Já lá trinta e dois anos. Nos idos de 84, as férias seriam dedicadas ao sul de Espanha, mais propriamente à Costa del
Sol espanhola. No regresso, passaremos rapidamente pela Costa da Luz.
Voltaremos a acampar mas os critérios de escolha são agora mais exigentes face
aos anos anteriores.
Desta vez, queremos estar sossegados e não ouvir motos a entrar em parques de campismo às duas da manhã com escapes estridentes. Por isso, escolhemos acampar fora dos núcleos turísticos com maior procura mas em parques onde o preço já era um factor de diferenciação.
Mesmo assim, o orçamento era controlado "à peseta". Sabíamos no final de cada dia quanto havíamos gasto. Além de orientarmos o orçamento, ficávamos com o registo dos preços de alguns produtos hoje, sabemos que se almoçava por 2 euros, e que o bilhete de barco para Ceuta não chegava a 10 euros - mas também, de modo a podermos compará-los mais tarde com os praticados em Portugal.
Desta vez, queremos estar sossegados e não ouvir motos a entrar em parques de campismo às duas da manhã com escapes estridentes. Por isso, escolhemos acampar fora dos núcleos turísticos com maior procura mas em parques onde o preço já era um factor de diferenciação.
Mesmo assim, o orçamento era controlado "à peseta". Sabíamos no final de cada dia quanto havíamos gasto. Além de orientarmos o orçamento, ficávamos com o registo dos preços de alguns produtos hoje, sabemos que se almoçava por 2 euros, e que o bilhete de barco para Ceuta não chegava a 10 euros - mas também, de modo a podermos compará-los mais tarde com os praticados em Portugal.
Este ano, em que
vamos passear mais perto de casa, o orçamento está mais orientado para algumas
despesas extra e um passeio especial. E também para a
hotelaria. Estaria desnorteado para outros consumos, sobretudo algumas compras de oportunidade, os derradeiros "já agora".
Quando não
acamparmos, a opção foi para pernoitar num hostal, como será o caso de Córdoba. Em Marbella,
escolhemos ficar duas noites num apartamento com dois quartos e mais uma ou
duas num parque de campismo. Acamparemos também a seguir a Málaga e no regresso
em Portugal.
Estamos no Verão,
está calor, a dia nasce cedo e o sol continua ser motivador e guia da viagem. O
percurso, esse, com a auto-estrada portuguesa a terminar em Setúbal, vai para
mais de quinhentos quilómetros, caso queiramos cumprir o planeado de ficar em Córdoba no primeiro dia
de viagem.
É para lá que
vamos. Para conhecer a cidade, bem como para experimentar o calor nas estradas da Andaluzia. Não levamos
nada marcado. Estimámos que Córdoba enquanto cidade de interior não deva ter muitos
veraneantes. Para nós, a urbe é uma estreia, tal como as estradas que para lá
vão desde Zafra.
A velha Honda CB
750 ainda estava “p’rás curvas”. Sabemos que vai
estar bastante calor, e muita gente na Costa do Sol, que os preços
sobem no Verão, que o Mediterrâneo não é sítio para dar grandes mergulhos, que
a noite tem muito para onde ir. Sabíamos mais, porque já lá havíamos estado por
duas vezes.
Levávamos connosco
o Manuel e a Cila. Eles iam numa CB 750 F1, uma versão melhorada da CB 750F,
com idêntica autonomia, mais recente e aperfeiçoada, como fossem as suspensões,
os travões, o banco, a potência. Também dispunha de malas Krauser, iguais às nossas. Até o suporte das malas era igual. Não íamos sozinhos…
Estávamos a 15 de
Agosto. Saímos já o sol iluminava o dia. Os prédios da primeira fase de Massamá
cresciam lentamente ainda envoltos em campos de trigo que estavam a prazo. Ainda não
havia IC19 ou A5. Íamos pela estrada de Sintra, apanhávamos os “Cabos D’Ávila”
e entrávamos para a Duarte Pacheco. Só depois desviávamos para a “ponte”. Mal
entrávamos no tabuleiro estávamos em férias.
