quinta-feira, 6 de março de 2008

Ao longo da Poça Do Vau


















A Lagoa de Óbidos é uma zona húmida de particular valor económico e ambiental, já referida nos documentos das cortes de Évora de 1460, e que se encontra sujeita a uma grande diversidade de ameaças.
Maria João Carvalho in
http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=13318

Estimava que existisse uma, duas quanto muito. Afinal, a Poça estendia-se do Vau à foz do Arelho. Catita, este passeio! Pela entrega das pessoas, pela diversidade do percurso, pelo êxito das “surpresas”…

A proposta dos Rituais sugeria partirmos da Amoreira, perto de Óbidos, e terminarmos no Gronho, quando a Lagoa de Óbidos se funde com o mar. “Cerca de 13 quilómetros, quase sem relevo e em piso de terra”, assegurava o Paulo Alves. Assim foi, até que surgiu a água…

Com início numa pedreira, e sempre acompanhados pelo rio Rial, marchámos ao longo de um vale fértil, pleno de culturas hortícolas e frutícolas.

Está nublado. Há gente na faina agrícola: juntam canas, apanham morangos, chegam o tractor às leiras, regam as couves. Seguimos ao longo das hortas e do rio que pouca água leva.

Da pradaria à floresta, patos que levantam e retornam, rapinantes a sobrevoar a campina, e um cãozito guloso, foram quebrando a monotonia da paisagem.

Com a entrada no arvoredo, o terreno cresceu e minguou em picadas rasgadas por velhos sulcos de água. Ficou mais fresco, precioso face aos declives.

Subimos, descemos, espreitamos alguns cemitérios de mobiliário, paramos para um primeiro acerto do apetite. Em redor, a cor deixava o beije e o verde hortícola.
Surgem agora amarelos vivos, violetas fortes, verdes novos, carmins alegres. Como sentinelas, erigem-se pinheiros e eucaliptos.

Passamos a descer. As rugas do piso afundam-se, anunciam a proximidade da água, da lama, de um braço da lagoa.

O trilho empapa-se, os comentários animaram-se, as botas enterram-se, as silvas mordem-nos os polares. Saltamos, afastamos ramos, rimo-nos mais, em equilíbrio precário.

Pouco depois, sentamo-nos para picnicar em mesas de madeira, à beira do restaurante dos Musaranhos. O odor de um peixe grelhado mistura-se com o das sandes, com o ruído de um barco que puxa um esquiador, alguns ais de um entorse e estilhaços da abertura de várias minis.

A areia irrompe agora como praia tropical a ligar o pinheiral ao espelho de água. Aparecem bateiras, vestígios cais palafitas, algumas cabanas de pescadores.

O lado de lá vê-se melhor, o sol espreita mais vezes, reanima-se a passada. Não tarda a que a alternativa fique entre uma passagem a vau com água pelos joelhos ou voltar para trás. Descalçamo-nos.

Há lodo no fundo, a massajar a maioria dos pés nus. Há quem entre de ténis na água ou de calças de ganga, quem passe às cavalitas e quem grite sobre o que pisa no fundo da lagoa.

Depois, a bonança ao longo da margem de uma lagoa adormecida, agora mais arenosa, mais poluída, mais lodosa.

Uma espécie de caniçal abre-se como labirinto. Está encharcado. Dobram-se caniços, escolhe-se o trilho menos pantanoso, deixa-se de ver a cor das botas, das calças, do casaco…

A lama salta como gafanhoto apavorado. Pula-se sobre riachos. Atascamos. Uns safam-se com lama pela peúga, outros atiram-se para cima dos caniços como se o mundo acabasse lá fora.

Olhamos uns para os outros. Não havia provocações fáceis: estávamos todos impraticáveis. O creme pálido da areia ia tapando o castanhão da lama.

O último meio milhar de metros serenou o esforço, já à vista do Gronho, onde evoluíam alguns kites que se batiam com um solitário papagaio de papel.

Enfiámos alguns bolinhos, comentámos o inevitável, saudámos o sucesso da passeata.
Enquanto isso, a lagoa brigava com o mar e a tarde começava a esconder-se no horizonte. As nuvens haviam desaparecido.




Música: Beyond Words
Autor: Craig Chaquico

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