quinta-feira, 26 de maio de 2011

Itália 2011 - Florença, após San Gimignano - Etapa 5


I
NA TERRA DAS TORRES

Deixámos a Nomentana – a via através da qual havíamos acedido a Roma – por volta das 9 e meia, a caminho do periférico. Voltámos à auto-estrada estreita e de mau piso. Uma centena e meia de quilómetros depois, estávamos a reabastecer numa área de serviço da A1, e a ser inquiridos sobre o preço das motos por uma excursão de japoneses. Embora a largura das faixas me parecesse melhorada, a exiguidade das bermas mantinha-se. Trânsito diminuto a fluir, poucos camiões.

A paisagem, essa, era semelhante à de que me lembrava: casas rurais com cores discretas, terrenos cultivados, muitos ciprestes. Aqui e ali surpreendiam-se algumas aldeias mais antigas de origem medieval. Foi o caso de uma delas, cujo castelo e casas próximas remetia já par o nosso destino intermédio deste dia: S. Gimignano.

Ultrapassamos Siena de longe. Nem percebi que estava (de novo) próximo da cidade onde corre o famoso “Pálio”, uma prova a cavalo disputada entre os bairros locais. Nostalgia, é o que é. Lembrei-me de que devia “espreitar” Siena, quando estava em casa a planear o périplo. Mas lá, esqueci-me de olhar. E a “aquela praça” é tão cativante, tão “deixa-me sentar e olhar à volta”... 
A cerca de uma dezena de quilómetros de San Gimignano, já em estradas nacionais, o GPS não reconheceu um desvio urbano devido a obras e fez-nos andar em círculo, até que recorremos a um local para conseguir retomar a direcção correcta.


A urbe medieval surgiu altiva por entre uma fila de árvores, de onde se antevia a espaços um conjunto surpreendente de torres. À chegada, verificámos que ficavam ocultas pelo arvoredo e pelas muralhas. Descobrimos um espaço de estacionamento algo sofrível, após uma tentativa de parquear as motos numa zona de lazer. Entramos no burgo por uma das “portas” abertas há centenas de anos nas muralhas. De um lado e de outro, casas em pedra, lojas cativantes e restaurantes atraentes.
Mais acima, a Piazza Duomo, onde dominam a Chiesa Collegiata e o Palazzo Comunale. Depois, outra praça, contígua, com um poço antigo no centro, “a campeã dos gelados de Itália”, dois ou três restaurantes e uma vista privilegiada para as famosas torres.


Estes sítios têm um condão: fazer-nos imaginar. E tudo o que seja agitarmos a fantasia é bem-vindo. Como era a vida em pleno medieval? Quem vivia naquelas torres? O que se dizia deles? Perguntas simples, que hoje fazemos de locais provocantes, radicais ou polémcos. Muitos, não existiriam e outros transformaram-se ou foram abandonados. Outros, ainda, estão como há séculos. Sam Gimignano é assim. Está “na mesma”.
Por isso lá fomos. Almoçamos num dos restaurantes da praça e aproveitáms o repasto para descansar os olhos no detalhe das torres. De onde estavamo podíamos ver uma meia dúzia de torres, sendo que algumas estavam habitadas.

Foi fundamentalmente o cenário pétreo que nos envolvia a motivar o gozo de estar ali. Tal como nos fóruns romanos ou nos museus do Vaticano, a sensação de estar num espaço que nos leva a outras eras é derradeira.

