quinta-feira, 16 de junho de 2016

ROTA DE DALI 4 - De Figueres a Portlligat




Vamos estar perante o génio de Dali. Visitamos o espantoso Teatro-Museu de Figueres, seguimos para Cadaqués pela serra ao encontro da casa de férias do artista em Portlligat, onde ficamos pelos jardins. Almoçamos num chiringuito (bar de praia) à vista da baía preferida de Dali e ainda passeamos pela baía de Cadaqués. Trepamos depois a Sant Pere de Rodes para olharmos de longe o castelo, o mosteiro e Port de la Selva.

TEATRO-MUSEU DALI



Por precaução, alteramos o programa de visitas. Esta estava programada para o fim do dia, mas o atraso sistemático que trazíamos dos dias anteriores aconselhava a garantir a visita ao Teatro-Museu Dali. Comprometemos a seguinte mas havia que optar.
Por volta das nove da manhã a fila à porta do museu já tinha mais de dez metros, mas o número de pessoas não desmotivava e era possível imaginar que não iríamos demorar muito a entrar. Realmente o cálculo coincidiu com a realidade e pouco depois das nove e meia estávamos no átrio.
Só este, deslumbra. A luz, a cor e o conteúdo fazem um conjunto atractivo, agradável, e surrealista evidentemente, não fosse dominarem naquele espaço, um Cadilac chuvosos com estranhas personagens no interior, as paredes em redor com nichos preenchidos com esculturas antropomórficas e as composições executadas com lavatórios de mármore, gavetas e presas de elefante.
Este cartão-de-visita dá imediatamente a ideia de que ali há muita imaginação, diversidade e qualidade. As composições fazem um conjunto harmonioso e parece não haver espaços vazios. Talvez apenas os dispositivos de segurança, e talvez nem estes, saem da coerência.
Depois do átrio encimado por uma cúpula em vidro, dois lances laterias de escadas levam a outro átrio envidraçado, com uma altura audaciosa, preenchido por obras de grande dimensão e complexidade.
Uma delas, possui uma ilusão de óptica – Gala olhando o mar ou Lincoln - apenas percebida quando vista através das lentes das máquinas fotográficas. Outra, na parede frontal - o Labirinto - tem uma dimensão colossal.
À medida que se vai avançando pelas diversas salas do museu, vai-se reforçando a ideia de que o artista não tem apenas talento estético, mas também um sentido crítico e de intervenção apurado, mordaz e persistente.
A crítica social está presente em muitas obras, da pintura à escultura, do desenho à montagem. Nota-se por vezes o exagero estético como grito de revolta ou repreensão de uma condição (os modelos de moda) ou de uma classe (a classe alta catalã).
Outra faceta está irredutivelmente ligada ao erotismo, facilmente perceptível na maioria das suas obras, como seja a, simbiose mulher-animal, Lilith, Manequim Barcelonês, ou as diversas Vénus que esculpiu ou pintou, das quais captei algumas.
Os seus “ovos” e as muitas mulheres que desenhou, esculpiu ou pintou, tal como algumas das metamorfoses, vão a outra das suas obsessões com o nascimento e a transformação, e o seu interesse pela psicanálise freudiana.
Mais uma surpresa vem da escultura, que eu desconhecia ser também alvo das mãos e da fantasia de Dali. Móisés, parece uma estátua grega, a Cabeça Otorrinológica é quase um modelo de medicina truncado, a Homenagem a Newton (escultura negra) também não está muito longe do estilo greco-romano.
A surpresa surge em cada canto, em cada parede e até no tecto. Dizem que são os pés do artista e os de Gala, sua mulher, e estão ambos a esvoaçar. A pintura reveste o tecto da sala do Palácio dos Ventos, uma das maiores salas do museu.
A metamorfose, já mencionada, a par do tempo e da morte são outros temas presentes na obra de Dali. A morte é notória no seu Toureiro Alucinogénico, o tempo está evidente nos seus “relógios”, e a metamorfose, por exemplo, na sua Leda Atómica (Gala como Zeus).
O seu narcisismo também está patente em alguns das suas obras. O seu Auto-retrato Mole com Toucinho Assado, ou o estudo sobre o seu próprio bigode, dizem da sua personalidade vincada de olhar para si mesmo. Tal como Gala, também ele foi para si próprio musa.
No exterior, o edifício do museu, um antigo teatro que estava em estado degradado desde que foi bombardeado durante a guerra civil espanhola, tem uma ornamentação considerada como o maior edifício surrealista do mundo.
Tal como a superfície das paredes interiores estão preenchidas com obras do artista, também o exterior está repleto de elementos decorativos obra de Dali. Quer em redor do edifício, quer nas paredes exteriores, quer no telhado, há arte para apreciar.
A escultura de um escafandrista com pão à cabeça, ver o televisor humano ou os ovos gigantes na bordadura do telhado, para além de outros pequenos elementos ou a própria cor do edifício, fazem deste também um objecto artístico.

