domingo, 22 de maio de 2011

Itália 2011 - In Vaticano - Etapa 4

Já sob as colunas da Praça de São Pedro, perguntámos o caminho para o museu e disseram-nos que falta cerca de um quilómetro. Pouco depois, verificamos que estávamos em boa direcção, já que bastava seguir a fila de espera que terminava sensivelmente a 800 da entrada, uma penitência para quem não havia reservado bilhete com o respectivo “excesso de acesso”... Nós entramos sem fila, trocámos a reserva pelo bilhete e entramos. Para tal, não foi preciso qualquer indulgência, apenas pagar 19 euros por pessoa.
O Vaticano merece um capítulo, um capítulo com vários parágrafos, extensos, detalhados e ilustrados. Exceptuando, por exemplo, o Palácio Pitti, em Florença, onde as paredes não tinham espaço para colocar nem sequer uma fotografia tipo-passe, o Museu do Vaticano - ou vários museus (o religioso, o artístico, o histórico, etc) - é um repositório de arte extremamente rico em quantidade, qualidade e beleza.
 
Era esse o intuito da visita e praticamente o propósito da viagem: "buscarmos" arte. Encontrámo-la em muitos lugares, e em quantidades astronómicas, incalculáveis, a tal overdose de cultura. O Vaticano foi um desses lugares, o palácio Pitti foi outro, Bussana Vecchia ainda outro. Deve haver uma espécie de terapia pela arte - tal como há com golfinhos ou peixinhos esfoliadores - já que, quando se mergulha na riqueza estética, desaparecem aqueles sintomas de apreensão tão em moda nos tempos que correm.
 
As viagens são assim. Além de recolhermos uma quantidade de conteúdos culturais, têm o condão de provocar os sentidos, de pôr em conflito a percepção do que observamos, de fazer comparações, de criticar, de avaliar. Esta ida ao Vaticano, mas não só, foi catalisadora dessa condição. Era de esperar. 
 
O Homem já produzia arte na pré-história. Até hoje, a arte tem mantido uma papel de relevo no panorama cultural da humanidade. Desde a célebre cena de caça das pinturas rupestres de Lascaux, passando pelos frescos de Michelangelo da Capela Sistina ou pelas Tapeçarias de Pastrana, apesar desta diversidade de estilos, temas ou técnicas, a arte constitui-se como um factor preponderante na glória e no poder.
 
O poder de, matando os animais, assegurar a sobrevivência (Lascaux); o poder de, submetendo os homens, liderar o grupo (Pastrana – a conquista de Arzila); o poder de, representando a doutrina, controlar os fiéis (Capela Sistina).
E da glória, que passa pela possibilidade, única em certos casos, especial e determinante em outros, de representar uma condição, ou de glorificar, através do desenho, da pintura ou da tapeçaria. É a imagem que se torna arauto da glória que os homens conquistam na caça, na fé e na batalha. E há tantos anos que assim é... é incrível!
O poder e glória, representado na pintura, na escultura, na arquitectura, é uma das leituras possíveis da exposição. Os temas vão da religião à guerra, da política ao ócio, das cerimónias aos indivíduos, da natureza à cultura. Mas é a religião que domina. É toda a história do cristianismo que ali passa: em banda desenhada, em outdoor, em ecrã gigante 
Outra dimensão que subjuga é a da configuração dos museus, ligados por extensos corredores/galerias, onde parar pode significar ser pisado, tal o fluxo de visitantes. Percorrem-se quase 300 metros, por duas vezes, com uma largura que não deve execeder 6/7 metros, sendo que, nos topos, há espaços de ligação exíguos. E ainda uma passagem exterior em corredor aberto onde apenas cabem duas pessoas lado a lado.
De um lado e de outro, tapeçarias, estatuária, mapas, livros, pintura, sucedem-se intercaladas por pequenas capelas ou recintos dedicados a determinados temas, a estatuária greco-romana, o modernismo, os animais, etc, etc.
 