E não são apenas as “pedras” enquanto tal, que nos convocam para a Idade Média. São sobretudo as formas, as texturas, as cores, a disposição, a luz e as sombras de um passado que não mudou, que se transformou lentamente é verdade, mas que mantém muito de diferente de hoje, e muito do igual a ontem. Mesmo com a informação e o conhecimento que hoje dominamos, o que lá experimentamos - o estar lá em outro ambiente, o estar ali como se fosse em outra era – é suficiente para cevar a imaginação.
Saímos com a imagem das vielas, das muralhas, das lojas de artesanato, da cerânica local, dos recantos do burgo a envolver-nos, mas também com a expectativa de que Florença, o nosso próximo destino, seria uma excelente concorrente. Não nos enganamos. Daí a pouco – não chega a uma centena de quilómetros de distãncia - entravamos pela Via de Tornabuoni, e fomos recebidos pelo Palazzo Strozzi e saudados pelas lojas Gucci, Prada, Bulgari e Dior.
Dez minutos para dar com o hotel, mais outros para arrumar a motos na garagem (que ficava a 100 metros), outros tantos para tomar um duche, e estavamos prontos para avançar sobre a urbe florentina. Na planta, parecia estarmos mais longe. Mas o Duomo ficava ali, a cerca de duzentos metros. Aquela hora, já estava fechado. Mas ainda havia muita gente à sua volta, sobretudo na famosa porta dourada do Battisterio.
Mesmo para quem gosta, já viu ou volta a ver os mármores rosados e esverdeados do Duomo, nota uma claridade, uma alegria e uma leveza difícil de imaginar em obra de tão grande dimensão.
Mais uma vez, reaparece a “carga” religiosa. É a estatuária na fachada, a configuração das janelas, a altura das cúpulas, a imponência das torres.  O sagrado que ali está convertido numa relaçao próxima com a divindade. Tudo está erguido para o Céu, para Deus.
Continuamos a caminho da Loggia e do Palazzo Vecchio. Passamos por uma quantidade de lojas, quer de arte, quer de decoração, diferentes das que estamos habituado a ver em Portugal. Depois, é um parque de estacionamento para motos que surge extenso ao longo de uma rua. Estamos de novo a andar em ruas estreitas, escuras, sem trânsito ou com tráfego muito reduzido.

E, de repente, desembocamos numa praça grande (para a habitual dimensão diminuta da maioria das praças que vimos até agora) plena de estátuas, de uma galaria magestosa, uma espécie de alpendre. Estavamos na Piazza della Signoria, a olhar o Palazzo Vecchio e a Loggia.
Aqui, o olhar perde-se entre a torre do palácio Vecchio, as dezenas de estátuas protegidas pela Loggia, a fonte de Neptuno e as estátuas da própria praça. Agora está uma cópia do David, de Michelangelo, que partilha com Neptuno a estátua com maior dimensão. Próximo de Neptuno, para além de outros de pequena de dimensão, salienta-se a estátua equestre de Cosimo, um dos mais famosos Medici.
Toda a praça é um livro de história, e não apenas da história de Itália ou sequer de Florença. É Perseu com a cabeça da Medusa, da mitologia grega; é uma reprodução do rapto das Sabinas, da história romana, ou ainda a estátua de Judite e Holofernes da história persa.

Ficámos por ali. Fotografamos o que pudemos, com o sol a iluminar pela última vez neste dia o Palazzo Vecchio. Depois, fizemos meia-volta. Daí a pouco estavamos aceitar o convite de um cartaz para um “concerto d’organo” que tinha lugar numa igreja de uma das ruas estreitas e escuras de Florença. Esta soturnidade contrastava com as montras fiéricas das lojas de roupa, ou de artesanato, onde a cerâmica se destava.
 

Jantámos no mesmo ou próximo do restaurante onde havíamos estado há mais 20 anos, na última incursão florentina. Ficava paredes-meias com o Duomo, por tanto perto do hotel. Fizemos honras às entradas, aos diversos “spaghettis”, mas não tanto a uma garrafa de bom vinho que não estava em condições. Após alguma insistência, que passou inclusivamente pela prova do cozinheiro que sabia algumas palavras de português (do Brasil), voltámos à escolha inicial.
Deitámo-nos cedo. Tínhamos cerca de três quilómetros nas pernas, mas perto de trezentos e cinquenta nas rodas. E, no dia seguinte esperávamos andar mais a pé.

Música: Ekseption - Air


II
FLORENÇA, DE DIA

O itinerário deste dia levar-nos-ia ao locais-chave da cidade, os que, por mais que lá passemos, nos parecem sempre dignos de revisita. Saímos a pé do hotel, a caminho da Fortezza de Basso. Até lá, passámos pela estação central de comboios de Florença, onde o parque de estacionamento para duas rodas já não era suficiente.
A fortaleza estava fechada. Aproveitámos para posar com os polos da viagem, junto de um grupo de personagens em mármore que encimavam um parque anexo à fortaleza. E continuámos, de volta às ruas estreitas, mas agora de prédios mais baixos.
Percebemos algumas das vantagens de parquear as duas rodas de forma muito próxima, mas também entendemos porque é pode ser perigoso, quando a proximidade é demasiada. Se uma arde, ardem todas.
Fomos “descendo”. Na Piazza del Duomo, evitámos a fila que se estendia para entrar no monumento, e continuámos a caminho da Piazza delle Signoria, que se encontra no topo da Galleria degli Uffizi. Metade da galeria estava em obras. Parámos numa curta fila mas interrogámo-nos logo de seguida se seria a correcta. Não era, estava destinada a quem havia reservado bilhetes. Houve quem tivesse conseguido visitar a Galeria a meio da tarde.