Fizemos uma
primeira paragem em Montemor-o-Novo, bebemos café a e relembrámos o trajecto
através do mapa. Naquela altura, o cabedal ainda dominava. Dizíamos que o calor
demorava a entrar e, uma vez lá dentro, era muito difícil sair. Todavia, a
precaução ultrapassava o desconforto.
Montemor-o-Novo |
Parámos logo a
seguir à fronteira para efectuar o seguro da praxe, e lá ficaram mais 940
pesetas, mesmo considerando que no papelito constava a vila onde devia estar a
rua, e o valor cobrado não ter sido igual ao valor registado. Tinha validade de 15 dias, tantos quanto os que esperávamos passar
em Espanha.
Abastecemos logo
após e ainda fizemos outra paragem para nos forçar a acreditar na realidade:
antes de almoço, o calor já se instalara de tal ordem, que as (raras) sombras e
o streap tease não tardaram em ser adoptados como tentativa de evasão daquele
tormento.
Exceptuando a
paragem para almoço, ainda fomos obrigados a verificar o que se passava com o
suporte das malas da F1. Confirmamos que estava partido, pelo que tivemos de
resolver o problema com uma pequena barra de ferro e recorrer à famosa fita
isoladora.
Levámos a moto para a sombra das casas baixas no início de uma povoação, desmontámos as malas, fixámos o suporte, voltámos a montar as malas e lá foi mais meia hora de serviço. Fizémo-lo a caminho de...
Trabalho extraordinário no suporte das Krauser |
Chegámos à cidade
ao fim da tarde, a tempo de procurar lugar para pernoita. Apesar de levarmos
tendas e sacos-cama, seria demasiado incómodo irmos para um parque de campismo,
sobretudo porque Córdoba escaldava. Optámos por ficar num hostal, próximo do
centro histórico e do rio.
Quarto com vista para o estacionamento |
O que escolhemos
tinha várias particularidades curiosas: um pátio muito simpático, onde estava
sempre uma bilha com água fresca; dois quartos com ligação, mas para aceder ao
segundo era preciso entrar e passar pelo primeiro; um terreno de estacionamento quase
privativo para as motos. Por isso tudo, e para duas noites, deixámos lá mil e
duzentas pesetas por casal.
Sabíamos que
visitar Córdoba nesta altura era uma tarefa árdua de calor. Mas não sabíamos
que seria neste ano de 1984 que o centro histórico da cidade seria considerado
património da Humanidade pela Unesco. E era mesmo o centro histórico que
procurávamos como ponto de visita obrigatória.
Jardins do Alcazar |
Por isso, à noite,
avançámos ainda sem qualquer orientação que não fosse a sinalização turística. Andámos
à volta da mesquita, fomos à ponte romana, mas só no dia seguinte percebemos a
estética e a respectiva dimensão. Nesta noite, ficamos mais surpreendidos pela
Porta do Poente.
Trata-se de uma
construção do século XVI que fazia parte das muralhas que rodeavam a cidade e
foi edificada para homenagear o rei Filipe II que visitou a cidade naquela
altura. A porta estava bem iluminada, mas os holofotes não facilitavam as
fotografias.
Passámos ainda
próximo da mesquita, continuámos no centro histórico através das ruas estreitas
e fomos ficando com a ideia de que toda a acidade estava confinada aquelas
paredes brancas, aquelas vielas, à luz amarela que tudo inundava. Mas também
existia uma…
Acordámos cedo com
a ajuda de uma luz imensa que entrava pelo intervalo dos típicos estores de
madeira espanhóis. Uma das primeiras surpresas com que nos deparámos no dia
seguinte, ao pequeno-almoço, foi a mudança quase radical de ambiente, entre a
zona onde estávamos e meia dúzia de ruas para norte.
Agora, apareciam
avenidas, lojas, centros comerciais, os Preciados do costume, as esplanadas,
muita gente na rua, aquela barulheira tão típica do estar espanhol. Jugámos que
havíamos deixado a Córdoba que tínhamos imaginado, visigótica, romana, árabe,
católica. E nós, que vínhamos fascinados para visitar a…
Reorientámos a nossa
bússola para o centro histórico e voltámos à mesquita. Compramos duzentas
pesetas de bilhetes e fomos entrando. Da claridade agreste que nos cercava na
rua, passámos ao crepúsculo do interior do templo. Voltámos a acreditar que
estávamos em Córdoba.
