sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Museu do Côa





A opção de preservar as gravuras do Vale do Côa foi polémica durante muitos anos, tendo mesmo instado a uma intervenção do presidente da república, Mário Soares, em favor da não construção de uma barragem no local. A célebre frase, “as gravuras não sabem nadar”, é de 1995.
Talvez aí ainda não fosse possível perceber a importância do achado. É que, até aos anos 80, o único exemplar de arte paleolítica em Portugal estava na gruta do Escoural. E, só em 1981, é que foi descoberta na estação de Mazouco, em Freixo de Espada à Cinta - a primeira ao ar livre - uma gravura que representava um cavalo com pouco mais de meio metro de comprimento.
Ora, no vale do Côa, são centenas, se não milhares, as gravuras que se distribuem por todo o vale. Além disso, não existem muitos exemplos de estações de arte rupestre ao ar livre na Europa. Exceptuando a de Mazouco, só há uma em França e duas em Espanha. As gravuras do Vale do Cõa são por tanto das mais importantes do mundo.

O EDIFÍCIO

Ao longe parece um bunker alemão da Segunda Grande Guerra. De perto, também. Porém, as linhas orientadoras e identificativas da estrutura de betão levam-nos para outros ambientes e conteúdos bem mais prósperos. A construção não é muito saliente. A maior parte está enterrada. 
Para quem chega apenas uma pequena parte está visível. Para quem já lá está a proposta sente-se mais branda e vantajosa embora rude e glacial. Visto de poente, mal se vê e o pouco que se vê integra-se na paisagem. Visto de nascente e sul – de onde há menos gente a fazê-lo – algum vidro suaviza-lhe o betão. É desse vidro ou do terreiro fronteiro que se vislumbra uma das mais bonitas curvas do Douro.
Os arquitectos conceberam-no assim. “A evolução do corpo do museu – enquanto prótese metamórfica – tem por base um pressuposto único de integração na paisagem. Neste sentido é simultaneamente um gesto forte e afirmativo, mas também subtil, sensível à topografia e dialogante com a paisagem que o recebe.”
Para entrar, desce-se uma ladeira marginada por betão que se vai abrindo para o átrio / recepção do museu. O cinzento do cimento domina tectos e paredes. O ambiente esmaecido não estimula. Mais tarde, percebe-se que até se encaixa naquela terra seca, ocre, mate.

O CONTEÚDO


No primeiro contacto sentem-se os espaços generosos, os materiais expostos rigorosos e de boa qualidade, luminosos, simples, didácticos, modernos, sofisticados. Não há textos infindáveis soltos ou um legendar de imagens interminável. Primeiro, o olhar vai-se habituando à fraca luminosidade do espaço. Depois, habitua-se. O primeiro relance vai para as paredes. Descobrem-se sobretudo traços. Alguns são luminosos, outros estão iluminados, ainda outros parecem estar como estavam há milhares de anos.
Depois, os olhos encontram mais e mais traços. Muitos fazem sentido, outros não se percebem. Insistindo, os traços juntam-se para darem lugar a formas. São especialmente animais. É o primeiro contacto com a memória gráfica mais antiga que se conhece, a arte rupestre. O museu trouxe as gravuras desde o vale. Ou seja, o museu mandou reproduzir à escala muitas das gravuras encontradas nos quatorze locais onde foram descobertas. 
As gravuras representam essencialmente animais, especialmente cavalos e bovídeos, caprídeos e cervídeos. Aparecem isolados, em grupos ou sobrepostos. Nesta última modalidade é muito difícil percebê-los isoladamente. Neste contaxto, o trabalho do museu foi distingui-los. Há reproduções de outras gravuras, encontradas por exemplo em Alta, na Noruega, onde o homem está representado. Mas, no Côa, apenas uma figura humana está representada. Outras gravuras são difíceis de identificar, onde o traço é demasiado fino ou a gravação foi demasiado ténue.
Mas quem esteja à espera de ver traços afilados desengane-se. As técnicas de gravura identificadas, a picotagem e a abrasão, deixam os traços largos, embora se reconheça uma grande quantidade de traços finos por vezes indefiníveis.
A diversidade, a qualidade, e a quantidade das representações é suficiente para se perceber que as gravuras do Vale do Côa são um tesouro arqueológico singular, numa região que tem muito para oferecer nesta matéria.
Para apêndice, ver http://cordeirus.blogspot.pt/2009/11/margens-altas-do-douro.html

A FUNÇÃO

Diz-se da arte paleolítica que a sua função primeva terá sido meramente estética, quando analisada do ponto vista artístico. Porém, há teorias que lançam ou outro olhar à arte paleolítica, entendendo-a com funções mágico-religiosas, sendo as gravuras uma das suas manifestações materiais.  
As múltiplas representações de animais, exclusivamente daqueles que alimentavam o homem há milhares de anos, podem estar relacionadas com o propiciar da caça e a reprodução bem sucedida desses animais, num claro ritual de sobrevivência e fertilidade.
Os cerca de 20 mil anos que nos distanciam destas representações culturais dá-nos a perceber que a cultura é tão antiga como o homem, mesmo reconhecendo que a natureza liderou anseios e objectivos primordiais.

A PAISAGEM

Caso sério de diferença é a da implantação do museu. Ao estar “encravado” numa espécie de promontório que domina duas ou três voltas do Douro, a paisagem que se avista – também desde o restaurante – é deslumbrante.
Apesar de as vertentes não serem tão luxuriantes como as do Douro internacional ou as que marginam o rio após o Pocinho, o panorama que se alcança é vasto e sumptuoso.
É mesmo daqueles sítios onde apetece ficar, simplesmente, a olhar. Aliás o museu pensou nisso. Além de o restaurante ter paredes em vidro, fora também há mesas e um mais à frente, quase sobre os penhascos, lá está uma pérgula com cadeiras para aproveitar a paisagem tranquilamente sentado.

Música: “De Tudo E De Nada”, Ala Dos Namorados

Sem comentários: