quarta-feira, 26 de junho de 2024

1260 Degraus a Caminho do Nirvana: Wat Tham Suea


Antes, há que treinar. Dizem que são 250 degraus. Sempre a direito, a trepar a caminho do céu. Há várias plataformas, onde admirar esculturas ou simplesmente descansar. Os degraus não têm a mesma altura dos das nossas escadas. Ali, os degraus parecem não estar para facilitar a subida, antes como cúmplices da “ascensão” do crente. Estamos no Mountain Buddha Temple.

São escassos 8 kms desde o centro de Ao Nang, na Tailândia. Vamos de 125, alugada, e ainda dá para a Ana treinar a condução. Há um altar na base, um dragão numa das plataformas, outros animais mais abaixo e, ainda, um barco enigmático com velas e um texto ainda mais misterioso que diz da Deusa das Graças, além de personagens que parecem sair das navegações portuguesas.


A meio da subida, a uma dezena de metros da escadaria, descobre-se um sítio de fazer inveja ao Masterchef. A bateria de cozinha surpreende de nova e sofisticada. Ameaça chover e o céu deixa de ter graça. Ali perto, há um mercado enorme de levante, com mais motos no estacionamento do que bancas...



Chegamos ao topo. Os sinos parecem estar ali para replicar a alegria de não termos finado a meio caminho. Tocam-se, mas não são ruidosos. Numa espécie d eredoma, somos "vigiados" pela representação muito verídica de um trio de monges. A vista alcança meia dúzia de quilómetros para norte. Há mais gente a chegar ao cimo. Ameaça chover.

Começa a chover. Dizem que na Tailândia as chuvas são rápidas. Continua a chover 5 minutos depois. Há um casal russo e outro francês que nos acompanham no cativeiro. Só deixa de chover quase meia hora depois. Mas, 250 degraus depois, a estrada está completamente seca.


AGORA SIM, SÃO MAIS DE MIL DEGRAUS





Dizem que do cimo a vista é divina. Em Banguecoque os templos não vão além de um quinto andar em altura. Aqui, este, está mais alto do que um arranha-céus. Dizem que, do cimo de uma escadaria com mais de 300 metros de altura, a vista alcança dezenas de quilómetros em redor. E, a melhor versão diz que o pôr do sol é sublime.


Entre nós e essa excelência estão, porém, mais de 1000 degraus. A julgar pelos primeiros, talvez seja mais fácil ascender do que estava previsto. Mais dois ou três lanços e o cenário muda. Só o declive se mantém. Os degraus parecem os das escadas das muralhas dos nosso castelos. Vamos primeiro obter graças para a ascensão.




Estamos no Templo do Tigre ou Templo da Caverna do Tigre, a cerca de 20 kms de Krabi, Tailândia. O Wat Tham Suea (Templo da Caverna do Tigre) é relativamente recente, de meados dos anos 70 do século passado. Dizem que o lugar onde costumava ir meditar um monge era morada de vários tigres. Ou isso, ou a existência de uma caverna em forma de pata de tigre.



Na base do monte, no interior de um edifício amplo, há realmente uma caverna plena de elementos simbólicos e decorativos religiosos relacionados com tigres. No espaço mais amplo, há monges que escutam os crentes e lhes entregam uma oferenda. Não percebi se devia ter sido ao contrário.



Em redor, há pagodes, um deles recentemente recuperado. E um ou outro altar, um deles parecendo ter uma representação do monge dos tigres. Há estátuas de Buda e figuras de guardiãos distribuídos por sítios estratégicos. E macacos, muitos macacos. São pequenos, mas ariscos. Andam em liberdade, alimentados pelo menos pelos turistas.



Próximo, começa (e acaba) a escadaria. Esta trepa por entre árvores frondosas, felizmente. O calor a meio da manhã já exige alguma sombra. Aqui, a escada só permite que se cruzem duas pessoas e com alguma dificuldade. Para facilitar a subida há pequenas plataformas - para 3 ou 4 pessoas - ou maiores, que permitem descansar sem obstruir a passagem.


Pior. A partir de algures, os degraus começam a não ser uniformes, dificultando ainda mais a subida. Ainda pior. A progressão começa a ser mais lenta. Encontram-se cada vez mais pessoas a descansar nas plataformas. Estávamos avisados: a subida iria demorara entre 45 e 60 minutos. Estamos a cumprir.


