quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Gravuras de PAULA REGO: Olhar para Dentro

 


“Fazer desenhos desta maneira não é como desenhar o que se vê, pelo prazer de observar o modelo ou de fazer o desenho; (...)” Paula Rego, 1999.

Toda a gente conhece Paula Rego, a pintora das simbólicas figuras femininas, mas não só: dos mundos fantásticos, das imagens agressivas, terríveis e disformes, da inspiração na arte bruta, do espaço cenográfico, das histórias que conta.

“(...) desenhar algo como isto é mais como criar uma história em termos visuais.” PR99

E ainda, das figuras infantis, adultas, animais, ou irreais, dos sinais/traços grotescos e/ou deformados, das situações de sedução e/ou perversidade, das histórias que a pintura e a gravura contam. Desenho, gravura, pintura. Encenação, representação e reinterpretação.

Estamos habituados a gostar do sedutor, do belo, do sedutor, identificando-os como bons. O degradado, aberrante, bizarro, mesmo sendo provocatório, representativo ou simplesmente figurativo, não é agradável nem à vista nem pensamento.

Salvo erro – já foi no ano passado e não fiquei com o título – mas parece-me que a exposição se chamava, Paula Rego: Olhar para Dentro, onde apareciam já as técnicas de gravura e o incremento das narrativas, complementadas pelo desenho e pela pintura.

Aqui, estavam “Dois Macacos”, em tinta da china e “Penteado de Galinha”, em água-forte e água-tinta. Também pegava no tema dos animais. “Três Ratos Cegos”, continuando a série dos contos infantis.

Nesta exposição, Paula Rego aborda um conjunto de temas, ou séries temáticas, que vão desde o aborto, passam pela mutilação genital, pela literatura infantil, pelo romance vitoriano (influência inglesa), filtrados pelas suas vivências pessoais e pelas múltiplas influências artísticas.

Também lá estava, “Quem Matou o Cock Robin?”, outra obra baseada num conto do século XVIII com animais como personagens e não só. Também patente, “A Espada de Cortiça”, retrata uma manifestação crítica relativamente à ditadura de Salazar.

Ao longo do espaço de exposição, mas sobretudo do território figurativo pessoal e tão distinto, é possível entrar em contacto com o olhar da artista sobre figuras históricas, da literatura universal, do teatro e do cinema, criando um universo simbólico que propõe uma reflexão acerca de modelos iconográficos e estéticos contemporâneos.



Outra presença, “Peter Pan”, uma série onde as figuras iconográficas são redesenhadas e a história é reconfigurada levando a um outro universo em que o infantil é subterrâneo, medonho, mágico, e que põe em causa a “ambiguidade de ser criança, entre a inocência e extrema crueldade”.

E, mais. Um conjunto de estampas da série Jane Eyre, um famoso romance de meados do século XIX, “Preparando-se Para o Baile”, “Dançando com o Sr. Rochester” ou “Dentada”, litografias do início do século XXI.

Outro conjunto de figuras, em “Duas Mulheres a Eviserar um Cão” ou “Mulher Cão”, evidencia a mulher e o cão, ou apenas a figura feminina no “Estudo para um Tríptico”.

“E também é um mundo em que vais penetrar: se tens uma pequena chapa de gravura e está sa desenhar nela, o mundo que estás a criar vai da tua cabeça para a chapa; não é olhar para fora, é olhar para dentro, talvez seja de facto como escrever”. PR 99




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