A opção de
preservar as gravuras do Vale do Côa foi polémica durante muitos anos, tendo mesmo
instado a uma intervenção do presidente da república, Mário Soares, em favor da
não construção de uma barragem no local. A célebre frase, “as gravuras não
sabem nadar”, é de 1995.
Talvez aí ainda
não fosse possível perceber a importância do achado. É que, até aos anos 80, o
único exemplar de arte paleolítica em Portugal estava na gruta do Escoural. E,
só em 1981, é que foi descoberta na estação de Mazouco, em Freixo de Espada à
Cinta - a primeira ao ar livre - uma gravura que representava um cavalo com
pouco mais de meio metro de comprimento.
Ora, no vale do
Côa, são centenas, se não milhares, as gravuras que se distribuem por todo o
vale. Além disso, não existem muitos exemplos de estações de arte rupestre ao ar
livre na Europa. Exceptuando a de Mazouco, só há uma em França e duas em Espanha.
As gravuras do Vale do Cõa são por tanto das mais importantes do mundo.
O EDIFÍCIO
Ao longe parece um
bunker alemão da Segunda Grande Guerra. De perto, também. Porém, as linhas
orientadoras e identificativas da estrutura de betão levam-nos para outros ambientes
e conteúdos bem mais prósperos. A construção não é
muito saliente. A maior parte está enterrada.
Para quem chega apenas uma pequena parte está visível. Para quem já lá está a proposta sente-se mais branda e vantajosa embora rude e glacial. Visto de poente,
mal se vê e o pouco que se vê integra-se na paisagem. Visto de nascente e sul –
de onde há menos gente a fazê-lo – algum vidro suaviza-lhe o betão. É desse
vidro ou do terreiro fronteiro que se vislumbra uma das mais bonitas curvas do
Douro.
Os arquitectos
conceberam-no assim. “A evolução do corpo do museu – enquanto prótese
metamórfica – tem por base um pressuposto único de integração na paisagem.
Neste sentido é simultaneamente um gesto forte e afirmativo, mas também subtil,
sensível à topografia e dialogante com a paisagem que o recebe.”
Para entrar, desce-se
uma ladeira marginada por betão que se vai abrindo para o átrio / recepção do
museu. O cinzento do cimento domina tectos e paredes. O ambiente esmaecido não
estimula. Mais tarde, percebe-se que até se encaixa naquela terra seca, ocre,
mate.
O CONTEÚDO
No primeiro contacto
sentem-se os espaços generosos, os materiais expostos rigorosos e de boa
qualidade, luminosos, simples, didácticos, modernos, sofisticados. Não há textos
infindáveis soltos ou um legendar de imagens interminável. Primeiro, o olhar
vai-se habituando à fraca luminosidade do espaço. Depois, habitua-se. O primeiro
relance vai para as paredes. Descobrem-se sobretudo traços. Alguns são
luminosos, outros estão iluminados, ainda outros parecem estar como estavam há
milhares de anos.
Depois, os olhos encontram
mais e mais traços. Muitos fazem sentido, outros não se percebem. Insistindo,
os traços juntam-se para darem lugar a formas. São especialmente animais. É o
primeiro contacto com a memória gráfica mais antiga que se conhece, a arte rupestre. O museu trouxe as
gravuras desde o vale. Ou seja, o museu mandou reproduzir à escala muitas das
gravuras encontradas nos quatorze locais onde foram descobertas.
As gravuras representam essencialmente animais, especialmente cavalos e bovídeos, caprídeos e cervídeos. Aparecem isolados, em grupos ou sobrepostos. Nesta última modalidade é muito difícil percebê-los isoladamente. Neste contaxto, o trabalho do museu foi distingui-los. Há reproduções de
outras gravuras, encontradas por exemplo em Alta, na Noruega, onde o homem está
representado. Mas, no Côa, apenas uma figura humana está representada. Outras gravuras são difíceis de identificar, onde o traço é demasiado
fino ou a gravação foi demasiado ténue.
Mas quem esteja à
espera de ver traços afilados desengane-se. As técnicas de gravura
identificadas, a picotagem e a abrasão, deixam os traços largos, embora se
reconheça uma grande quantidade de traços finos por vezes indefiníveis.
A diversidade, a
qualidade, e a quantidade das representações é suficiente para se perceber que
as gravuras do Vale do Côa são um tesouro arqueológico singular, numa região
que tem muito para oferecer nesta matéria.
Para apêndice, ver http://cordeirus.blogspot.pt/2009/11/margens-altas-do-douro.html
A FUNÇÃO
Diz-se da arte paleolítica
que a sua função primeva terá sido meramente estética, quando analisada do
ponto vista artístico. Porém, há teorias que lançam ou outro olhar à arte
paleolítica, entendendo-a com funções mágico-religiosas, sendo as gravuras uma
das suas manifestações materiais.
As múltiplas
representações de animais, exclusivamente daqueles que alimentavam o homem há milhares
de anos, podem estar relacionadas com o propiciar da caça e a reprodução bem sucedida
desses animais, num claro ritual de sobrevivência e fertilidade.
Os cerca de 20 mil
anos que nos distanciam destas representações culturais dá-nos a perceber que a
cultura é tão antiga como o homem, mesmo reconhecendo que a natureza liderou
anseios e objectivos primordiais.
A PAISAGEM
Caso sério de
diferença é a da implantação do museu. Ao estar “encravado” numa espécie de promontório
que domina duas ou três voltas do Douro, a paisagem que se avista – também desde
o restaurante – é deslumbrante.
Apesar de as
vertentes não serem tão luxuriantes como as do Douro internacional ou as que marginam
o rio após o Pocinho, o panorama que se alcança é vasto e sumptuoso.
É mesmo daqueles
sítios onde apetece ficar, simplesmente, a olhar. Aliás o museu pensou nisso. Além de o restaurante ter paredes em vidro, fora também há mesas e um mais à
frente, quase sobre os penhascos, lá está uma pérgula com cadeiras para
aproveitar a paisagem tranquilamente sentado.
Música: “De Tudo E
De Nada”, Ala Dos Namorados
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