Sevilha parece estar aqui a dois passos. E está! Córdoba, fica mais longe. Porém, uma e outra, também pela sua história, estão muito próximo uma da outra. Percebem-se muitas semelhanças, arquitectónicas, climatéricas, na música, no legado patrimonial. E não só. Vamos espreitar-lhes os detalhes e andar por lá durante um dia ou dois.
Até lá, pára-se a
meio-caminho, claro está, para beber um café. Sabemos que os “expressos”
espanhóis estão melhores, mas nunca fiando. Um café em Beja, à beira do Espelho
de Água, um lago artificial envolto numa zona verde, seria o ideal. Seria,
porque o Cais na Planície, o tal café simpático, estava fechado, a meio da
manhã. Ficámos no “Colher de Pau”, onde fomos bem atendidos.
Depois, é continuar pela
planície, passar ao largo de Serpa, de Vila Verde de Ficalho, reconhecer o
antigo posto fronteiriço – e aquele alpendre, palco de uma aventura
rocambolesca com cerca de quatro décadas – continuar até Rosal de la Frontera e, aproveitando o melhor perfil da N423 espanhola,, rodar...
PELA ROTA DE ARACENA
Sair por Vila Verde de
Ficalho agarra-se à memória de cerca de 40 anos de um itinerário que, para lá
ou para cá, implicava praticamente o que desta vez quase repetimos: um belo
bafo, mau piso, pouco gozo. Apesar de a estrada não ser tão má quanto era há 4
décadas e o calor não ser (tão) dramático como nessa altura.
Hoje, mesmo com pouco trânsito, a política de entrega do espaço
às pessoas parece esbarrar na realidade de não haver tanta gente para receber
tal benefício. Talvez porque não tem espaço para estacionar.
Mas a rua está com um aspecto
mais “saudável”, mais limpa e organizada. As paredes estão mais brancas, há
mais flores, a volumetria das casas mantêm-se. A comida parece estar mais
atractiva. Pelo menos, o presunto de Jabugo continua a presentear-nos o palato.
E a arte continua presente nas ruas.
Todavia, mesmo conhecendo a
Gruta das Maravilhas, uma das maiores de Espanha, não conseguimos ainda visitar
os restantes espaços da zona monumental, castelo e igreja incluídos. Talvez por
estar sempre calor. Acredito, porém, mais provavelmente por estarmos sempre de
passagem.
TOPOS DE SEVILHA
A maior
parte das grandes cidades da Andaluzia, Sevilha, Málaga (nem tanto), Cádiz,
Córdoba, é plana. São excelentes para percorrer a pé. Sevilha e Córdoba são-no
especialmente, sendo difícil ter uma perspectiva top-down da zona urbana.
Quanto muito, conseguem-se perceber alguns pontos de referência, de uma outra
janela mais elevada.
No caso de
Sevilha, nem sequer há muitos prédios altos – exceptuando a Torre Sevilha, na
Cartuja – ou que possam ser considerados como tal. Por isso, do topo do hotel é
fácil percebemos o perfil da cidade em altura.
Todavia, as antenas de
televisão ainda se misturam com as telhas vítreas e coloridas. Ainda há
emaranhados de fios entre os zimbórios e os nossos olhos. Candeeiros de rua que
mascaram fachadas, muitos automóveis e camiões que ocultam frontarias. Como
sempre, é preciso procurar sítios de onde os lugares são visíveis e notórios.
MEANDROS E LUGARES
Estamos na terra de Al Mutamide,
último dos réis Abádidas que governaram a Taifa (de Sevilha) no século XI e um
dos poetas mais importantes do Al Andalus. De Sevilha, já conhecemos a Casa de Pilatos, a Praça de
Espanha, a Catedral, o Parque Maria Luisa, a Torre de Ouro, a Real Maestranza,
o Alcácer, etc, etc. Trata-se de um património riquíssimo. Por que não
revisitar algum deles?
Ou dar uma volta para
reconhecer alguns lugares e colecciona-los na memória para futura incursão? Isso
mesmo: observar e revisitar, fazer um circuito por Sevilha e depois, escolher
um ou outro lugar para visitar. Mesmo assim, no percurso do hotel para a zona
central, há muito de atractivo, por onde espreitar, por onde descobrir.
Ficámos no hotel Dom Paco, a
meio milhar de metros do centro. Além de possuir uma piscina no topo, também
tem uma pequena garagem onde há sempre lugar para as motos. Espaços que não
abundam nas grandes cidades espanholas e, quando há, são caros, mesmo para as
motos.
Mas o Hotel Dom Paco tem
outra vantagem: até praticamente à Catedral o percurso pelas ruas estreitas de
Sevilha obrigam a excitar o olhar para descobrir o que está, nem só à frente,
mas também acima dos nosso olhos. Algumas das ruas são exclusivamente para
peões e, como habitualmente, têm muita vida devido ao respectivo tecido
comercial.