A arquitectura, a história e a arte vão-se cruzando, à medida que os objectos egípcios, gregos, etruscos, romanos e cristãos aparecem ao longo das galerias. São muitos e de várias dimensões. Por vezes, estão muito próximo, outras estão inacessíveis. Alguns esmagam pela dimensão – tapeçarias, certas estátuas, algumas peças. Outros, maravilham pela perfeição, sobretudo algumas esculturas. 
Mas não é apenas o elevado número de obras expostas que surpreende. A leitura do espaço de exposição tem de ser feita não apenas ao nível dos olhos, mas em elipse passando pelo soalho e pelo tecto. É todo um universo de representação, neste caso do divino, percebido nos temas e na dimensão do espaço, sempre a estimular o olhar e a atenção para o alto, para o divino.


Rafael, Michelangelo, Boticceli, Caravagio, alguns dos ícones da arte italiana, estão sobretudo nas telas e nos tectos. São estes últimos, os tectos, que surprendem, quer pela dificuldade que implica pintar em superfícies não planas, quer pelos enquadramentos, quer pelas perspectivas.

Um exemplo claro disto pode ser apreciado numa das últimas salas, a célebre Capela Sistina. A entrada é estreita e estava encoberta por uma cortina imensa. Assim que entrámos, fomos imediatamente dirigidos para fora de uma plataforma de onde é proibido tirar fotografias. Em baixo, uma multidão virava as objectivas para o famoso tecto. Não consegui encontrar a “Criação” quando fotografei o tecto, tal a pluralidade das imagens, a distância, alguma falta de luz, um empurrão ou outro.
 
Embora a quantidade de visitantes e o fluxo da multidão que avança ávida pelos corredores obrigue a andar num ritmo atento para minorar o perigo de sermos atropelados, mesmo assim, é possível ter uma ideia razoável das obras expostas. Ou seja, se não se conseguir ver a primeira estátua grega, nem a segunda, aparecerá uma terceira. Se não se vir bem meia dúzia de quadros, há logo a seguir uma centena disponível. Se falharmos um tecto pintado, as salas seguintes mostrarão outros de idêntica qualidade. Aqui, a quantidade é uma vantagem.
À saída dos museus, surge uma escada helicoidal e enigmática - na realidade são duas -que conjuga degraus e rampas estilizadas. Deixámos as áreas de arte moderna e contemporânea religiosa, bem como a etnológica e a egípcia para nova oportunidade. Ainda queríamos passar pela Basílica de S. Pedro.
Voltámos às galerias da Praça e ficámos na fila de controlo de entrada de pessoas, onde as máquinas de raios X varrem o interior dos sacos e os alarmes procuravam metais. Entrámos na basílica na altura em que, junto ao altar principal, se desenrolava uma cerimónia religiosa, havia dezenas de pessoas junto da Pietá, entrava uma excursão.
Se, no exterior, sensivelmente a meio da praça, domina um obelisco egípcio, no interior da basílica há três aspectos que arrebatam: o Baldaquino – uma altar rodeado por 4 colunas em bronze, quase negras; a dimensão – a largura do transepto, a altura da cúpula (o lugar mais alto de Roma) e a altura das colunas do Baldaquino (têm quase 30 metros); e ainda a escultura Pietá, de Michelangelo.
 
Outro aspecto incontornável do Vaticano, relaciona-se com os célebres guardas suíços. Não vi muitos, mas os que observei mais pareciam manequins, quer pela plasticidade quer pelo padrão uniforme do rosto. Pareciam querubins de Rafael…
  
Embora nos tenhamos cruzado com algumas freiras, só vimos um padre. A Praça de S. Pedro tinha mais cadeiras vazias do que turistas. O sistema de controlo de entradas na basílica e nos museus é rigoroso, mas no interior é possível mexer na maioria das esculturas.
Diz-se que o Vaticano é o estado mais rico, respeitado e poderoso do mundo. Atendendo apenas ao capital artístico exposto, serão decerto multimilionários. Na semana seguinte, o Vaticano foi palco da canonização do papa João Paulo II. Talvez por isso, tenha sido impossível conseguir alojamento económico no centro de Roma.

No final deste dia totalizávamos cerca de 11 quilómetros, feitos em cima das pernas, sem contar mais dois ou três percorridos no interior dos museus do Vaticano. Despedimo-nos de Roma sabendo que deixámos muito para ver: a colecção etnográfica e a egípcia do Vaticano, o mausoléu de Augusto, o palácio do Quirinal, as Termas de Caracala, o Circo Máximo, o parque de Villa Borghese, etc, etc. Arrivaderci!
Musica: Roger Subirana Mata - Our moon