Quem nos acompanha nos primeiros cem metros é uma turma de pequenos macacos. Num instante, conseguem roubar uma garrafa de água e um pacote de lenços. Tudo o que brilha e restolha ou abane é alvo dos símios. Em baixo, acabariam por roubar um gelado da mão de um distraído. Felizmente, parece que não fazem muitas carteiras.


A partir de metade do percurso, também passamos a ser acompanhados por uma família paquistanesa. Vivem na planície junto dos Himalaias e vêm os cumes todos os dias. Estão, pelo menos, habituados a ver altitude… Os pais ficam para trás, mas o rapaz é mais atlético, simpático e divertimo-nos a imaginar uma competição na subida Portugal-Paquistão.


Ele deve ter um terço da minha idade, mas desconhece que eu já passei dos 60 há uns anos… E vamos trepando, por entre pequenas estátuas e símbolos budistas. Há gente com cara de “coitados, ainda têm muito que trepar!”, mas que não nos desmotivam com a realidade. Em outros, nota-se que já perceberam que a descida não vai mais fácil do que a subida.

O espírito é que conta. A alma ajuda. Sobretudo, quando s etrata de incentivar, aliás, não desmotivar os restantes trepadores. Apesar de não estar muito calor, a subida cansa, aquece, desidrata e vai cavando alguma desânimo na vontade de chegar ao topo.


Perdemos a contagem do tempo. Não é isso que interessa. O objectivo é chegar ao topo, numa espécie de olimpíada. Os últimos cem degraus são mais suaves, parece. Perdemos por uma plataforma com o Paquistão. Mas estamos no alvo, numa penúltima plataforma, que parece uma varanda sobre o norte do morro.


Primeiro descanso a sério, mais hidratação e primeiras sensações panorâmicas. Em redor, tudo é plano, o que permite levar o olhar para longe. Porém, há um véu nevoento que nos pára o alcance da vista em meia dúzia de quilómetros. Estamos à sombra e podemos finalmente sentar-nos, coisa que não fazemos há cerca de uma hora.


Subimos mais um lanço de escadas e estamos no topo, quase junto a um dos Budas. Dali, a vista estica-se para Krabi - que fica a 10 kms da Tiger Cave - e, mesmo com o céu enevoado, veem-se alguns edifícios junto ao mar. Não há nada entre os nosso olhos e Krabi. Apenas uma pequena aragem que nos refresca.


Subimos outro lanço de escadas e ficamos junto de outro Buda, Daqui, a amplitude do olhar vai a 360 graus. Para sul, levantam-se os habituais montes em forma de Pão de Açúcar. São muitos, uns após outros, até os perdermos de vista. Até que os mais afastados ficam apenas numa espécie de penumbra.


Algures damos com a placa que nos parabeniza pela ascensão. Trepámos 1260 degraus, ao longo que um caminho de 600 metros e ascendemos 309 metros verticalmente. É mais ou menos isto. Um dos Budas é enorme. Ainda existe um “chedi”/santuário mais afastado. O objectivo foi atingido, o tigre está dominado.


Agora, o ânimo está revigorado. 
Descemos antes de almoço, pelo que não pudemos assistir ao pôr do sol, um dos ex-libris da caminhada. Tal como a subida, a descida faz-se ao ritmo da respiração. Ainda encontramos uma portuguesa destemida, cuja subida apoiamos a 100%. 

Afastamo-nos da zona turística, onde a macacada reina. Não temos pôr de sol, mas almoçamos envoltos em plantas com raízes aéreas. Estão em redor do restaurante, por todo o lado, muitas e longas, do tecto ao chão.


Hoje, para além do exercício tão exigente quanto revigorante, fica a memória do ambiente vegetal, animal, arquitetónico e humano que partilhámos. Mais de três degraus depois, de sobe e desce, algo deve ter ficado para nos levar ao Nirvana.




domingo, 16 de junho de 2024

De São Pedro à Serra, Sintra de novo


Sintra, não há quem não conheça! É verde, pétrea, altiva. É um património dentro dos Patrimónios. São Pedro está perto, faz parte. São quintas, solares e casas senhoriais históricas e antiquíssimas. Miradouros e paisagem arbórea deslumbrante. E até possui um Moto Clube, o de Sintra.

Acolhe uma feira secular. Possui sítios ímpares: Santa Eufémia, a ermida, o miradouro o edifício dos Banhos, etc. Na serra, além do castelo dos Mouros e do Palácio da Pena, há monumentos curiosos, como a Estátua do Guerreiro, a Cruz Alta, o Templo das Colunas, etc, etc.

