sexta-feira, 31 de março de 2017

Miradouro Nas Margens


Há dias assim. Em que o universo conspira logo pela manhã. Arma-se de proibições, obras ou desvios e provoca-nos a vontade e o engenho mas sobretudo confunde-nos a orientação, o caminho. Desafia-nos cedo, sustenta o despique e deixa-nos à sorte. À boa e à má.
O fresco da madrugada até nem conta. Aliás, a manhã prometia ir por ali fora aumentando a sensação tépida do ar e o medrante brilho do sol. Foi esse auspicioso prelúdio primaveril que nos escoltou a partida do Careca, no Restelo. E durou até ao desvio para a avenida de Ceuta.
Aí, o universo, com a ajuda da PSP, condenou-nos às vielas, aos atalhos, às voltinhas à roda dos prédios. Até que conseguimos chegar ao Largo de Alcântara. Daí ao museu de Arte Antiga basta seguir o trilho dos paralelepípedos. Estes já não contam para o castigo.
Estacionámos nas abertas do miradouro. Em baixo, corriam uma Meia Maratona. Por isso, sermos brigados a atravessar o Casal Ventoso para chegar a Alcântara. Ao longe, do outro lado do rio, a margem mal se via. Do miradouro, do lado de lá, nem sinal. O tal que ficava em frente de este.
Em dias bons, a margem de lá, mesmo guardada pelo sol que a mira de alto, está incessantemente a provocar-nos o desejo de sair, de partir para lá. Cena com mais um par de graus de temperatura, com a sedosa areia das praias, com a cor, o quente e as ondas do mar da Costa.
Mas, nesta manhã de névoa, de Meia Maratona e de acessos vedados, até o Miradouro da Boca do Vento estava encoberto. Deste, que domina o Cais da Rocha do Conde de Óbidos, nesta manhã, era o atletismo que ocupava o olhar, toda a ponte 25 de Abril e todas as faixas da “24 de Julho”.
Tentamos em vão que o universo permitisse uma réstia de luz sobre a outra margem, mas não era dia de prodígio. Voltamos os olhos para a corrida, vimos a passagem dos atletas que iam na “cabeça” do pelotão, ainda um grupo de atletas deficientes com triciclos de corrida.
Deixámos o miradouro da Rocha do Conde de Óbidos em direcçao à avenida da Liberdade e descemos para o Rossio a caminho do Campo das Cebolas e da avenida Infante Dom Henrique, rumo ao Parque das Nações. A meio, um dos grupos separou-se o que levou ainda uma VFR a seguir quem ficava.
Na “Vasco da Gama” o universo ainda não havia reconsiderado o ambiente adverso da manhã. Um acidente levava a que as três faixas chegassem a estar paradas sensivelmente a meio da ponte. Na saída para Alcochete ainda se sentia um maior fluxo de trânsito a deixar a A12.
Ainda parámos na área de serviço de Alcochete que não tinha muita freguesia. Já na saída para a via rápida aproveitámos a berma para despacharmos cerca de quinhentos metros. Já na A23 o universo esteve temporariamente ausente daquela tranquilidade que acompanhámos até à saída da A2 para Almada. 
Depois, até Almada, foi um passeio normal, com pouco trânsito e o sol finalmente a reluzir. Passámos no famoso “Centro-Sul” com centenas de viaturas estacionadas em redor a aguardar a abertura da “25 de Abril”. E fomos trepando até ao desvio para Almada Velha.
Chegámos ao miradouro da Boca do Vento com meia dúzia de sobreviventes aos quais se juntaria daí a pouco a VFR em falta. Deste lado, a paisagem já havia ganho alguma vantagem à vincada resistência do universo. O miradouro da Rocha do Conde Óbidos notava-se à distância.
Via-se a escada de acesso desde a “24 de Julho”, o edifício do museu de Arte Antiga e, do outro lado do jardim, o da Cruz Vermelha, a ladearem o espaço onde havíamos estacionado há cerca de uma hora. Não estando nítida, Lisboa afirmava a sua particular claridade habitual.
Deste lado, o olhar ia desde Algés à Praça do Comércio, passava pela “25 de Abril”, esticava-se a Monsanto, alongava-se pelas Amoreiras e desaparecia na cúpula do Panteão Nacional. Um cenário que contempla meia Lisboa e toda a foz do Tejo. Estivesse límpido e ver-se-ia Cascais.
Não subimos à Casa da Cerca - http://cordeirus.blogspot.pt/2014/03/casa-da-cerca-almada.html - já que só estava aberta a partir das 3 da tarde. Mas contemplamos durante bastante tempo o panorama lisboeta e sobretudo a zona ribeirinha. Chegámos a verificar se o trânsito na “25 de Abril” já fluía…
Havendo dúvidas, optámos por almoçar em Cacilhas num dos restaurantes da zona pedonal. Deixámos as motos perto do acesso aos “cacilheiros” e organizámos o repasto entre polvo e chocos, enquanto posávamos para um sol prazenteiro e cada vez mais cálido.
Perto da fragata “D. Fernando e Glória” - http://cordeirus.blogspot.pt/2012/12/d-fernando-e-gloria.html - está agora a descansar de mais de quarenta anos de serviço o NRP Barracuda, um submarino da Marinha que aguarda - há já bastante tempo - a sua transformação em museu.
Deixámos a “outra margem” pela “25 de Abril” que já escorara o trânsito que se havia acumulado em Almada.  O tempo refrescara-se mas ficou no ar uma vontade temperada de voltar a outros miradouros, talvez num dia em que o génio do universo esteja distraído ou se mostre mais ingénuo.

O vídeo em https://vimeo.com/211179040