Tecto da mesquita |
De um lado, envolvia-nos
agora uma atmosfera bicolor proveniente das múltiplas arcadas e colunas que
sustentam o tecto. De outro, éramos sitiados pelos dourados e verdes-água das
cúpulas, de outro ainda rodeados pelos mármores rosa e azul para, logo após
estarmos perante a rudeza da pedra e do tijolo.
Mais à frente,
percebemos que, dentro do mesmo espaço, coexistem diferentes estilos arquitectónicos
e religiosos. Da época islâmica é o período do califado Omíada mais representado, da época
cristã estão lá o visigótico (pouco, ainda antes do islâmico), o gótico, o
renascentista e o barroco.
Torre da catedral de Córdoba no complexo da mesquita |
Com efeito, a
primeira edificação religiosa no local era uma basílica visigótica que chegou a
ser partilhada após a conquista árabe da península. Depois, a mesquita foi
construída sobre as ruínas daquela. A partir de meados de 900, logo a partir do
primeiro califado al-Andaluz, a mesquita sofre intervenções de Abd al Rahman,
Almançor e, mais tarde, de Al Haken.
Da penumbra interior, passámos à claridade extrema do exterior. Outro local alterado por diversas vezes é o Pátio de Los Naranjos, antes com minarete e galerias. O primeiro foi destruído ainda pelos árabes e as galerias foram alteradas para claustros durante o século XVI.
Da penumbra interior, passámos à claridade extrema do exterior. Outro local alterado por diversas vezes é o Pátio de Los Naranjos, antes com minarete e galerias. O primeiro foi destruído ainda pelos árabes e as galerias foram alteradas para claustros durante o século XVI.
Mais, ninguém
diria que, dentro das paredes da mesquita pudesse existir um pátio com mais de
cem metros de comprimento. Sob o pátio há uma cisterna que fornece água para a
zona de abluções. Ainda é possível reconhecer uma coluna de origem visigótica,
decoração de origem moçárabe, duas fontes e duas portas com arcos de ferradura.
Também ninguém diria que havia uma…
Antes de sairmos
para o pátio e subirmos à torre da catedral, descobrimos a catedral. É
estranho, não é? Uma catedral dentro da mesquita… mas, nem tanto. Os espanhóis
não foram tão radicais como os portugueses na questão da reconquista. Enquanto
os nossos antepassados pouco de árabe deixaram de pé, os espanhóis conseguiram
preservar muito daquele legado.
Foi já no século
XVI que a catedral começou ser erigida no interior da mesquita. O que admira
desde logo é a mudança na arquitectura: a planta de cruz latina, os arcos
góticos e barrocas e ainda a cúpula renascentista, bem como o cadeiral de
concílio quase negro, contratam com os arcos de ferradura e as corres quentes
da arquitectura islâmica da mesquita.
Estou em crer que
nesta data o Guia Breve de la Mezquita Catedral de Córdoba ainda não registava
a nomeação para Património da Humanidade, que incluía não apenas a
Mesquita/Catedral, mas também abrangia a Sinagoga, a Ponte Romana, o bairro da
Judiaria e o…
…
ALCAZAR DOS REIS CRISTÃOS
Saímos da mesquita
e percorremos a marginal do rio durante uma dezena de minutos. O Alcázar dos
Reis Cristãos não fica longe do Guadalquivir, o rio que banha Córdoba.
Continuamos no medieval, agora por apenas cinquenta pesetas. Na década de setenta do século XV os árabes ainda resistiam no reino de Granada. Foi nesta altura que os réis católicos, Isabel e Fernando, decidiram iniciar uma campanha militar contra o que seria o último reino muçulmano da Península Ibérica.
O Alcázar tornou-se então no centro nevrálgico da conquista de Granada.
Porém, após a capitulação árabe,
o que era um palácio-fortaleza que ainda encerrava vestígios de arquitectura
romana, visigoda e árabe, passou a acolher o Santo Tribunal da Inquisição.
