sábado, 23 de fevereiro de 2008

Elogio da costa alentejana



















Vila Nova de Milfontes com o CPEP
09 Fevereiro 2008

Roendo uma laranja na falésia,
Olhando o mundo azul à minha frente.
Ouvindo um rouxinol nas redondezas,
No calmo improviso do poente
Carlos Tê


O tempo estava agradável. Uma leve brisa, fresca, não comprometia os quase vinte graus previstos. Em pleno Inverno, não se pode exigir melhor.

A proposta era tentadora. Uma caldeirada em Vila Nova de Milfontes, indo de moto, com amigos motociclistas. É o mínimo que se exige.
A expectativa cresceu. Um dia, com gente catita, a andar de moto, pela costa alentejana. Exigir mais?

Era o primeiro evento do Clube, este ano, cá dentro. Não é preciso exigir. Mais tarde ou mais cedo, acontece.

Com uma manhã luminosa e provocante, o motivo para atravessar o Sado, de barco, estava justificado. Lá, entre a península e a serra, a charneira de mar e rio é um cartão de visita excelente da costa alentejana.

Tróia já não resiste ao avanço do betão, como subsistia aos assaltos gregos. Mas, por enquanto, a travessia ainda dá um dos lados à serra que, apesar de esventrada, insiste em acentuar o verde da barra do Sado.

Previa-se que houvesse troços onde a raiz dos pinheiros rompesse o asfalto em apneia. Assim foi. Entre um e outro salto mais caótico, conseguimos seguramente não bater em todos.

O que não estava previsto foi o organizador ter sido obrigado a prescindir da Pan, a do Armando ter perdido muitos cavalos a sair do barco em Tróia, o Trica Espinhas ter sido um excelente local de concentração antes do almoço, a chegada a Vila Nova estar em obras, e não termos sido alertados para que a refeição seria das se estendem até ao próximo eclipse.

Tal como todos os almoços anteriores, este também não brotou de geração espontânea. Como se um não bastasse, foram dois Barrigas a encomendar o assunto. Como estão “em casa”, a coisa faz-se com alguns panelões que vão abastecendo pratos rasos, de sopa e de sobremesa. E podem ser todos com a mesma essência.

Resta acompanhar à viola, como o fizeram os convivas da mesa do fundo, convertidos entre uma trova com sotaque e um fado sem silêncio.

As gerações também se fizeram representar. Três de Barriga’s, as mais recentes dos Santos e dos Pontes, e até as das Pans se manifestaram com uma ou outra ST que reaparecia.

Se apetecia ficar a olhar o fim da tarde na foz do Mira, mais provocante estava o rubor do sol a esconder-se antes de Alcácer, ou se revelava nítida a silhueta de Lisboa oriental.

Milfontes amparava o Mira, cujo leito se despede com aparente serenidade do castelinho e do farol.

Porto Covo, onde se "roía uma laranja na falésia", parece um oásis, entre a rudeza pétrea dos penhascos costeiros e a aridez de cor dos campos limítrofes. Aos pés, protegidas por xistos e basaltos, abrem-se praias em concha, aliadas na maré baixa.

São Torpes, porém, destaca-se. Apertada e extensa, acolhe sempre como nómada, oferece o que tem de melhor e não precisa fazer disso alarde. Ali, é o brilho argênteo da água que atrai, a proximidade da areia, a planura da praia, os cenários gémeos de céu e mar.

É um Alentejo diferente. Distintas são as profissões (pesca-se e navega-se), a luz, a cor e o cheiro (o mar é decisivo), a paisagem (a falésia é determinante). Mas é o todo que deslumbra.

Depois de invadir o bosque que leva a Pinheiro da Cruz, deambular pelas voltas de Melides, dar largas às rectas de Sines, vislumbrar a serenidade do mar em São Torpes, rumar ao longo das falésias de Porto Covo, actualizar a conversa em Milfontes ao sabor da caldeirada, o regresso farto já não é glória, é prelúdio da próxima jornada.

Por mais que o adágio porfie que “se não deve voltar onde se foi feliz”, a costa alentejana parece estar imune à voz do povo. Não está ilesa, porém, de mais dia, menos dia, nos desvendar de novo.




Música: Alhambra Trance Flamenco
Álbum: Alhambra
Autores: Oliver Shanti & friends