quinta-feira, 4 de maio de 2017

Do Gerês a Barcelos


Minho, evidentemente. Da serra, a caminho do mar. Com base na Quinta do Leal, em Pico de Regalados. Um périplo por parte da serra do Gerês para terminar em Barcelos. Entre montes e vales, com o típico tempo minhoto. De moto e de carro, a caminho da Ermida, com cabras e curvas, sol e frio, ao longo das fragas, das cascatas e da gastronomia que tenta o diabo. Ainda com a lareira acesa, mas já com tréguas primaveris.
Sabe-se e prova-se. O norte é habitualmente mais fresco. “Tipicamente, Outono e Inverno são ventosos e chuvosos, sobretudo nos distritos do norte e centro do país. As transições para a Primavera podem dar continuidade à estação anterior ou revelarem-se mais amenas”. Está na net, só pode ser verdade... Este fim-de-semana esteve quase para ser assim.
Saímos com o céu a azedar-se. Se em Lisboa não chovia, antes da Mealhada os aguaceiros muscularam-se. Só antes do Douro a chuva deu tréguas e levou-nos a Pico de Regalados com um pôr-do-sol raro nestas circunstâncias, em que, “nevões ocorrem com alguma frequência em pontos restritos, tais como a Serra da Estrela, a Serra do Gerês e a Serra de Montesinho …”

Percorremos pela primeira vez a CREP, Circular Regional Exterior do Porto, uma alternativa à entrada na cidade. Parece que fizemos bem - embora tenhamos percorrido mais meia centena de quilómetros, mas sempre a andar - enquanto, no Porto, o transito estava tremendo. 

CHEGADA AO MINHO

As paredes de pedra da Quinta do Leal estavam discretamente iluminadas. Instalamo-nos num quarto que privilegia o bem-estar onde nem sequer é necessário ar condicionado. A espessura das paredes faz as vezes da electrónica e, das janelas, o panorama é suficientemente cativante para compensar a humidade do exterior.
A noite não prometia - havia bastante humidade no ar - mas o jantar já se previa aliciante. Foi a Direcção que o havia assumido. Antes, um cocktail caseiro já orientava o ambiente que foi aquecendo ao ritmo das chegadas. Não correu mal. O teste culinário passou e ninguém se queixou ou foi contaminado.
O salão encheu-se de membros do Clube e as diversas mesas estavam repletas dos suspeitos do costume. E não só. Recebemos um casal de Barcelos, o José Cruz e companheira, que se juntam às aventuras do CPEP, e que, no domingo, seriam ainda nossos anfitriões na sua cidade. 
Casal Cruz
Havia ainda uma pendura, Filipa que, em breve, se estrearia na Ruta de la Plata. Talvez não tenha sido este o seu "baptismo" no CPEP, mas, em breve, estará à prova na N630. E aqui faço um parágrafo - uma vez que o texto estava construído para um roteiro na totalidade e o percurso foi só parcial - mas já há confirmação de que o debute andou até debaixo de neve... 
Filipa, que esperamos tenha ficado fâ...
À vista, aliás em lugar de destaque, estavam algumas indicações - como se fossem precisas em caso de desatenção - sobre a conduta ideal para este tipo de eventos que, fundamentalmente, convidavam a ser feliz. Nada que não tivéssemos em mente para esta celebração.
Aproveitamos as ideias e a maioria foi ficando à conversa, ao borralho e/ou na expectativa de um sábado catita. À medida que íamos esticando a noite, melhor percebíamos que se aguentaria amena, quase a precipitar a manhã excelente que se previa.

A QUINTA DO LEAL


Estamos em Pico de Regalados, Vila Verde, local de uma conhecida prova de motocross nacional. A última vez que estivemos na Quinta foi há sete anos. Dessa vez, andámos entre Tibães e Póvoa de Lanhoso, aqui http://cordeirus.blogspot.pt/2010/07/ambientes-minhotos-entre-tibaes-e_15.html.
Desta feita, voltámos ao ambiente tipicamente minhoto, com o vale à vista, a vegetação frondosa e a disseminação do casario ao longo de milhentas ruas e caminhos. O cinzento da pedra domina e dá-se bem com os castanhos dos troncos e com os verdes das folhas. E, por vezes, com a névoa que lhe empresta um ambiente de mistério.
Igreja Matriz de Pico de Regalados
Os canastros ou espigueiros estão lá, as vinhas altas, os muros de pedra, entre outeiros e colinas que, de vez em quando, se agigantam e envolvem de nevoeiros enigmáticos. Alguns fizeram o obséquio de aparecer, deixando felizmente a borrasca ao longe. Hoje e no dia seguinte.
Espaços da Quinta
Além de um aprazível turismo de habitação, a quinta possui sobretudo pecuária e produtos hortícolas e vinícolas, dispondo ainda de um picadeiro coberto e dezenas de boxes para cavalos. Tem ainda um salão de refeições com uma dimensão muito generosa e outras dependências com bar e sala de jogos.
O nosso quarto
Convida a estar. O Leal e a Rosinha são anfitriões que não deixam ninguém perdido e têm aquele traquejo especial de receber apanágio das gentes do norte, inclusivamente para sportinguistas. Tudo envolvido pela beleza do lugar, frescura e frondosidade que caracterizam o ambiente minhoto.