O que mais surpreende
hoje é a beleza do desenho e da decoração dos jardins, os pátios e ainda as
cúpulas góticas em pedra. Depois, são os banhos árabes, um salão coberto de
mosaicos. Quando voltamos aos pátios, o de estilo mudéjar é o que mais
admirado.
Deixámos o templo
romano para outra oportunidade e passeámos durante largo tempo nas margens do
rio. À noite, jantámos na Mesón D. Manuel, muito próxima do hostal, um tablao
flamenco a cujo espectáculo assistíamos pela primeira vez. Era a nossa última
noite em Córdoba. No dia seguinte, seguiríamos…
O calor
mantinha-se embora conforme fossemos andando a caminho do mar a temperatura
fosse baixando. Como não partimos cedo, a meio da manhã o calor já se tinha
instalado nos campos dourados da Andaluzia, que mostravam povoados brancos
alcantilados em pequenos morros…
…ou desvendavam
velhos castelos em contraluz, rodeados de searas pintadas em largos pedaços
como se fossem mantas enormes, tapetes colossais coloridos com as cores de
Verão, para raramente se descortinarem algumas árvores a ladear a estrada ou a
pontear um outeiro.
Parámos por
diversas vezes para tentar dispersar o calor, quer em cimento, quer pleno campo
à sombra das árvores, quer em postos de abastecimento, quer nas pequenas
localidades por onde íamos passando. O ambiente, porém, era árido e a rara
vegetação que cobria a planície e as poucas colinas deixava ver o solo
pedregoso.
Foi quase um dia
inteiro para chegar ao mar. Neste dia, andámos devagar. Não recordo qual foi
exactamente o percurso mas, calculando-o através dos slides, a opção de parar
na zona costeira aconteceu apenas no regresso de…
Havíamos combinado
acampar nesta noite e na seguinte. Escolhemos o parque de campismo, “Las
Gaviotas”, situado perto de Adra, numa colina sobre o mar, com uma passagem
subterrânea sob a estrada marginal, que dava acesso directo à praia.
Tinha uma subida a quase 45º até à recepção, com alguma gravilha que continuava para o interior do parque, não possuía grandes instalações sanitárias, nem um restaurante de jeito, tinha uma hora de entrada de veículos muito conservadora. Se não fosse a proximidade da praia...
Tinha uma subida a quase 45º até à recepção, com alguma gravilha que continuava para o interior do parque, não possuía grandes instalações sanitárias, nem um restaurante de jeito, tinha uma hora de entrada de veículos muito conservadora. Se não fosse a proximidade da praia...
Montámos as tendas
à sombra, dispusemos as cadeiras de praia como se estivéssemos numa
residencial, revimos o “plano de actividades”, demos dois dedos de conversa,
fomos espreitar a praia e partimos para Adra. Jantámos com alguma esperança de
que o dia de praia almejado se realizasse com sucesso…
Praia do parque de campismo "Las Gaviotas" |
….o que se veio a verificar,
por um lado, com a água excelentemente tépida, mas também com as toalhas
colocadas em cima de um tapete misto de pedras e areia acinzentada,
desconfortável e feiosa. Valeu…
…O
DIA SEGUINTE
Havia sol, muito
sol. Salobreña apareceu no horizonte bem iluminada, numa colina alva junto ao
Mediterrâneo. Os acessos estavam superlotados. Parecia que toda a gente ia visitar
alguém na localidade. Continuámos, agora mais longe da costa tentando evitar as
praias.
Salobreña |
Entretanto, a
estrada ora ia junto ao mar, ora subia as colinas. Nesta altura, não nos
apercebemos da quantidade de estufas que trepavam os montes e que hoje fazem parte
da paisagem da região . Talvez não estivéssemos focados nesse cenário, mas não me lembro daquele panorama de plástico que hoje domina as colinas da zona.
Aliás, era mais o
recorte da costa e as pequenas aldeias brancas do percurso que já nos tinham
motivado em anos anteriores que, agora, nos voltavam a despertar os sentidos.
