Optámos pelos transportes públicos. Percebemos de imediato que as três entradas dos autocarros dão acessos diferentes às máquinas dispensadoras de bilhetes e muitos italianos não conseguem lá chegar, mesmo com pouca gente a bordo… Um euro, é quanto custa um bilhete individual. Vendem-se também nos cafés.
O primeiro impacto ao subir ao edifício construído em honra do unificador de Itália, Vittorio Emanuelle, é esplendorosa. Se o edifício já se destaca na Piazza Venezia, apesar de envolvido pelos palazzos Venezia, Generali e Bonaparte, é o panorama que se avista da esplanada nas traseiras que estarrece. Pena aquele contra-luz...
Aos nossos olhos aparece então toda a parte central da Roma romana a envolver a via del Corso que dá acesso ao Coliseu. É um quilómetro de história, de arquitectura, de herança. São os diversos fóruns, concentrados num dos lugares mais importante da Roma clássica, palco tanto de cerimónias religiosas como da dinâmica das lojas e dos mercados.
Depois, é uma sucessão organizada de edifícios públicos, de colunas comemorativas, de estátuas, arcos, pórticos, templos. Além de certos edifícios, que espantam pela altura, são os arcos que maravilham. O de Setimo Severo, o de Constantino e o de Tito, são os mais vistosos, decorados com cenas da vida destes imperadores. Ricamente decorados.
Por um lado, nota-se o trabalho que tem sido feito em prol da preservação dos vestígios mas, por outro, verifica-se que ainda está muito por fazer. Há muitas colunas, pedaços de estátuas e capitéis pelo chão, sem qualquer tipo de critério.
Mesmo assim, o local é ímpar. Arruamentos, lajeados, praças, levam aos diversos fóruns, aos espaços desportivos, aos armazéns, às dezenas de templos, às basílicas, aos arcos. E a bordejar os caminhos, os habituais ciprestes.
Era o último dia da semana cultural em Roma. Por isso, o acesso aos lugares históricos era gratuito. Se bem que o fórum, por ser enorme e ter diversas entradas, não tinha qualquer fila de acesso, já para o Coliseu se alinhavam uma com cerca de 500 metros.
Espreitámo-lo de fora. É realmente alto, apesar de o último andar estar muito destruído e o anterior já ter sido reconstruído. É deveras imponente embora, se enquadrado na área do fórum, a dimensão se atenue. A textura da fachada é diferente da das edificações mais próximas, dando-lhe um cunho único, mas a pedra parece degradada.
Em redor, o frenesim da multidão está de acordo com o lugar: o queixo anda alto, as máquinas fotográficas estão sempre a trabalhar, fala-se com os miúdos, apontam-se os lugares mais apelativos, os de maior dimensão, os mais impressionantes. Uma romaria. Enquanto uns posam com gladiadores, outros encostam-se às grades para uma fotografia histórica, outros ainda juntam-se à fila que serpenteia na direção da entrada do Coliseu.
Deixámo-lo, a caminho do Arco de Constantino. É um colosso, tal como qualquer arco de triunfo. Também este glosa uma das vitórias do Imperador, mostrando no topo cenas da respectiva batalha. Dá acesso a uma alameda onde uma pequena fila aguardava a possibilidade de entrar gratuitamente no Fórum, fila que era sistematicamente “furada” quer por italianos quer por estrangeiros.
Parece um parque, igual a tantos outros, cujo interior encerra arruamentos, jardins, alguns edifícios. Este, porém, é da idade de Roma. Fica numa das sete colinas, a do Palatino (de palácio), e encerra os vestígios mais remotos da cidade fundada por Rómulo e Remo.
As edificações sucedem-se, muitas bem conservadas, outras nem tanto. É aqui que parece termos regredido no tempo, tal o envolvimento que experimentamos com aquele espaço. Estamos numa área residencial de grandes mansões. Era aqui que se situavam as domus Augustiana, Livea, Tiberiana, de Setimo Severo, etc.