GERÊS ACIMA


Ao contrário do que muitos previam, o dia nasceu soalheiro a convocar ao passeio. O sol prometia e cumpriu. Acompanhou-nos sempre, mesmo quando subimos a montanha. Com ele, veio também um fresquito significativo durante a manhã que, a trepar para a Ermida, se mostrou mais glacial.
Começámos por Ponte da Barca, onde parámos para beber um café junto do rio e estacionámos à vontade no enorme parque que comportou todas as motos, bem como a frota de quatro rodas presente, uma espécie de 'back up', caso o céu se despedaçasse em água. Não foi necessário.
Largo do Corro, Ponte da Barca
Aquele espaço é um dos mais aprazíveis da vila. Ali próximo, paredes-meias com o rio e a ponte, fica o Jardim dos Poetas, um lugar que jaz jus à designação. As águas serenas do rio Lima juntam ao sítio a possibilidade de captar imagens muito simpáticas e de poder usufruir da tranquilidade e beleza do ambiente.
Ponte, em Ponte da Barca
Daí a pouco estávamos a trepar o Gerês, para Entre Ambos os Rios, que nos daria acesso ao lugar mágico onde nos reunimos. No miradouro de Ermida, de onde se divisa a aldeia e uma paisagem de montes e vales a perder de vista, fazia-se sentir o tal fesquinho da montanha, embora o sol e a panorâmica o compensassem.


NA ERMIDA

Essa tal frescura, a que o vento não era alheio, estava postada no cimo de alguns dos montes em redor sob a forma de neve. Estávamos próximo do sítio mais alto do Gerês que seria algures perto das antenas que se divisavam no cume de um dos montes. Todavia, não seria necessário trepar mais para sentir o frio que fazia...
Foi aqui que registamos uma das fotos de grupo. Alinhámos à frente de um pequeno monte de pedras, a sustentar uma imagem de Nossa Senhora, que domina o miradouro, e em cuja base tinha inclusivamente uma ranhura para colocar donativos. Ao longe, a neve cobria os cumes mais altos.
Registámos o momento também talvez motivados pela proximidade de um dos poucos vestígios de comunitarismo aldeão ainda existente em Portugal, caracterizado pelas “rodas” e “vezeiras”, que organizam o pastoreio, e ainda pelo “aviar”, que gere a distribuição da água.

Deixámos a Ermida, regressando pelo mesmo caminho que tomámos para lá. A temperatura amenizou-se, mas o ar mantinha-se mais propício aos animais de pelo abundante que, de vez em quando, caminhavam pachorrentamente, como se fosse o caso de uma parelha de cavalos lanzudos que nos abrandou o andamento.
Ainda acompanhados pelo ar gélido, começámos a descer a montanha pela mesma estrada onde era difícil cruzarem-se dois carros. Mas, também, onde era fácil encontrar um (enorme) rebanho de cabras mesmo à beira da estrada, com uma agilidade muito eficaz face aos rails de protecção. Cabras por todo o lado.
Tratava-se de uma classe de ginastas de elite que, porém, não deixavam de ter os cascos bem assentes na terra. Andavam alto e moviam-se entre os veículos com um à vontade de vizinho. Tal como nós íamos acompanhando as curva de nível descendo até ao vale, agora com uma temperatura mais amigável.
Fizemos mais uma paragem para dois dedos de conversa e aperitivo antes de almoço numa zona de recreio rodeada de árvores frondosas e de um ambiente florestal agradável. A temperatura continuava baixa, mas não chovia, possibilitando ainda estar na paródia, fora, na esplanada.

BANQUETE NO VATICANO



Tal como cartões de visita que se entregam como identificação pessoal, também as entradas do Vaticano identificam o sítio e revelam muito do seu carácter. Quem olhasse de repente para aquele balcão, pleno de entradas apetitosas, ficava cativo, rendido à estética mas com grande vontade de também ficar preso ao paladar. 
Toninho's, da Trofa

Reis-Pinto, Coimbra presente
Fica perto de Terras de Bouro, mas não é fácil lá chegar. Diz-se que todos os caminhos vão dar a Roma, mas para o Vaticano fomos atrás do Toninho. Chegámos com quase toda a gente a preencher os poucos espaços livres de estacionamento no coração da aldeia do Souto.
Outros dois Pintos...