Uma delas era…
Havíamos
percorrido esta estrada em 80 e em 81. No último ano, tínhamos deixado um
companheiro de viagem, alemão com uma Z650, em Nerja. Disse-nos que os
compatriotas apreciavam a localidade. Fomos até lá, o que se revelou uma
excelente surpresa.
Parámos as motos
praticamente em pleno Balcón de Europa, um promontório panorâmico antecedido
por um jardim com palmeiras. Dessa “varanda”, o panorama era magnífico, quer
para a povoação quer sobre as falésias e as pequenas praias das quais não me lembro terem a água tão límpida como há sensivelmente quatro anos quando visitámos Nerja de novo.
No Balcón de Europa |
O centro de Nerja é muito simpático, com ruas estreitas e casas baixas, muitas lojas com produtos
variados e peças de decoração coloridas, tão típico dos lugares do sul. Também há hotéis, restaurantes e esplanadas muito próximo do promontório. Os
preços, esses, sobretudo os das ementas, e mesmo com restaurantes quase de
porta em porta, revelavam-se acima da média.
Saímos para a “nacional”,
almoçámos algures e continuámos a divisar o Mediterrâneo, ora por cima dos
telhados ora quase a tocar na água. Perto de Málaga o trânsito aumentou
praticamente no sítio onde em 81 havia ficado com o carter quase seco. Chegámos
cedo, e só já conhecemos…
Tínhamos reservado
(e pago) um apartamento – Las Palmeras - com dois quartos, uma sala e uma
pequena varanda ainda com vista de mar na parte alta da vila. O apartamento
permita-nos estar a cerca de um quilómetro das praias de Marbelha e mais perto
ainda da zona histórica da urbe.
Tínhamos seis dias para conhecer melhor a região. E ainda para dar um pulo a Ceuta. Era esse o extra da viagem que não sabíamos ainda se seria concretizado. Começámos perto a explorar desde a antiga de Marbelha até à zona da pequena marina que ficava praticamente a lado das praias centrais da cidade.
Tínhamos seis dias para conhecer melhor a região. E ainda para dar um pulo a Ceuta. Era esse o extra da viagem que não sabíamos ainda se seria concretizado. Começámos perto a explorar desde a antiga de Marbelha até à zona da pequena marina que ficava praticamente a lado das praias centrais da cidade.
Andámos nas ruas
estreitas da zona histórica, espiolhando as inúmeras lojas (abertas até tarde), que preenchem o rés-do-chão das casas de poucos andares que vão da rua principal até ao
castelo. E ainda bebemos um copo na Plaza de los Naranjos, uma praça
relativamente pequena na zona histórica, plena de esplanadas e de laranjeiras.
Lojas abertas à noite na zona histórica |
Fizemo-lo devagar.
Começamos pela vizinhança, passando pelas urbanizações de férias contíguas à
água, a caminho de Torremolinos, sondando a hipótese de lá voltarmos numa próxima
oportunidade. Não resultou. Voltámos a Marbella há poucos anos, mas não ficámos na "velha" Torremolinos.
Por tal,
continuámos à vista do mediterrâneo, serenamente pela marginal que leva a
Fuengirola. A dado passo, vimos uma muralha no cimo de uma colina. Levámos para
lá a moto e estacionámos com uma panorâmica ímpar. Devia ter tirado um slide do local. Era como estar na
proa de um navio a abraçar o mar. O filme chegou anos depois…
Na altura, nem
sequer sabíamos onde estávamos. Aliás, a muralha era uma ruína não assinalada e
o lugar estava deserto. Tratava-se então do castelo de Sohail, construído no
século X, pelo califa de Córdoba, sobre o que terá sido a cidade romana de Suei
ou Suelitânia.
Muralha do castelo de Sohail, hoje reconstruído |
Não havia dúvida
de que há mais de dez séculos, fenícios, romanos, cartaginenses e muçulmanos
sabiam escolher lugares de sonho para erguer fortalezas ou simples lugares de
vigia. Dali, a vista ia e vinha facilmente ao mar, depois alargava-se para um lado e para
outro da costa e ainda voava pelas encostas das falésias mediterrânicas.
