o restaurante apenas tinha menos de metade ocupadas. Mas sobrevivemos.
Efectuámos mais uma paragem para reabastecer e aproximámo-nos da capital catalã ao ritmo do final do dia, calmo e soalheiro. O acesso ao porto revelou-se fácil, depois de uma paragem estratégica para verificar as indicações do GPS.
AO SABOR DAS ONDAS E DOS ATRASOS
Daí a pouco, próximo de uma das marinas, os Menaus entraram passeio dentro acompanhando o debandar dos vendedores ambulantes. Era a polícia que surgia, a obriga-los a levantar os panos com os produtos que vendiam na rua. Foi juntos dos polícias que assegurámos que as motos ficavam ali "bem" estacionadas.
"Bebemos um copo” na marina que fica próxima do final da Rambla e observámos o movimento da malta nova junto do centro comercial. Olhávamos o cais de embarque e, por pouco, não víamos a grandi navi veloci - barco grande sim, mas não muito veloz - que nos levaria para Itália, nem a longa fila de motos que se estendia ao longo da grade que protegia o porto.
Daí a pouco, reunimo-nos com os restantes viajantes portugueses, que marcavam lugar, há mais de uma hora, juntos dos congéneres italianos. Uns haviam passado a noite em Saragoça, outros em Valência. Cinco motos, cinco casais. Apenas faltava o Quim que, aquela hora, já andava pelas cinzas do Vesúvio.
A BORDO
Trocámos os documentos de reserva pelos bilhetes, numa operação relâmpago do Zé Menau, mais do que habituado aqueles trâmites logísticos que implicam filas e balcões. Até a Pan ganhou direito a bilhete de pessoa. E fomos esperando, entre uma mirada às muitas GS’s italianas e o auguro de uma partida rápida, que foi sendo protelada sem qualquer alerta ou informação. Eu já lera que assim era. A regra era haver atraso.
As oito e meia da noite chegaram sem novidades. Era a hora prevista para zarparmos. Passou uma hora e nada. E, só no final da segunda, sem que, lá atrás, nos tenhamos apercebido de um gesto, sinal ou ordem de partida, nos pusemos em andamento por entre grades e contentores, seguindo o rebanho italiano das GS's.
Mas, ainda não era desta… as motos pararam à vista da garganta do Golias. O barco esperava pelos miúdos italianos, que viajavam em 4 ou 5 autocarros. Entretanto, fomos acompanhando a organização do embarque e observando a distribuição dos veículos a bordo. A primeira vagueava entre ordens contraditórias e a segunda colocava camiões já num porão superior. Julgámos que ficaríamos num piso que partilharíamos com automóveis...
Fomos os últimos a entrar, e também a abandonar o porão assim que percebemos que a segurança da moto iria ser garantida com as habituais cintas, estando esta no descanso central. A maioria estacionou a estibordo. Nós fizemo-lo a bombordo.
Deixámos o ventre do navio por uma escada rolante que nos levou ao nível 5. Começámos a procurar o nosso quarto, tal como se se tratasse de um hotel: seguindo as indicações numéricas do piso e do quarto. Subimos dois andares e atravessámos o barco, da popa à proa, perto da qual encontrámos o nosso lar para as 24 horas seguintes.
Quando nos sentámos no restaurante do barco – o self-service estava lotado com os jovens italianos – era quase meia-noite. E o barco ainda estava junto ao cais. Começámos a jantar ao som (das tentativas de arranque) dos motores. Parecia, no entanto, que o esforço não estava a ter êxito.
Antes da sobremesa, a Grandi Nave Veloce fez-se ao Mediterrâneo. O barulho das máquinas sossegou, nós subimos ao convés, demos uma volta e regressámos ao Deck 7. Lá fora, a noite estava gelada. Só as jovens italianas conseguiam atravessar o convés com vestidos de alças…
Quem já entrou numa caravana, sabe ao que vai quando se trata de espaço. Para nós, foi suficiente. Porém, para quatro pessoas, talvez fosse acanhado. Mas escapámos com vida, embora mortificados durante os pedaços de vigília pelo barulho das vagas a fustigarem o casco. Pena foi, também, que o anteriores inquilinos/as do quarto tivesse(m) menos 10 centímetros de altura, e eu dormiria perfeitamente encaixado naquela “cama”.
Acordámos com o mar e o céu azuis. Depois de um pequeno-almoço a preço europeu, fomo-nos perdendo pelos diversos espaços do barco: bares, convés e salas de estar. Espreitámos o casino e a sala das poltronas, onde viaja quem não tem cabina. Alguns emigrantes mas sobretudo condutores de camiões. Nem todos podem ficar na suite "Picasso"...
Algures no Mediterrâneo, pusemo-nos a adivinhar que ilha seria a que víamos a estibordo, estimando que seria a Córsega. Mas, além de pequenita, ainda era cedo para aparecer no horizonte. Mais tarde, sim, o barco esticou-se entre a Córsega e a Sardenha, a antecipar a chegada a Civitavecchia.
A CAMINHO DE ROMA
As duas horas de atraso à partida mantiveram-se à chegada. Já passava das 10 da noite quando o barco atracou. A chamada de acesso ao porão colocou-nos em magote em átrios pequeníssimos. Para quem havia deixado o porão apenas com as motos arrumadas a um canto em Barcelona, o cenário agora nem deixava que progredíssemos muito.
O porão estava pejado de TIR’s. Passar entre eles, com a bagagem na mão, revelou-se complicado. Porém, mais doloroso seria aguentar o fumo dos escapes de dezenas de camiões a sair em simultâneo do porão. Quando deixámos o ventre da baleia, já estavam a entrar os veículos de manutenção.
Como o meu GPS não tinha os (novos) arruamentos do porto, fui seguindo as indicações viárias. Andámos um pedaço para trás, mas daí a pouco estávamos a experimentar o que seria o degradado piso das autoestradas italianas. Eram 80 kms até Roma. Teriam sido, se tivesse acertado com o itinerário que vira no google. Aproveitei a paragem na portagem e confirmei que tinha falhado o desvio para o "grande raccordo anulare", o periférico romano. A portageira ajudou-me a recordá-lo.
Fizemos duas dezenas de quilómetros a mais, sempre com o GPS a querer atravessar Roma, para terminarmos na saída prevista pelo Google. Devemos ter arrumado as motos no jardim do hotel já depois das onze da noite. Só voltámos a pegar nelas daí a dois dias. Entretanto, reunimo-nos com o Quim. Até ali, ninguém se tinha perdido.
ARS Hotel a 6 kms do centro, moderno, espaçoso, mas com um complexo de escadas de respeito. O quarto também era espaçoso e tinha sempre chá e bolachas disponíveis, a recepção tinha rebuçados e maçãs com fartura, mas a sala de refeições era acanhada, algumas escadas não tinham elevador e os recepcionistas contradiziam-se. Estávamos em Roma!
Música: Tanz der Welten - Mediterania
Vídeo: ver nesta dimensão
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