Dois Leais, pelo menos...
O Vaticano é muito simpático, quer no que respeita ao menu, quer no que diz respeito às pessoas. O ambiente, apesar de ser a pedra a envolver-nos, também nos aproxima, já que o espaço não é muit generoso. A sala de refeições estava repleta só com os membros do CPEP.
Três Cunhas...

Depois, a comida também é muito simpática para o paladar, para o estômago e para a gulodice. As carnes são excelentes, o prato está apurado e, à partida, a quantidade de entradas apaixona qualquer um. Assim sendo, fomos ficando até que o meio da tarde alertou para o regresso.

PORTUGAL-HUNGRIA


O regresso à Quinta fez-se ao ritmo da respiração através dos vales minhotos, por Caldelas e Vila Verde. O fim da tarde pôs-nos, entre outras actividades, à conversa, a passear pela quinta, a jogar matraquilhos. Esperávamos o Portugal-Hungria, em futebol.
Entre aperitivos e cocktails, e com um forte apoio à equipa nacional, fomos do bar à sala de jantar, onde se confirmou a vitória de Portugal em mais uma jornada a caminho do Mundial de 2017. Lá fora, o tempo toldava-se e a chuva aparecia pela primeira vez.
Quando começámos a jantar, a chuva já batia nas vidraças do salão, mas o convívio mantinha-se quente e interessante. Entre muitos dos que estão inscritos, estava já no ar o próximo passeio que, desta feita, irá percorrer a Ruta de la Plata, ligando Sevilha a Gijon.
Com a lareira a crepitar um calor apreciável, as últimas sobre o dia seguinte, e um ou outro cocktail caseiro para rebater e uma pequena trégua na chuvita, ainda nos possibilitou um passeio pedestre pelas imediações da Quinta. Descobre-se sempre qualquer coisa que nos desafia a mente. 
Regressámos a tempo de recuperar o calor da lareira mas, já tarde, fomos saindo sob uma chuvita fraca mas persistente que já fazia luzir de forma singular os poucos cromados das Pans estacionadas junto à casa-mãe.

UMA MANHÃ EM BARCELOS


Logo de manhã,o tempo azedou-se. E teimou em chover desde a Quinta do Leal até meio caminho de Barcelos. Percebe-se que a paisagem esteja quase sempre verde devido ao contributo voluntário e sistemático da chuva. O sol acabou por aparecer para nos receber em terras onde o galo é rei.


Além do casal Cruz, um pouco de sol e uma guia local foram também os nossos anfitriãos. Sabíamos ao que íamos. Um estouro de galos, galináceos por todo o lado, uma autêntica 'overdose' de animais de crista. Foi, mas com um requinte estético e artístico especial e com uma diversidade particular. Uma boa surpresa.
Já ao sol, as motos ficaram perto da Torre da Porta Nova, que foi o primeiro local a visitarmos. Antes incluída na muralha quinhentista, é hoje Centro de Interpretação, após ter funcionado como cadeia até aos anos 30 do século passado. Subimos ao topo da torre de onde a vista sobre toda a cidade dá uma boa ideia da diversidade da urbe.




Tivemos ainda oportunidade para visitar duas exposições, uma intitulada, Máscaras Uma Identidade Transmontana, da autoria de Carlos Ferreira, escultor de máscaras sobretudo em madeira de amieiro, algumas com um forte cariz erótico. A exposição ocupa um dos pisos da torre. A diversidade é uma das características da colecção. 

Apesar de todas serem máscaras tradicionais de madeira utilizadas nos rituais transmontanos, não deixam de ter formas, cores e mesmo texturas diferentes. Algumas parecem ter traços asiáticos, outras feições diabólicas. Mas também podem ser máscaras de chocalheiros, figuras ritualizadas por altura do Carnaval em Trás-os-Montes, que trazem chocalhos à cintura com os quais "chocalham" as mulheres.

Outra exposição, que se confunde com as milhentas peças de barro pintado, que vão desde as figuras humanas até às diversas representações do Galo de Barcelos, contempla peças estilizadas de barro criadas por artistas de renome, como sejam os trabalhos de Rosa Ramalho e da neta.


