Descemos
lentamente os socalcos que vêm desde Numão. No caminho, uma placa recordava
estarmos na Paisagem do Douro Vinhateiro, património da humanidade. À medida
que descemos percebe-se porquê. Basta olhar.
Mais
abaixo, o Vesúvio. A estação, aliás o apeadeiro – que não costuma ter muitos
fregueses – estava plena de clientes e bagagens. Novos e menos novos, mochilas,
malas e sacos, amontavam-se à sombra de um abrigo exíguo.
Ali
o Douro estende-se demoradamente de uma margem à outra como um espelho
tranquilo esverdeado. O sossego chão é apenas sulcado por um barco que leva em
cima um pequeno hotel. Na margem de lá distinguem-se duas ou três quintas
iluminadas pelo sol.
À
hora certa, o comboio apareceu. Ir para olhar paisagens e ficar bloqueado por
uma barreira opaca de mau gosto é tramado. Já sabíamos que tinha sido
vandalizado por grafitis. Por isso, escolhemos lugares cuja janela não
estivesse pintada. Já basta os reflexos do vidro…
Mas
nem isso belisca o deslumbre que a paisagem nos incute. O rio, as margens e o
céu. A quietude do Douro, os socalcos do declive, alguns flocos alvos sobre um
azul perfeito. É sobretudo a proximidade da terra e a água e os traços da
cultura da vinha que fascinam.
Vamos
ao lado do rio, a dois, três metros da água. Imagina-se imediatamente cenários invernosos
mais radicais… O leito avança pelas gargantas mais esguias proibidas (até) à vinha.
Uma e outra quinta, um e outro túnel, e o rio, sempre envoltos numa
cumplicidade de verdes que os reflexos do vidro vão esmorecendo.
O
encanto do Douro percebe-se na viagem até ao Pinhão. Raramente o rio fende as
margens para roubar espaço às arribas. A sua soberania está no caudal possante
e volumoso. Depois, é como se as falésias relaxassem e cedessem aquele ímpeto
encovo.
Fosse
o ritmo do comboio o da respiração, subisse a composição por instantes uma
arriba, perpetuasse o silêncio da paisagem e seria provavelmente a antecâmara
do Paraíso. Tudo por dez euros na ida e outros tantos no regresso.
Depois
do Pinhão, as falésias moderam a altivez. Os socalcos mantêm a harmonia acompanhando
cada curva de nível. Só falta a linha do Douro romper por entre a vinha, o
comboio reduzir a marcha e consentir deitar a mão a um cacho de uvas.
RÉGUA
Na
Régua, depois da ponte, aparecem algumas silhuetas sinistras de prédios que,
como os grafitis do comboio, revelam um particular mau gosto. Melhor estiveram os aperitivos que acompanharam um moscatel, já em boa companhia. Mais tarde, voltámos ás provas, já no exterior do museu do Douro, mas não fomos tão bem sucedidos.
Distinta pareceu a capela da Santa Casa da Misericórdia – capela do asilo (?) - cujo telhado da torre parecia “mudéjar”. Porem, não foi fácil distinguir a identificação ou o préstimo do edifício, situado numa rua onde com a Casa do Douro, eram os dois únicos edifícios que se salientavam.
Distinta pareceu a capela da Santa Casa da Misericórdia – capela do asilo (?) - cujo telhado da torre parecia “mudéjar”. Porem, não foi fácil distinguir a identificação ou o préstimo do edifício, situado numa rua onde com a Casa do Douro, eram os dois únicos edifícios que se salientavam.
Junto
ao rio, próximo dos cais, o ambiente é mais cosmopolita. Os barcos entram e
saem lentamente e têm fregueses. A referência é o rio, que se alarga até à
outra margem onde há pouca freguesia.
CASA DO DOURO
A
Casa do Douro apareceu de repente no caminho. Disseram-nos que valia a pena ver
o vitral em tríptico. É do artista Lino António e representa a dinâmica da
região ligada ao vinho e à vinha. A escadaria de acesso ao vitral e o salão
nobre também surpreendem. No entanto, em certos espaços havia pouca luz, cores escuras, uma decoração algo vetusta, que não atraíam.
MUSEU DO DOURO
O
museu também, o do Douro, que guarda memória e mostra a identidade da cultura
vinícola da região. Visitámos a exposição permanente intitulada, “Douro:
Matéria e Espírito”, que faz também as sínteses da temporalidade e do ambiente
geográfico da região demarcada.
Dá
também um toque no Douro pré-histórico – Foz Côa oblige – e na época romana –
fragmentos de mosaicos de piscinas. O resto é dedicado à vinha e ao vinho:
reproduções de barcos rabelos, dispositivos de destilação, garrafas, rótulos, impressoras
de rótulos, naipes de odores, engarrafadoras.
Fora
do museu, num pequeno jardim virado para o rio, o bilhete oferecia uma prova de
vinho do Porto. Embora agradável, foi mais um aroma do que uma prova. Não fosse
o cenário e a companhia, sairíamos defraudados.
REGRESSO
Malogrados,
porém, foram os esforços do pessoal da estação da Régua. À parte a decoração
hip-hop do exterior dos comboios, os geradores também não estão afinados para
aquelas temperaturas. O do nosso comboio, disseram-nos, não permitia ligar o ar
condicionado…
…
afinal, nem sequer conseguia dar energia ao gasóleo da máquina. Entre despejar
os passageiros das últimas carruagens de outro comboio e separá-lo para cada
metade seguir para seu lado, o abandono da ideia e a chegada da última
composição para a estação do Pocinho, foram mais de duas horas.
O
intervalo obrigou a passar pelo contentor / casa de banho e experimentar uma
fetidez tóxica, triste e pútrido cartão-de-visita de um espaço que junta muita
gente que percorre a linha do Douro.
Nesta
altura, a maioria são turistas e muitos são estrangeiros. Houve quem tenha
preenchido uma página do livro de reclamações e percebido que os problemas
são recorrentes. Felizmente, a paisagem reforça a esperança de que um dia a
viagem será feita a horas.
Música: "O Olhar", Madedeus