À porta, o frio estala na mesma medida que a fila de espera aumenta. O céu está tão encoberto e o rio tão sombrio, que a ponte Vasco da Gama se esconde dos nossos olhos. E sempre lá esteve. Tal como o túmulo de Tutankamon, uma das raras sepulturas de faraós egípcios descoberta quase intacta.
Sabemos que não
são verdadeiras, que são cópias e não estão no local onde foram descobertas.
Mas não se nota muito que são reproduções. Aliás, o brilho das peças e a
particularidade das formas, encobre qualquer perplexidade que surja quanto à
origem dos artefactos expostos.
É essa quantidade
de jóias, de peças espectaculares, raras e históricas que fazem parte da exposição
que recria os diversos espaços do túmulo do faraó Tutankamon e mostra os
tesouros aí encontrados, enquadrados por cenários próximos dos originais.
A reprodução
permite que muitos dos artefactos estejam dispostas nos mesmos sítios onde
foram encontradas. Trata-se também de peças que foram produzidos no Egipto por
artesãos segundo técnicas ancestrais de produção.
A descoberta data
do início da década de 20 do século passado, num pós-guerra que permitira ao
egiptólogo Howard Carter explorar com recursos enormes o local onde se previa
estar o túmulo do faraó egípcio.
Um dos destaques
vai para as três salas repletas de tesouros descobertas pelo explorador
situadas logo no início da exposição. Outro, vai para a réplica do túmulo do
faraó egípcio e ainda outra centra-se nos sarcófagos de Tutankamon.
No túmulo do faraó,
reconstituído à escala real, encontram-se cofres, vasos de alabastro e um trono
de ouro. Nas salas, a parafernália de objectos precisos conta com cofres,
esculturas de animais e cadeirões em ouro, entre outras preciosidades.
Interessante,
recuperado possivelmente tecnicamente, a projecção de um documentário, bem como
a exposição de um conjunto de fotos alusivas, que ilustram a descoberta e
permitem comparar o local e os achados com a reprodução.
Mil anos, são dez
séculos. Se forem contados antes do tempo de Cristo, a distância que nos separa
dessa era começa a dificultar a nossa capacidade de situar o ambiente em que
viveu o faraó egípcio Tutakamon.
Porém, quer o
túmulo quer os achados, contribuíram para se conhecesse melhor o soberano e a
época, bem como as transformações operadas no Egipto no período que vai da
geração anterior à sua.
Foi no ano de
1341, antes de Cristo, há cerca de 3358 anos, que nasceu Tutankamon. Passaram
mais de trinta séculos, mais de três mil e trezentos anos! Foi no período
imediatamente anterior que a religião tradicional politeísta (vários deuses) do
Antigo Egipto foi substituída pelo monoteísmo (um só deus).
Esta mudança
introduzida pelo faraó Akhenaton, contemplava também, além de um outro olhar
sobre a religião, mudanças administrativas. Estas seriam posteriormente
alteradas já no decorrer do reinado de Tutankamon.
A exposição prima
no entanto pela mostra estética, apesar de também enquadrar a época com uma
distribuição geográfica constituída por um painel muito elucidativo que
assinala os locais mais importantes do Antigo Egipto.
As boas condições
em que o túmulo do faraó foi encontrado, embora já tivesse sido arrombado e
algumas das peças danificadas, contribuíram para que tantos artefactos tenham
sido recuperados e agora reproduzidos.
A descoberta
começou pela antecâmara do túmulo, onde já existiam muitas peças, desde
estátuas a mobiliário, mas sobretudo muitos artefactos em ouro. Mas o espaço
restante guardava mais peças, incluindo cabeças de animais, sandálias e cofres
tudo em ouro.
O selo que carimba
uma espécie de lacre/argamassa, sobre uma corda que barra a entrada da última
sala descoberta, surge numa das fotos da época. Outra foto representa as duas
estátuas de guerreiros que guardavam a entrada do túmulo do faraó.
Em uma das salas
de maior dimensão estão expostos os três sarcófagos de Tutankamon. Há também
urnas e máscaras e ainda outros objectos funerários. O conjunto de esculturas,
bem como os altos e os baixos relevos são preciosidades artísticas.
Mais do que o
carácter histórico da descoberta e a historiografia da civilização do Antigo
Egipto, a estética das peças mostra a perfeição e a estilização das obras
protagonizada pelos artistas egípcios da época, um estilo que preencheu os
últimos três mil anos antes de Cristo.
Escultores,
pintores e carpinteiros têm nesta época uma importância fundamental na criação
artística. Os trabalhos em madeira, mármore, cerâmica ou pedra, revelam uma
significativa técnica de cópia, uma significativa componente religiosa mas
também uma criatividade muito expressiva.
Na pintura e em
outras artes decorativas, onde se incluem a joalharia, espelhos, caixas,
acessórios de beleza, é a minúcia e a estilização, mas sobretudo a cor que
surpreende, por tão berrante, brilhante e contrastada.
O dourado e os
azuis sobressaem, mas os contrastes com o preto também predominam. As
simetrias, além do padrão da frontalidade, identificam-se em quase todas as
peças, quer sejam representações humanas, quer sejam elementos decorativos ou
utilitários.
Na escultura, é o
realismo que domina, bem como a profundidade. A expressão humana é tão evidente
que a naturalidade padronizada se torna significativa e até o envelhecimento
passa a ser representado.
Neste período,
deixa-se muita da robustez e inércia que anteriormente vigorara especialmente
na escultura, para surgirem formas mais fluídas e harmoniosas, atenuando-se as
formas geométricas em favor das orgânicas. A figura humana aparece em conjunto representando
a família.
As representações humanas,
tal como as figurações animais, são agora boleadas, mais próximas da realidade.
Isto acontece inclusivamente nas representações divinas, nas cenas épicas, até
mesmo no mobiliário, como sejam, camas, tronos, etc.
Apesar do muito
que se sabe, do que se julga conhecer e do que se prevê encontrar sobre a civilização
egípcia, julgo que muito ainda estará para ser descoberto. Continuamos num
presente que teima em olhar para o passado como antecâmara do futuro.
Esta exposição
acontece porque Carter foi um dos que começou a olhar de outra maneira
para as antecâmaras. Ao abrir uma delas, exclamou: “Vejo coisas maravilhosas!”.
São esses tesouros que o deslumbraram, que podem ser vistos no Pavilhão de Portugal,
até ao fim de Abril.
O vídeo em https://vimeo.com/211212300