CASA DE PRAIA EM PORTLLIGAT

Passamos a manhã no Teatro-Museu Dali, inebriados por arte. Saímos para Cadaqués e seguimos pela serra até ao quintal da casa que o mestre tinha à beira-mar. Vamos até à baía de Cadaqués e terminamos à vista do mosteiro de Sant Pere de Rodes a cerca de 700 metros de altitude.
Se os primeiros quilómetros após Figueres são despachados com rapidez, a serra para Cadaqués já foi mais lenta, quer devido ao traçado sinuso, quer à estreiteza da estrada, quer sobretudo a ponto de termos de seguir atrás de camionetas de carreira que se arrastam serra acima.
Já que vamos tão lentamente por que não desfrutar da vista e da calma do percurso. Por isso, parámos para a foto de grupo com as camisolas alusivas ao passeio, um misto Dali-Gaudi que em última instância era precisamente o que acabaríamos por cumprir.
A tal meia-hora de atraso voltou a manifestar-se. Como alteramos o nosso roteiro matinal com a visita ao teatro-museu, a visita à casa de praia de Dali em Portlligat ficou definitivamente inviabilizada. Quanto muito, podíamos percorrer o jardim. Foi isso que fizemos.
Entramos pelas traseiras. Daí a pouco estamos a trepar uma escadaria branca interior que nos leva ao pátio da casa de praia de Dali. Surgem ovos brancos cal, monges, figuras barrocas, um leão, e até uma campânula em vidro proveniente de um farol.
Mas também há reclamos da Pirelli, garrafas de Tio Pepe e o incontornável bucha da Michelin. Julgamos que seriam ícones de vanguarda na altura. Tal como as figuras alienígenas ou cibernéticas que vigiam a casa desde o telhado, ou o robot artilhado com peças de automóvel e telhas deitado no chão sob as oliveiras.
A piscina parece ser mais consensual, não fosse esconder o tal boneco banhudo. Já com olhos e mente adestrada, depois de algum tempo, parece que há bancos normais e algumas passagens vulgares. Parece.
Tal como no Teatro-Museu, em Figueres, em Portlligat a arte surge a cada esquina, muito ao nível dos olhos e do olhar que se eleva para o céu. Por isso, as paredes, os muros e os telhados são os alvos preferenciais das obras do surrealista.
Damos com figuras antropomórficas mas sem expressão (as duas que vigiam desde o telhado), com figuras animalescas (quase gárgulas), figuras neo-clássicas que parecem saídas do barroco (no quintal), figuras naturais (ovo) e formas industriais sofisticadas (robot).
Há algumas cadeiras estrategicamente colocadas, com uma ergonomia que dá a ideia de que estão meio enterradas, viradas para o mar num dos miradouros de onde se desfruta da vista sobre toda a baía de Portlligat.
A paisagem também é terrivel…mente atractiva. O azul do mar mistura-se com o ocre da terra e com os verdes da vegetação mediterrânica. Aqui, dominam as oliveiras que recortam o olhar que se lança irremediavelmente para o mar calmo da baía.
Deve ser ‘pavoroso’ estar ali sentado a ver o poente pintar o mar e as pequenas ilhas. Deve ser um cansaço olhar o pôr-do-sol com um copo à frente dos lábios e pensar que no dia seguinte aquela água, as ilhas e o sol vão insistir naquele magnífico cenário.

NA BAÍA DE CADAQUÉS

A baía é muito agradável. As casas brancas contrastam com o azul do mar, as árvores do jardim dão-lhe frescura e as ruas estreitas que se afastam do centro asseguram sossego ao burgo. Em redor, uma marginal simpática vai mostrando a pequena mas aprazível baía onde apenas a areia é bera.

À hora de almoço, houve quem apostasse no chiringuito (bar de praia) junto da casa de praia de Dali. Outros foram até à baía de Cadaquès e apostaram no Can Rafa, uma referência da gastronomia local, bem visível aliás pelo semblante dos participantes.
No fim, juntamo-nos todos na baía, demos um passeio, assistimos ao desembarque de uma carreia entre várias praias da costa, posamos junto da estátua de Dali e na borda do cais, e a ainda tivemos tempo para comprar recordações numa das lojas de artesanato do jardim.

QUASE TOCÁMOS SANT PERE DE RODES

A tarde já se via quando arrancámos de Cadaqués. A estrada continuou sinuosa mas com piso aceitável. Enquanto alguns seguiram pela costa após Port de la Selva, outros seguiram para o mosteiro de Sant Pere de Rodes.
Poucos devem ter percebido que ao longe se via França. Estávamos a menos de 30 quilómetros de França por estrada e a 12 em linha recta. Quando olhámos para nordeste no estacionamento do mosteiro, estávamos a ver França, duas ou três baías a seguir a Port de la Selva. A subida para o mosteiro é ‘peregrinativa’. O piso é mau, as curvas são fechadas e não há rails. Fizemos a nossa “via sacra”, trepando a mais de seiscentos metros de altitude, um pouco mais do que o sítio mais alto da serra de Sintra.
O panorama desde o parque de estacionamento é excelente, mas é capaz de não compensar a subida, para mais quando o horário de visita do mosteiro há muito que havia sido ultrapassado. É o panorama que pode surpreender, dada a altitude do local. Os ganchos manhosos e a necessidade de acertar na estrada entre buracos deixa ao mosteiro o isolamento que parece querer assegurar.

À NOITE NO MUSEU


A noite ajudou ao passeio que nos levou em redor do Teatro-Museu Dali. A perspectiva com que é habitualmente apresentado é captada de noroeste onde é possível apreciar as cúpulas e o telhado, enquanto do lado contrário é preferível observar as estátuas na fachada e nas paredes laterais.
Em redor, sofisticam-se os restaurantes, os passeios, a estatuária e a as paredes do museu ganham cor e luz sobre os milhentos elementos decorativos que parecem pães de Mafra estilizados.
Descemos até à entrada principal do museu e damos com a igreja de San Pedro, um edifício românico com mais de mil anos. Tentamos traduzir, “tu segueix-me, tu sigeme”, mas não conseguimos melhor do que ficar com a ideia de tínhamos percebido alguma coisa. 
O vídeo em,
https://vimeo.com/170948396