Optámos por seguir a caminho do rio Arno, que alcançamos através de um arco. Do outro lado da estrada, estava mais uma corrente e os seus respectivos cadeados, uma prática que, mais à frente, verificamos as autoridades desaconselharem, tendo colocado inclusivamente câmaras de vigilância…

Já à vista da ponte Vecchio, trocámos algumas palavras de ocasião com turistas brasileiros de São Paulo, muito atentos e algo embaraçados por não perceberem a língua que falávamos. Avançamos para a famosa ponte, ao longo das margens do Arno esverdeado, a fazer um contraste interessante com os edifícios adjacentes.

Esta ponte é sui generis. Tem lojas de um lado e de outro, mas todas estão no mesmo ramo comercial, ourivesaria. Mas, de um dos lados, as lojas têm um primeiro andar. Diz-se que se tratava de uma passagem que permitia aos Medicis passarem entre palácios sem que o povo os visse.

Voltámos a verificar que sobretudo as scooters são rainhas nas ruas florentinas. Embora não se vissem muitas a circular à hora de trabalho, facilmente se confirmava ser gigantesco o parque de duas rodas, apenas olhando para os extensos parques de estacionamento exclusivos lotados. Por outro lado, a organização viária também pareceu mais estruturada, já que as motos deixaram de andar numa das faixas dos passeios, como acontecia há vinte e tal anos…

Depois de almoço, foi altura de encaixar mais uma dose suplementar de arte. Entrámos no Palazzo Pitti com a ideia de que iríamos visitar um palácio: salões sumptuosos, móveis faustosos, divisões majestosas. Foi tudo isso, realmente, acrescido de uma colecção de pintura singular, em quantidade, em qualidade, em dimensão, em espaço ocupado. Não havia sítio nas paredes para colocar mais quadros. À entrada, alguns estavam mesmo expostos em painéis.

A opção foi pela Galeria Palatina e pelos Apartamentos Reais. Ainda podemos passar pela galeria de arte moderna, mas esta perdeu para as anteriores que esmagam com quantidade e qualidade. Além dos Pitti e dos Medicis, passaram por ali Sabóias e Lorenas, bem como Napoleão.

Mas era proibido fotografar ou filmar. Como ainda estávamos imbuídos do conceito de “em Roma ser romano”, as imagens foram obtidas de forma clandestina. Por tal, só uma pequena parte do espólio aparece aqui (mais filme do que fotografias).

Em cada sala, as perdes estão preenchidas por quadros. Em cada sala, os tectos estão preenchidos por frescos. Estão expostos quadros e pinturas de artistas famosos, Ticiano, Rafael, Rubens, etc. Salientam-se os frescos que recorriam a uma técnica que parece criar relevos. São mais de meio milhão de obras.

Foi mais de uma hora, ao longo das salas, dos corredores e dos quartos do palácio. Deixávamos os museus da prata, da porcelana e dos coches, a galeria do Traje e os jardins, para uma nova oportunidade. Saímos, “encharcados” de arte, e ainda com um convite para assistirmos a uma ópera numa igreja de Florença. Aliás, é fácil perceber que arte e cultura andam de mãos dadas: basta ver a profusão de esculturas que a imagem em baixo mostra. Não há razão para ser inculto.

A seguir, vadiamos. Atravessamos a Ponte Vecchio e metemo-nos pelas ruas sombrias, revisitando alguns lugares do dia anterior e descobrindo outros. Uma loja da Ferrari, uma gelataria com uma montra deliciosa, um palácio (dos Strozzi). Mais fachadas harmoniosas, ruas sem trânsito automóvel, uma estátua ilumuminada pelo pôr do sol. Esta é a cópia do "David", de Michelangelo. 
A noite levou-nos, de novo, para as praças. Por volta das onze da noite, há tanta gente na rua como numa congénere madrilena. Há um sossego que não parece habitual num ambiente latino. Só o estridente som das sirenes das ambulâncias rasgam aquela tranquilidade.


Música: Arnaud Condé - Velvorn  The Bladed Druid