Mais à frente, aproximamo-nos da área do Estádio, um campo de grandes dimensões, enterrado a uma vintena de metros sob os nossos pés. As paredes são abruptas, imagina-se a existência de uma quantidade de colunas a envolver todo o estádio, e talvez algumas bancadas a circunda-lo.
Fora do recinto muralhado, do outro lado da rua, estava o Circo Máximo. Não fomos. Ficou para a próxima, assim se concretize o desejo que formulámos na Fontana de Trevi. Essa próxima vez deve reunir outros lugares históricos, como sejam as Termas de Caracala, as diversas catacumbas, o interior do Coliseu, a pirâmide de Caio Cestia, etc., etc,.
Aproveitámos uma pequena fila para entrarmos numa pequena casa onde se expunham frescos, bustos, capitéis, estátuas, etc., encontrados no recinto. Algumas eram obras de detalhe admirável, outras de cor duradoura, ainda outras de um realismo espantoso.
Passámos pela domus Livea e pela domus Tiberiana e parámos numa espécie de varanda, de onde o Coliseu aparecia com outra perspectiva. Estávamos a deixar a zona residencial e próximo da área religiosa. Ali perto, ainda estavam perceptíveis os vestígios do Templo de Apolo.
Descemos por uma rua estreita, calçada ainda com as grandes lajes típicas das vias romanas. De um lado e de outro, surgiam agora edifícios religiosos. Passámos pela basílica de Constantino e pela de Lívio, e deixámos à direita o templo das Vestais.
Nesta altura, para onde quer que nos virássemos, o cenário suava história: a ara de César, (imagem imediatamente abaixo) o local onde está sepultado César (que continua a ser homenageado com flores), basílicas onde os frescos ainda se encontram em boas condições, as colunas e o pórtico do imponente templo de Saturno, ou a basílica de Constantino, majestosa, ou ainda o frontal e a magnífica escadaria do templo de Antonino e de Faustina.
Em alguns locais, inteiramente rodeados pelo ambiente romano, pensamos estar lá, não fosse a multidão de turistas que enxameia as ruas dos diversos fóruns. Está sempre a aparecer mais um motivo, mais um detalhe, mais uma forma, um interior, outra configuração.
Faltou um guia que conseguisse dar uma visão de conjunto e alertasse para as minúcias mais interessantes. O sítio é vasto. É preciso ler sobre uma infinidade de locais / história / arquitectura associadas, para conceber uma visão elementar sobre o lugar.
Quando tentei fazê-lo nos últimos dias de preparação da viagem, deparei com conteúdos que, basicamente, descreviam dezenas de templos e basílicas, meia dúzia de arcos, quatro ou cinco fóruns, uma infinidade de domus, cúrias, etc, etc. Privilegiei os lugares e a logística mais imediata. Os conteúdos ficam para a próxima.
Lembro-me também de ter confidenciado a alguém que a minha presença era sobretudo pelo espaço, que não precisava entrar em museus ou em monumentos, para mudar, para sentir a diferença, para me juntar aos vestígios de outras eras. Era também pelo ambiente geral, as pessoas, o cheiro, as fachadas, os sons, as dimensões, as cores, que ia.
Neste dia, a visita era gratuita, o que nos permitiu poupar umas boas dezenas de euros, e coincidia com o fim da semanal cultural em Roma. Talvez por isso, e por ser domingo, havia muita gente ao mesmo. Essa multidão ocultava algumas particularidades, distraia para outros pormenores, dificultava o acesso a alguns locais, enchia outros. Havia muito barulho e por vezes, alguns atropelos. Mas no Vaticano foi mais acentuado.
Saí do recinto como quem se despede de amigos por muito tempo: ainda antevia uma porção do espaço e já estava com saudades. Meio dia, ali, é demasiado breve. Mas aqueles vestígios de uma civilização que esteve na base da nossa e nos molda diariamente o ser, o fazer e o pensar, ainda lá vão ficar por muito tempo. O tempo é um elemento que se dá bem com aquele espaço, espaço de um tempo e de uma história que irá perdurar. È um privilégio estar lá. A visita devia ser obrigatória para toda a humanidade.
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Música: Ben Hur - Parade of the Charioteers - Miklos Rozsa