E o êxtase
panorâmico não se sentia apenas a partir daquela colina. Assim que começávamos
a subir os penhascos que bordejam a costa, a paisagem estendia-se ainda mais sobre a planície costeira e ao longo das vertentes pétreas que levam olhar a
percorrer dezenas de quilómetros. Quando se chega a…
A mais de quatrocentos metros acima do nível do mar, o cenário é deslumbrante. Mas não só. O sítio encanta pela paisagem mas também fascina pelo gosto das decorações urbanas, pela arquitectura das casas e pela alvura das fachadas que contrasta com o cinzento dos penhascos.
Panorama desde Mijas, ao fundo o Mediterrâneo |
As casas trepam a
vertente como de relva branca se tratasse. As ruas são estreitas, também para
se defenderem do calor e do sol, percebendo-se imediatamente a herança árabe. Possui no entanto uma praça central grande, na altura cheia de
gente, onde todos chegam e de onde todos partem.
Descobrimos ainda
pequenas praças floridas, espreitámos o interior de uma quantidade de lojas de
decoração e artesanato, visitámos dois ou três miradouros. Às tantas, estávamos
dentro de uma pequena praça de touros, alcantilada na ponta de um penhasco.
Mijas tinha uma
atmosfera cosmopolita que se notava sobretudo nos cafés e nas lojas. Havia mais
estrangeiros do que espanhóis a deambular. Na rua, não se notava tanto barulho
como em outros lugares. O sol ilumina as fachadas como se mil holofotes
estivessem para ali apontados. Continuamos para…
São mais cerca de
vinte quilómetros, mas mais de meia hora para lá chegar. O trânsito torna-se
muito lento por volta de Fuengirola e arrasta-se até Benalmadema em filas de
carros que avançam em pára-arranca. Refugiámo-nos perto do mar durante algum tempo e até estacionámos à porta do Casino de Benalmadema.
Entrada do Casino Torrequebrada, em Benlamadema |
Ao chegar a Torremolinos, deixámos a moto e
fomos a pé até ao Barrondillo, uma das praias mais conhecidas da zona. Trepámos até ao Bar Inglês e demos um passeio pela zona da "Vaca Sentada". Quando
voltámos tínhamos um convite no banco da moto que nos desafiava a irmos a casa de amigos.
Eu tinha uma vaga
ideia, mas não me lembrava onde ficava exactamente a casa. Por tal, jantámos na
zona central, perto de onde havíamos estacionado a moto, e esperámos que eles
viessem beber café “cá abaixo”. E, claro que vieram. Estivemos juntos até às tantas da noite envolvidos pela habitual cálida temperatura nocturna.
Com amigos, em Torremolinos |
Não me recordo de
termos entrado em discotecas em Torremolinos. Contudo, na lista de despesas – é
verdade, até havia tempo para tomar nota da contabilidade! – aparecem mil e
seiscentas pesetas antes do item, “boite”.
É muito possível que tenhamos entrado no Piper's que, neste ano, aparecia como "New". mas não devemos ter lá estado até de manhã, uma vez que, no dia seguinte, era a vez de conhecer…
É muito possível que tenhamos entrado no Piper's que, neste ano, aparecia como "New". mas não devemos ter lá estado até de manhã, uma vez que, no dia seguinte, era a vez de conhecer…
Regressámos à zona
histórica. As ruas estavam agora quase vazias, excelentes para andar à vontade e
à procura de uma ou outra recordação. Hoje andaríamos a pé e percorreríamos todas as ruas.
Na caminhada, entre outras coisas, encontramos uma “Varanda da Virgem” e um “600” vermelhão.
O centro histórico
não é muito grande, mas as lojas são deveras atractivas. Nas ruas, havia muitas
flores coloridas em vasos no chão e nas paredes, que contrastavam com o branco
das fachadas. Aqui e ali, havia arbustos e trepadeiras, muitas buganvílias que, apesar da secura do ambiente, iam escalando as fachadas das casas.
Marina de Marbelha |
O resto do dia foi
dedicado à zona da marginal de acesso às praias, embora ainda tenhamos estado
sentados na avenida principal, por onde passava todo o trânsito que vem de
Málaga para Cádiz. Havia sempre movimento. Era certamente a mais poluídas das
avenidas da cidade.