 

Tem ruas estreitas e íngremes, árvores centenárias, canteiros frondosos. O verde, a frescura, a rusticidade, o requinte, os panoramas, a tranquilidade e aquele fresquinho habitual, fazem de São Pedro um pequeno oásis na vertente nordeste da serra de Sintra..

De vez em quando, convém revisitar. A pé, tem outro encanto, do tempo, da vista, da tranquilidade. E até da imaginação Os recantos, as surpresas, as pessoas, uma ruela nunca percorrida, um quintal diferente, um telhado mais bicudo, uma escultura inesperada.

Passear por Sintra é uma tradição, como ir à feira, às queijadas ou aos travesseiros. Ou visitar o Palácio da Vila, subir ao Palácio da Pena, visitar os Jardins de Monserrate. Ou, ainda, assistir a um concerto ou trepar ao Castelo dos Mouros.

É o sobe e desce que permite mexer mais os músculos das pernas, oxigenar a circulação sanguínea, manter a (boa) forma. Mas também é ter outra perspectiva: ver de cima para baixo ou ao invés, ter sempre a subida a seguir à descida ou vice-versa.



Chá e Simpatia



Tudo muito simpático e cordato, enquanto não começam a aparecer dúvidas e mistérios. Surgem inquietações e perguntas, enquanto se desconhece a existência de um triângulo amoroso.

Este “Chá e Simpatia”, de Fernando Gomes - que também faz parte do elenco - é uma comédia, uma comédia musical, garbosa e satírica, e deliciosamente hilariante.

 

Passa-se nos anos 40, do século passado, e está recheada de momentos divertidos, uns mais adivinháveis que outros, de momentos de improviso, de momentos musicais que parecem também eles burlescos.

 

O enredo é muito típico dos anos 40 - faz lembrar, por vezes, alguns dos tramas dos filmes portugueses de comédia desta época - com divertidos enganos e desenganos, uns resolvidos outros ainda mais agravados.

 

Além de um cuidado, simples e atraente cenário, preenchido por adereços de época, a parte teatral, sobretudo os elementos cómicos, foram os mais cativantes e cúmplices do enredo.

 

Outro aspecto que surpreende é a componente musical, a apropriar-se dos temas de época, muitos a roçar a canção de revista e o género popular, acentuando por vezes, também, um olhar divertido sobre esse modelo musical.

 

A proximidade do espaço permite uma boa cumplicidade entre actores e público que, aliada ao excelente som de palco e um elenco que, além do encenador, contou com Ana Landum, Isabel Ribas, Jorge Estreia, José Nobre, Paula Sousa e Tiago Ribas, garantiram um excelente espetáculo.






quinta-feira, 13 de junho de 2024

ARCHIPELAGO, de Hervé Di Rosa


Vêm do Museu Internacional das Artes Modestas. Mas não são nada modestas, na multiplicidade e complexidade, as obras expostas no MAAT. Além das intervenções herméticas e diversificadas, é a criatividade que traz sobre temas tão díspares como o cinema, a banda desenhada, a arte bruta ou a própria arte tradicional.

 

Periférica sobretudo, alarga conceitos, formas, texturas, temas pouco ou nada considerados no “tradicional mundo da arte”, em territórios pouco ou nada povoados por ideias trazidas até do rock e do punk, do futurismo, da fantasia e da ficção científica. Está lá muito daquilo que não estamos à espera.

Há mapas, pirâmides, catálogos, chamarizes, criaturas, arte bruta e naif, cordéis, espiritualidades, metamorfoses e fugas. Tudo faz parte das ilhas de arte do arquipélago formado por Hervé di Rosa, num universo oceânico onde navega uma panóplia de origens e culturas artísticas, que levam de letreiros de cabeleireiros a robôs feitos de blisters.

Pássaros voadores, robôs retro, astronautas ou argonautas, super-heróis famosos e desconhecidos, marés de bonecos, rostos estilizados, criaturas marinhas, esqueletos pescadores, monstros coloridos, dragões alados e outros ainda mais horríveis, hominídeos decorados, caos marinhos, jarrões estilizados.

Andamos entre um sacerdote de vodu, uma outra versão de Chewbacca, passamos por um artista vestido de anilhas, misturamo-nos com robôs, crocodilos e lulas humanoides. E, ainda, por lá andam manequins vestidos com amendoins, milhentos diabinhos felizmente fechados numa pirâmide transparente.

Muito a dar para o doido, para o alternativo, para abordagens tão pessoais e originais, como baseadas em obras conhecidas, tão sofisticadas como sinceras,tão esquisitas como perfeitamente identificáveis, tão coloridas como incolores. Tudo arte modesta.