No inicio da noite,
descobre-se que, mesmo em obras, a Catedral de Sevilha, uma das mais
importantes de Espanha, continua a ser um lugar atractivo. O calor e a luz
amarelecida emprestam à noite a indolência do dia, esticando-o o mais possível
até à manhã seguinte.
As carruagens sevilhanas,
semelhantes às de Sintra, continuam a percorrer os meandros da zona antiga,
estreita e escura, compensada todavia pela cor contrastante, clara e vibrante
das fachadas. As carruagens têm agora concorrência das scooters de aluguer.
De dia, há outra luz, mais
luz. Vadiamos sobretudo pela arquitectura mudejar que mostra os seus
revestimentos em tijolos, entre arabescos, barrocos, renascimentos e
novecentismos. É esse ambiente estético que vamos encontrar no Alcácer de
Sevilha, por exemplo.
Para lá, vamos a pé, são
pouco mais de 1200 metros que se fazem num quarto de hora. No dobro do tempo,
se formos parando para fotografar. Em quase uma hora, se formos parando loja a
loja. O tempo é mesmo para isso, para se ir distribuindo pelo espaço.
PRAÇA DE ESPANHA
Tal como
muitos outros edifícios monumentais, a Praça de Espanha sevilhana surpreende. E
encanta, parecendo fantástica. Talvez por isso, tenha sido escolhida como
cenário d filme “Lawrence da Arábia” e de um dos episódios dos filmes da saga
“Guerra das Estrelas”.
Embora o
interior esteja hoje dedicado a organismos governamentais, o exterior com a sua
decoração sobretudo em azulejo e tijolo, continua a ser um local de fruição
turística, onde se juntam também desempenhos culturais típicos. Tivemos a
oportunidade de assistir a diversas intervenções de flamenco, cantado, tocado e
dançado.
O jardim
fronteiro e sobretudo os lagos (onde é possível remar em pequenos barcos),
funcionam como uma espécie de recepção, emprestam um ar fresco e sereno ao
ambiente, e ainda enquadram o edifício principal do complexo oferecendo-lhe uma
leveza distinta.
ALCÁCERES REAIS
Tal como em Portugal,
passaram por aqui romanos, visigodos e árabes. São estes últimos que, a partir
de meados do século VIII, começam a moldar este complexo palaciano constituído
por diversas edificações. Depois, é a influência cristã que irá esculpir o Alcácer.
E começa pelo Palácio de D.
Pedro I, em estilo mudejar, obra de meados do século XIV. Ao contrário dos réis
portugueses da época, que destruíram praticamente todo o legado árabe existente
em Portugal, os monarcas castelhanos preservaram e, quando não, construíram
inspirados nos modelos arquitectónicos andaluzes.
A Giralda, torre da catedral
foi construída sob domínio Almóada. O Alcazar é da mesma altura. Por aqui
passaram califas e vizires, réis e rainhas. A viagem de circunavegação de
Magalhães foi projectada neste palácio, entre paredes e cúpulas de arte
mudejar.
Os pátios, desde o das Donzelas, o principal, passando pelo do
Leão, no palácio de Pedro I, ao Pátio das Bonecas, terminando no Pátio das
Bandeiras, uma espécie de pátio de armas do Alcácer, são ligações espaciais entre as dependências interiores do alcácer que facilitam a entrada de luz naqueles espaços e servem também como jardins interiores.
Em outros espaços interiores,
abrem-se salas e salões que voltam a revelar os elementos decorativos mudejares
e arabescos dourados, outras ainda redecoradas em estilo barroco. A Sala do
Imperador é uma das mais surpreendentes, onde se destacam azulejos
quinhentistas e tapetes flamengos.
Os mosaicos em tons pastel no
Salão dos Embaixadores fascinam bem como a respectiva cúpula dourada. Alguns
dos espaços, corredores incluídos sobretudo, recebem pouca luz, o que contrasta
com o brilho dos azulejos e restante decoração nas salas maiores e com maiores
aberturas para os pátios.
No exterior, os jardins
possuem uma vegetação exuberante, entre palmeiras e laranjeiras, que oferece ao
espaço uma frescura e uma tranquilidade difíceis de imaginar em pleno centro de
Sevilha. Além da vegetação, algumas fontes e lagos ajudam a manter o ar fresco
mesmo quando a temperatura já ultrapassou os trinta graus...
Deixamos o Alcácer ainda com
a imagem de uma tapeçaria imensa com as armas de Portugal, e de outra com uma
mapa do nosso país. Mais, trazemos as cores, os traços, os relevos, as “linhas”
do Corão, os contrastes de luz e sombra e uma conjunto de outros elementos
decorativos, alguns deles que o Manuelino foi buscar à arte árabe.
No dia seguinte, Sevilha
ficaria para trás. Destino, Córdoba, uma centena e meia de quilómetros, através
da A4 que liga as duas cidades. Pouco mais de uma hora. A menos de meio
caminho, fica Carmona...
Música: Chic Corea, La Fiesta
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