Explorada a zona pedestre
marginal à praia e a área da marina (que não é extensa), o dia seguinte foi
dedicado à experiência de tomar banho em plena Marbelha. Má prática, aliás.
Como se não bastasse a inexistência de ondas, pareceu-nos que aquele “caldinho”
tinha mais objectos a boiar do que o rio Jamor.
Praia de Marbelha, La Venus |
A temperatura da
água aproximava-se da de um banho de imersão caseiro, estava muita gente nas
praias, mas poucos nadavam. Havia muitos estrangeiros, talvez por isso as
pessoas na água apenas estivessem a conversar ou simplesmente a refrescar-se.
Simpatizámos com o
ambiente, cálido, cosmopolita e calmo, mas não gostámos da água. Parecia estar
engordurada e tinha demasiadas coisas em suspensão. Talvez fosse melhor ir
tomar banho a outro lado. E não voltámos a pisar a água do mar em Marbelha.
Por isso, no dia
seguinte, voltámos a andar de moto. Passámos pelo Puerto Banús, andámos nas
imediações entre chalets, urbanizações turísticas e hotéis de luxo. Subimos e
descemos um troço na montanha a caminho de Ronda e regressámos ao apartamento. Já
conhecíamos (quase) tudo dos anos anteriores.
Última noite em Marbelha |
No dia seguinte, iríamos tentar descobrir uma praia decente e sítios novos. Saímos cedo de Marbella e não
chegámos a percorrer cinquenta quilómetros. Ultrapassámos São Pedro de
Alcántara, depois Estepona e parámos pouco antes de La Chullera. Nas duas próximas
noites, ficaríamos no…
…CAMPING
LA BELLA VISTA
Aqui, a água da
praia já era aceitável. A temperatura, o espaço e a limpeza valiam a pena.
Tínhamos praticamente a praia toda para nós, bem como uma quantidade de algas à
ordem, prontas para obsequiar qualquer selvagem que aparecesse.
No parque de
campismo havia sombras, pouca gente, muito espaço para montar a tenda e armar
as cadeiras. O dia seguinte, passámo-lo na praia, ora dentro de água, ora a ler, ora a
espiolhar o que se passava à nossa volta.
Foi aqui que
revimos o programa para o tal passeio especial. Ouvíamos falar, mas nunca
ninguém nos havia descrito a cidade nem incentivado a ir. Sabíamos que os
portugueses do início 500 a haviam conquistado, mas pouco sabíamos como estava
hoje…
Partimos do parque
de campismo ainda de noite. À medida que íamos avançando e o dia ia surgindo
atrás de nós, o céu ia-se tornando rosado, um cor-de-rosa que eu nunca tinha
visto, uma claridade rosácea tão serena como deslumbrante.
Vislumbrámos
Gibraltar já com essa aura rosada. Em Algeciras, onde apanhámos o barco, o céu
também parecia coberto por um véu cor-de-rosa que, daí a pouco, se foi
alaranjando. Quando entrámos no barco, parecia que o nascer-do-sol havia
acontecido àquela hora.
Ainda fomos de
moto ao porto perceber onde as iríamos deixar. Aconselharam-nos uma garagem
onde ficariam mais seguras. E assim foi, deixamos blusões e capacetes nas malas
das motos e fomos o mais leve possível para o barco. Esperámos pela saída
deitados nas “butacas” do convés superior a apanhar os primeiros raios de sol matinais.
Era a primeira vez
que pisávamos África, embora fosse um território espanhol. Contudo, íamos
sobretudo pelo “tax free”. Já havíamos ouvido falar dos preços competitivos que
se praticavam no enclave. Aliás, em Espanha, era assim em todas as nesgas de
terra “entaladas” entre países - Andorra, Gibraltar - os preços eram
tentadores.
Como não tínhamos
preparado o passeio, deambulámos ao sabor da estética e da facilidade de
acesso, uma vez que desde o porto se trepava até ao centro e mais se subiria se
quiséssemos ir à Península de Santa Catalina. Ficámos pela zona histórica
central, onde se erguiam as Muralhas Reais, mas também onde havia mais lojas.
