Embora a ideia da
Gulbenkian seja dos últimos anos da década de 50, as obras do jardim decorreram
de 63 até ao final da década de 60. A ideia do(s) edifício(s) surgiu dos arquitectos,
Ruy Athouguia, Pedro Cid e Alberto Pessoa. O(s) jardin(s) foram projectados
pelos arquitectos paisagistas, António Viana Barreto e Gonçalo Ribeiro Telles.
A Gulbenkian, que
parece ser o que se vê – e o que se vê é admirável – é mais do que se vê, é
mais do que o que está à vista. É também o que não se vê. Parte do está oculto,
parte do que está encoberto, do que está em outra perspectiva, do que lá está
para quem procura, do que lá existe para ser utilizado ou simplesmente estar à
mercê do tempo.
A natureza e a
cultura foram e tem sido importantes protagonistas na vida do jardim. O relevo
– modificado para criação de um lago e do anfiteatro -, as espécies vegetais
implantadas – componentes arbóreas e florais -, os espaços aquíferos - o lago e
os riachos, por exemplo -, foram criados também com a ideia de intervenção
posterior, de uma renovação que os reinventasse.
É desse diálogo
continuado entre a criatividade dos projectistas e os elementos naturais que
fazem o jardim, que o espaço se tem reanimado, aliando o crescimento da
vegetação, bem como a introdução de novas espécies, a renovadas propostas de
configuração e inserção de espelhos de água ou novos percursos pedestres.
Esses renovamentos
são mais ou menos perceptíveis, como seja uma das últimas intervenções datada
do início do século XXI, projectada pelo arquitecto paisagista Ribeiro Telles.
O que talvez não seja/tenha sido, tão notório, é o que, sendo inicial,
dificilmente se detecta, poucos sabem que existe.
Como seja, um dos
mais espaçosos parques de estacionamento de Lisboa. Ou as instalações dos
serviços médicos e sociais da Gulbenkian. Onde estão, que se não veem? E o
edifício do museu, que nem sequer se vê do exterior! E as raízes das árvores,
espetam-se no telhado do parque de estacionamento? Há muito que se não vê e
muito que se desconhece.
O que se percebe
imediatamente é a estreita relação entre os jardins e o edifício, entre o
exterior e o interior, entre o dentro e o fora, entre o exterior e os seus
próprios reflexos. E, se não bastasse os vidros com efeito de espelho, também
os objectos decorativos andam num vai e vem entre o jardim e os átrios e
vice-versa.
Esferas e cubos
ondulam de dentro para fora, enviando-nos os sentidos de um lado para outro.
Provavelmente para não nos limitarmos à “ilha”, para nos estendermos para fora,
para nos imiscuirmos no interior do edifício, para dialogarmos constantemente
com a natureza e com a cultura.
Estando onde
estivermos, só muito perto dos edifícios os vemos e percebemos a sua dimensão.
Se nos afastarmos, parte ou a maior parte deles ficam ocultos pela vegetação ou
pela inserção em plano diferente. Desde o monumento a Calouste Gulbenkian, o
edifício de 125 metros de comprimento parece ter pouco mais de uma trintena e
dos quatro pisos acima do chão apenas se notam dois.
Grande parte dos
edifícios da Gulbenkian está oculta. O parque de estacionamento – onde é
possível estacionar camiões TIR – é um exemplo. Outro, é o dos gabinetes
médicos e área de acção social, que também se encontram abaixo do jardim. Estes dois exemplos são desafios de pesquisa, quase de investigação.
É que, se há, pelo
menos, um piso abaixo do jardim, como é que é possível existirem árvores, ou
melhor, como é que as raízes das árvores não furam o tecto desse piso? A solução
arquitectónica não se vê. Mas está lá. E é simples. Uma espécie de labirinto,
uma rede de betão – com cerca de 80 centímetros de altura – que vai conduzindo
as raízes entre o tecto do parque de estacionamento e a base do jardim.
Engenhoso, não é?
Outro conceito que
está associado ao jardim é o da extensão, do aumento do espaço através de
superfícies com efeito de espelho, com efeito de ampliação da “ilha”. Para além
dos vidros com uma tonalidade que lhes permite reflectir o exterior, para além
também do lago maior e do pequeno lago, há agora mais espelhos de água.