Se fosse em Lisboa, dir-se-ia que estávamos na Baixa. O terreiro abre-se até ao parque onde ficaram os carros. Logo após a saída da Torre, andamos na direção do Templo do Senhor Jesus da Cruz, ou Bom Jesus da Cruz, onde se encontra parte da cruz encontrada há mais de 500 anos no Chão da Feira.
A igreja, construída há pouco mais de 300 anos, tem uma planta, não muito comum, em cruz grega, com uma cúpula que domina o centro do edifício. A nossa guia chamou-nos a atenção para o detalhe dos motivos de alguns azulejos que forram as paredes do templo, onde os anjos, pelo menos, têm seis dedos nos pés.

Além do detalhe podológico, é sobretudo o aparecimento de uma cruz negra perto do Campo da Feira, que caracteriza a origem do templo. Foi em seu redor e no intuito d a proteger, que foi erigida a actual igreja do Bom Jesus da Cruz.


NOS PAÇOS DO DUQUE

Dali ao Paço dos Condes de Barcelos foi um instante, através da rua António Barroso, exclusivamente pedonal, que nos levou a uma área histórica que junta o pelourinho da cidade, o Solar dos Pinheiros, a igreja Matriz, o Paço e a ponte medieval. Trata-se de um espaço muito carismático.
Foi sobretudo ao paço que devotamos mais atenção. Apesar de se tratar de uma ruína – uma castelo apalaçado construído em estilo gótico, com mais de 500 anos - o lugar possui uma aura emblemática, pleno de elementos heráldicos, para além da sua situação privilegiada em relação ao rio.
Em seu redor, o espaço está também preenchido por numerosos elementos arquitectónicos – sobretudo pórticos de igrejas - que contemplam mais de dois séculos. Foram para ali levados já no século XX constituindo espólio do Museu Arqueológico de Barcelos. como se vê, está a "céu aberto", com a vantagem de fácil acesso, mas a desvantagem de poder ser facilmente alvo de vandalismo (como é comprovável).
Lavabo, século XVIII
Do cimo das muralhas que continuam para leste junto ao rio, vê-se a ponte medieval que data do século anterior ao paço. Percebe-se também a implantação estratégica do paço, mas já não se antevêem as restantes chaminés do edifício destruídas pelo terramoto de 1755.
O espaço merecia uma atenção especial e talvez não uma devassa tão arriscada. Alguns peças, como seja um lavabo do século XVIII, já tem azulejos em falta, e outros azulejos com inscrições informativas estão muito danificados. O preço pago por esta liberalidade pode vir a aumentar...
Contrastam, porém, com peças melhor conservadas, como sejam, um marco do século XVII,o túmulo românico e uma campa tumular do século XVI. A continuarem à intempérie e amplamente acessíveis, o risco de maior degradação impossibilitará deixar mais este legado cultural às novas gerações.




O trajecto que fizemos leva à zona histórica da cidade, mas existe um outro, de cariz sobretudo artístico que percorre a Rota do Figurado, dentro da cidade, um itinerário que passa por quase duas dezenas de esculturas de figuras esculpidas no barro, tipicamente barcelenses.
Além dos famosos Galos de Barcelos, hoje modernamente estilizados por diversos artistas, a Rota do Figurado – da qual pudemos ver algumas peças -  privilegia uma diversidade de estilos, de autores, de formas e de cores, bem como de conteúdos. Uma boa ideia de périplo para quem queira conhecer Barcelos.
As figuras mais comuns são as de “de cariz religioso e festivo (santos, presépios, diabos e cristos, etc.), as referentes à vida quotidiana (profissões, pessoas, festividades, etc.), o bestiário (diabos, figuras disformes e ambíguas)”. Com mais (e melhor) tempo, o percurso artístico seria uma mais valia do Passeio.
Mais do que meras figuras alegóricas, populares ou satíricas, e apesar de se constituir enquanto expressão de arte popular, o Figurado dá um ideia sobre o sociedade que o produz contemplando um retrato cultural abrangente sobretudo nos aspectos etnográfico, religioso e económico da região. 


NA CASA DOS ARCOS

O anfitrião na Quinta, António Leal
Finalizámos na Casa dos Arcos, onde a gastronomia minhota emergiu de novo. Nova fase de convívio, de troca de ideias, de perspectivas sobre os próximos passeios. Um ritual que leva (habitualmente, diga-se), até quase às 4 da tarde em amena conversa. 
Depois, foi a também costumeira apresentação de despedidas e formulação dos votos de boa viagem. A saída foi também átrio de preparação para a tempestade que se abateria sobre o itinerário de regresso a casa.

Chuva e vento, que fariam alguns intervalos, curtos, mas que, a partir de Coimbra, não deu tréguas. Não fez, porém, esquecer o percurso solarengo e verdejante do dia anterior, muito menos mais um excelente fim de semana com os suspeitos do costume.