Última semana de Janeiro. Um nova proposta do Fernando Brioso. Partida da Ericeira, 10 quilómetros, nível de dificuldade baixo. Saída às 10 da manhã, regresso previsto para as 3 da tarde.
Juntámo-nos á volta da capela de S. Sebastião, um mártir cristão do século III dC, acompanhados de mais de cem caminhantes. Há estacionamento suficiente e a ermida é interessante. Estava frio, mas o sol brilhava. Saímos após os habituais alvitres básicos.
A dois passos, na direção norte, fica o forte de S. Pedro, velho bastião de controlo da pirataria que assolava aquela zona. Está velho, a cair, como muitos que não resistiram a tanta piratagem, à passagem do tempo e à indiferença dos poderes.
É cedo, está frio e apetece manter um ritmo vivo para não deixar esfriar o corpo. A alma, por seu lado, vai-se entretendo com a paisagem, mesclada com os azuis do céu e os esverdeados do mar a poente, e com os brancos e cor de tijolo das casas a nascente.
Mais à frente, fica Ribeira d’ Ilhas, a famosa praia de surfistas da Ericeira. O acesso faz-se por uma escada em madeira, mais escorregadia do que a espuma que os surfistas trilham. Alguns resvalam e outros escorregam, mas não caem. Ainda outros, não têm tanta sorte. Mas não há baixas.
Depois, foi a passagem a vau da ribeira, sobre um trilho de pedras. Alguma expectativa quanto ao desempenho, não foi além de uma sola molhada e de um ou outro desequilíbrio. Foi aí que uma colega de faculdade me reconheceu, 20 anos depois de termos acabado o curso. Estamos na mesma. Trocamos novidades e continuamos.
Vencemos a moleza da areia como se tivéssemos quatro pernas motrizes. Há cada vez mais água da chuva acumulada em poças. A lama passa a cobrir parte das botas. Progredimos pela areia ao longo da margem direita da ribeira. Daí a nada estávamos a atravessar a estrada e a seguirmos campo fora.
A escassa vegetação costeira dá lugar aos legumes e cereais. A silhueta do horizonte é agora mais bucólica. O vento amainou, o sol afastou-se das nuvens, a humidade baixou. Adiante, os cães ladram, passa uma carroça e estuda-se a origem de um velho sidecar.
O ambiente volta a um misto urbano-rural, com grandes quintas, terrenos de cultura ou pequenas casas junto ao caminho. Ou espaços mais largos onde a energia eólica marcava presença.
Pouco depois, é a alva Ribamar que surge. Mais à frente, nada a propósito, aparece a indicação da Praia dos Coxos. Aparentemente, não é piada para nós. Aliás, há por ali bastantes referências ao surf...
Petiscámos na vizinhança, cravados nas arribas a olhar o mar como gaivotas. Apetecia estar ao sol, protegidos pelas rochas. A pão e água alimentámos o corpo e, ao espírito, bastou virá-lo para o mar.
É pela falésia que continuamos, com o olhar de braço dado com o mar, com as enseadas pedregosas, com praias exíguas de acesso difícil. Serpenteámos pela vegetação rasteira, a espreitar as ondas, pelas poças lamacentas, sempre a estender a vista ao mar, evitando as rochas mais salientes, a repartir o olhar pelas vagas.
Paramos ante um ribeiro tímido, escondido por canas e vegetação rasteira. Parece ser fácil transpô-lo, apenas um ligeiro sobe-e-desce, mas as primeiras passagens são tiritantes. A prudência sugeriu algum auxílio suplementar na travessia. Passámos todos sem quedas.
Mas não escapámos de voltar a passar a Ribeira D’Ilhas a vau. Surgiu de novo a expectativa de um ou outro desequilíbrio, gorada entretanto pelo excelente desempenho geral.
Também não conseguimos delegar a subida da escada de madeira que havíamos descido há algumas horas. E lá fomos, em turnos, com uma ou outra paragem. No cimo, já se percebiam sensações de triunfo na maioria dos rostos. Faltava pouco.
Música: Antony Raijekov, When Waves Trying to Catch a Marvel
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