Há
dias assim. Em que o universo conspira logo pela manhã. Arma-se de proibições,
obras ou desvios e provoca-nos a vontade e o engenho mas sobretudo confunde-nos
a orientação, o caminho. Desafia-nos cedo, sustenta o despique e deixa-nos à
sorte. À boa e à má.
O
fresco da madrugada até nem conta. Aliás, a manhã prometia ir por ali fora
aumentando a sensação tépida do ar e o medrante brilho do sol. Foi esse auspicioso
prelúdio primaveril que nos escoltou a partida do Careca, no Restelo. E durou
até ao desvio para a avenida de Ceuta.
Aí,
o universo, com a ajuda da PSP, condenou-nos às vielas, aos atalhos, às
voltinhas à roda dos prédios. Até que conseguimos chegar ao Largo de Alcântara.
Daí ao museu de Arte Antiga basta seguir o trilho dos paralelepípedos. Estes já
não contam para o castigo.
Estacionámos
nas abertas do miradouro. Em baixo, corriam uma Meia Maratona. Por isso, sermos
brigados a atravessar o Casal Ventoso para chegar a Alcântara. Ao longe, do
outro lado do rio, a margem mal se via. Do miradouro, do lado de lá, nem sinal.
O tal que ficava em frente de este.
Em
dias bons, a margem de lá, mesmo guardada pelo sol que a mira de alto, está
incessantemente a provocar-nos o desejo de sair, de partir para lá. Cena com
mais um par de graus de temperatura, com a sedosa areia das praias, com a cor,
o quente e as ondas do mar da Costa.
Mas,
nesta manhã de névoa, de Meia Maratona e de acessos vedados, até o Miradouro da
Boca do Vento estava encoberto. Deste, que domina o Cais da Rocha do Conde de
Óbidos, nesta manhã, era o atletismo que ocupava o olhar, toda a ponte 25 de
Abril e todas as faixas da “24 de Julho”.
Tentamos
em vão que o universo permitisse uma réstia de luz sobre a outra margem, mas
não era dia de prodígio. Voltamos os olhos para a corrida, vimos a passagem dos
atletas que iam na “cabeça” do pelotão, ainda um grupo de atletas deficientes
com triciclos de corrida.
Deixámos
o miradouro da Rocha do Conde de Óbidos em direcçao à avenida da Liberdade e
descemos para o Rossio a caminho do Campo das Cebolas e da avenida Infante Dom
Henrique, rumo ao Parque das Nações. A meio, um dos grupos separou-se o que
levou ainda uma VFR a seguir quem ficava.
Na
“Vasco da Gama” o universo ainda não havia reconsiderado o ambiente adverso da
manhã. Um acidente levava a que as três faixas chegassem a estar paradas
sensivelmente a meio da ponte. Na saída para Alcochete ainda se sentia um maior
fluxo de trânsito a deixar a A12.
Ainda parámos na área de serviço de Alcochete que não tinha muita freguesia. Já na saída para a via rápida aproveitámos a berma para despacharmos cerca de quinhentos metros. Já na A23 o universo esteve temporariamente ausente daquela tranquilidade que acompanhámos até à saída da A2 para Almada.
Depois,
até Almada, foi um passeio normal, com pouco trânsito e o sol finalmente a reluzir.
Passámos no famoso “Centro-Sul” com centenas de viaturas estacionadas em redor a
aguardar a abertura da “25 de Abril”. E fomos trepando até ao desvio para
Almada Velha.
Chegámos
ao miradouro da Boca do Vento com meia dúzia de sobreviventes aos quais se
juntaria daí a pouco a VFR em falta. Deste lado, a paisagem já havia ganho
alguma vantagem à vincada resistência do universo. O miradouro da Rocha do
Conde Óbidos notava-se à distância.
Via-se
a escada de acesso desde a “24 de Julho”, o edifício do museu de Arte Antiga e,
do outro lado do jardim, o da Cruz Vermelha, a ladearem o espaço onde havíamos
estacionado há cerca de uma hora. Não estando nítida, Lisboa afirmava a sua particular
claridade habitual.
Deste
lado, o olhar ia desde Algés à Praça do Comércio, passava pela “25 de Abril”,
esticava-se a Monsanto, alongava-se pelas Amoreiras e desaparecia na cúpula do
Panteão Nacional. Um cenário que contempla meia Lisboa e toda a foz do Tejo. Estivesse
límpido e ver-se-ia Cascais.
Não
subimos à Casa da Cerca - http://cordeirus.blogspot.pt/2014/03/casa-da-cerca-almada.html
- já que só estava aberta a partir das 3 da tarde. Mas contemplamos durante
bastante tempo o panorama lisboeta e sobretudo a zona ribeirinha. Chegámos a
verificar se o trânsito na “25 de Abril” já fluía…
Havendo
dúvidas, optámos por almoçar em Cacilhas num dos restaurantes da zona pedonal. Deixámos
as motos perto do acesso aos “cacilheiros” e organizámos o repasto entre polvo e
chocos, enquanto posávamos para um sol prazenteiro e cada vez mais cálido.
Perto
da fragata “D. Fernando e Glória” - http://cordeirus.blogspot.pt/2012/12/d-fernando-e-gloria.html
- está agora a descansar de mais de quarenta anos de serviço o NRP Barracuda,
um submarino da Marinha que aguarda - há já bastante tempo - a sua transformação em museu.
Deixámos a “outra margem” pela “25 de Abril” que já escorara o trânsito que se havia acumulado em Almada. O tempo refrescara-se mas ficou no ar uma vontade temperada de voltar a outros miradouros, talvez num dia em que o génio do universo esteja distraído ou se mostre mais ingénuo.
O vídeo em https://vimeo.com/211179040