Espelhos de água duplicam o ambiente e servem de fonte aos pássaros |
Entretanto, o
jardim ora se “abre”, ora se “fecha” sobre si, mostrando clareiras ou
escondendo betões. Para tal, conta também com a vegetação, com uma panóplia de
espécies arbóreas que vai modificando a paisagem à medida que se avança no
jardim, em contínuo diálogo com a água e com os edifícios.
Em redor, a
Gulbenkian tem hoje dois eixos viários que lhe violam a tranquilidade. Mas a
“ilha” mantém uma cintura de árvores e arbustos que a abrigam do exterior,
defesas que não são sendo radicais ocultam e abrigam o ambiente interior.
A Avenida de Berna está ali a meia dúzia de metros... |
Há espaços onde
sabemos da presença do betão, ali muito próximo que quase podemos tocar-lhe.
Mas não vemos, ou notamos por instantes. É possível estar pertíssimo do lado
poente do museu, cuja envergadura deve andar pela vintena de metros de altura e
mal o percebemos.
É sobretudo a
vegetação que tem esse papel dialogante entre os espaços, essa tarefa de
proteger e tranquilizar o olhar sobre o betão. Mesmo quando este está muito
exposto, a flora anda pelas janelas, pelos alpendres, pelas varandas, estendendo-se
sobre os cinzentos dos edifícios.
A vegetação parece fazer parte do edifício |
Outros pontos
referenciais no jardim passam pelos recantos, que possibilitam mais privacidade
em diversos íntimos do jardim. Muitas vezes, são locais sem outra saída que não
seja o acesso único. A folhagem e o desnível do terreno fazem o resto.
A configuração e
ocupação da superfície do jardim junto ao chão contemplam várias opções. As
mais notórias, para além da relva, dos espelhos de água, dos passeios em betão,
das esculturas e dos lagos, são as plantas rasas, muitas e variadas que chegam
a preencher o chão de um minúsculo bosque ou a rodear um pequeno lago.
Cores, texturas,
formas, reflexos e perfumes árvores, dos arbustos e das flores misturam-se,
provocam e encantam. A água chama os animais, sobretudo os pássaros e as aves
aquáticas. As pedras circunscrevem e adornam. As esculturas decoram, ilustram e
celebram. Os passeios conduzem. Os lagos refrescam e embalam.
Pode perguntar-se,
como a propósito de tudo, que inspiração, fantasia ou crença impele os artistas
para a criação, para a invenção de tais jardins. É pergunta obrigatória. A
resposta não é fácil, mas pode ser procurada num poema, no poema nacional, na
saga de Portugal e dos Portugueses.
No início aludi a
uma ilha, à ilha Gulbenkian, uma metáfora útil e, agora, também elucidativa. Camões, há cinco séculos, já havia descoberto uma ilha tão especial que a imortalizou em poesia
E
pera isso queria que, feridas
As
filhas de Nereu no ponto fundo,
D'amor
dos Lusitanos incendidas
Que
vêm de descobrir o novo mundo,
Todas
nüa ilha juntas e subidas,
(Ilha
que nas entranhas do profundo Oceano terei aparelhada,
De
dões de Flora e Zéfiro adornada);
Lusíadas,
Canto IX
A epopeia dos
Portugueses mar fora tem sido muito inspiradora. E sustentável. Foi dessa aventura que
trouxemos o mundo para cá, que elegemos a diversidade como uma das nossas
musas. Percebemos, gostámos e transferimos a variedade ecológica dos outros para nós.
A ilha que Camões
glosa é musa da diversidade, da felicidade e do prazer. Foi nesse sentido que
os paisagistas orientaram o traço que lhes desenhou os Jardins da Gulbenkian.
Estes são uma ode aos Descobrimentos, uma Ilha de Amores que continua a encantar,
a cevar a fantasia dos Portugueses.
Percorremos metade dos jardins, digamos a área que envolve o museu e o edifício-sede. Chegámos ao grande lago já ao fim do dia, quando o sol trepava Monsanto a caminho de Sintra. As sombras vão dominar o espaço, os verdes tornar-se mais pálidos, porém os os espelhos de água vão pratear os reflexos e os pássaros anunciar a noite. Hoje foi assim,
Percorremos metade dos jardins, digamos a área que envolve o museu e o edifício-sede. Chegámos ao grande lago já ao fim do dia, quando o sol trepava Monsanto a caminho de Sintra. As sombras vão dominar o espaço, os verdes tornar-se mais pálidos, porém os os espelhos de água vão pratear os reflexos e os pássaros anunciar a noite. Hoje foi assim,
link vídeo: https://vimeo.com/195815308