Essa facilidade deu como resultado ter na mochila, ao fim de algum tempo, um teleconversor e um filtro para a máquina fotográfica, que ficaram por cinco mil e seiscentas pesetas. Mais à frente, foram dois blusões de cabedal que trocamos por mais dez mil pesetas. Um rolo fotográfico depois, dávamos por terminada a incursão na zona das compras.
Essa facilidade deu como resultado ter na mochila, ao fim de algum tempo, um teleconversor e um filtro para a máquina fotográfica, que ficaram por cinco mil e seiscentas pesetas. Mais à frente, foram dois blusões de cabedal que trocamos por mais dez mil pesetas. Um rolo fotográfico depois, dávamos por terminada a incursão na zona das compras.
As impressões sobre
a cidade não foram muito agradáveis na altura. Visitámos um mercado onde a
carne que estava pendurada atraía moscas como o mel encanta abelhas, passámos
por alguns prédios de fachadas mal cuidadas, andámos em ruas com mau aspecto.
Não ficámos adeptos.
Passagens marítimas
– quase quatro mil pesetas – e um dia de garagem por quatrocentas pesetas,
também não ajudaram a melhorar a ideia que trouxemos de Ceuta. Hoje, um bilhete
de ida e volta para Ceuta ou Tanger custa cerca de 120€, seis vezes mais do que
em 1984.
Gibraltar |
Regressámos a
Algeciras e fomos buscar as motos à garagem. Voltámos a Alcorrin e ao camping
Bella Vista onde chegámos já de noite. Eram cerca de quarenta quilómetros quase sem trânsito.
Jantámos no restaurante do parque de campismo. No dia seguinte, iríamos…
Neste dia, tínhamos
cerca de quinhentos quilómetros pela frente. Voltámos a vestir os fatos de
cabedal e daí a pouco o calor instalou-se como habitualmente. Parámos duas
vezes, pelo menos, até Cádiz, uma para reabastecer o depósito e outra para
reabastecer o estômago.
Entrámos em Cadiz
pela longa avenida que leva à zona antiga, uma recta com quase dez quilómetros,
ladeada por prédios que escondem outros tantos quilómetros de praias. Como não
sabíamos da existência de um centro histórico, parámos na área mais moderna da
cidade mas também a menos aprazível.
Cádiz |
Bebemos um café,
comemos qualquer coisa e partimos a caminho de Sevilha pela auto-estrada. Anos
antes, ainda no final da década de 70, tinha sido obrigado a parar na berma
para proteger os olhos da extrema luminosidade do piso, uma vez que era
pavimento com cimento muito claro.
Auto-estrada Cádiz-Sevilha |
Separámo-nos da F1
em Sevilha. Nós optámos pelo Alentejo e eles por entrar em Portugal através do
Algarve. Fomos seguindo ao ritmo do calor local e aguentámos a cadência até
Aracena. Aqui, porém, andámos propositadamente à procura de sombras, que só encontrámos
perto de uma pequena igreja.
Estávamos a meio
da tarde os pássaros ou não voavam ou faziam-no baixo. Não havia uma única
brisa e o sol mantinha-se impiedoso. Mesmo assim, ainda conseguimos tirar fotografias
na zona antiga, depois de nos sentarmos durante bastante tempo nos degraus da porta
das traseiras da igreja.
Igreja do castelo de Aracena |
Felizmente tal não
aconteceu e chegámos a Vila verde de Ficalho sem qualquer vestígio de ter
existido um churrasco no carter. Registámos a passagem pela fronteira em
fotografia e continuámos para Beja. Este foi o último slide da jornada. Não sei
se o rolo comprado em Ceuta não estaria nessa altura praticamente esgotado.
Fronteira de Vila Verde de Ficalho |
A verdade é que
esse fim do dia ficou memorável, sobretudo ao jantar, quando a sede se sobrepôs a um
branco alentejano capaz de ressuscitar um morto. A odisseia teve ainda passagem
por Vila Nova de Milfontes, antes do regresso a casa no dia 31 de Agosto. Já lá
vão trinta e dois anos.