segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

PINGUINS 2017


Lisboa, Valladolid, Lisboa. Uma meia maratona. Em Janeiro, sob a frescura do tempo. Pedaços do percurso, da gastronomia, da urbanidade, da noite. De moto, claro. E, evidentemente, com as pessoas, os habituais suspeitos destes devaneios bondosos. 

Pinguins, há muitos. Como nós. E há muito tempo, 55 milhões de anos, muito antes de nós. Há-os de vários géneros, como nós. Possuem uma camada isolante que ajuda a conservar o calor corporal na água gelada. Nós usamos roupa quente e impermeável. 

Há mais elementos em comum, como seja a alimentação, embora nós sejamos mais liberais, e o acasalamento, onde as diferenças não são significativas. Juntam-se em colónias tal como nós nos juntamos em grandes grupos. Caso da Concentração dos Pinguins.

PINGUINS 2005


Já lá vai uma dúzia de anos desta a última vez que havia rumado aos Pinguis. Em 2005, os Pinguins realizaram-se de 7 a 9 de Janeiro, em Boecillo, a cerca de 15 kms de Valladolid. Era a sua 24º Concentração Invernal Internacional. Ouvira falar do evento na lista do Motoclube Virtual, por alguém que já havia estado inclusivamente na congénere alemã, Elephantreffen.
Nessa altura, fui o 12848º inscrito, já noite praticamente, no sábado, 8 de Janeiro. A viagem foi uma espécie de maratona, com partida de Lisboa às 8 da manhã e chegada quase 10 horas depois. Para regressar no dia seguinte. Doze anos depois, haveria um dia de “descanso” de permeio. A ideia era encontrar um grupo de amigos que lá estariam à nossa espera com uma fogueira aconchegante e um farnel apetitoso.
 Pelo caminho, fui encontrando os meus companheiros de estrada, um na área de serviço de Aveiras e outro na de Abrantes. Quase como doze anos depois. Dessa vez, fomos muito pelo prazer de conduzir. Eu, pelo menos, que não gosto muito de temperaturas radicais. Optámos por sair da autoestrada e rumar a Castelo de Vide onde bebemos um café, após rodarmos entre bermas onde o gelo - deve ter sido a primeira vez que vi gelo a tocar o alcatrão - ainda parecia estar para durar. 
Dali, fomos para Valência de Alcântara e depois para Cáceres, onde almoçámos. A seguir, já perto de Bejar, saímos da estrada principal e começámos a trepar. A paisagem esbranquiçou-se à medida que subíamos e o gelo nas bermas fez-nos regressar à estrada principal. A partir de Salamanca entrámos na autoestrada e o nevoeiro adensou-se. 
E foi piorando até que não víamos mais de 20 metros à frente das motos. Saímos para a estrada secundária mas o cenário mantinha-se nevoento.  Parámos e discutimos qual a opção a tomar. Regressámos à autoestrada, fomos para a faixa da esquerda de onde só saímos em Valladolid, directamente para a Concentração.
Estava frio, cerca de 5º ou 6º, nada porém que a enorme fogueira onde se aqueciam já meia dúzia de amigos portugueses não superasse. Nós tínhamos levado alguma comida, mas a que já lá estava superou as expectativas, o que nos levou a ficarmos até perto da uma da manhã, na conversa à volta da fogueira, ao longo das bancas e até a entrar num recinto com música de discoteca.
Mas com a noite chegaram também as temperaturas negativas. Por outro lado, naquela altura, as condições sanitárias sobretudo, estavam longe de ser satisfatórias e decidimos que não seria ali que alguma virose nos apanharia.
Abandonámos o recinto já depois da uma da manhã e chegámos ao hotel Parque, em Valladolid, com um grau negativo. Por 145 euros, dormimos duas pessoas, estacionámos as duas motos na garagem e tomámos um pequeno-almoço satisfatório. Só demorámos algum tempo a sair da garagem através de um elevador que comportava meia dúzia de motos de cada vez. 
Às nove da manhã já estávamos de novo em cima das motos. O frio permanecia. O nevoeiro havia dado lugar ao gelo. Por cima dos espelhos da Pan formara-se uma fina camada de gelo que acabou por derreter depois dos primeiros quilómetros. Desta vez, apenas levava um par de luvas, derradeiramente insuficiente para minorar aquele frio.
O que apenas se rendeu na primeira paragem foi uma placa de gelo que se formou sobre o vidro frontal e a carenage que envolvia o farol, uma “lâmina” com mais de meio metro de comprimento, que se estilhaçou com ruído vítreo assim que parámos para beber o primeiro café do dia.

PINGUINS 2017


Doze anos depois… por volta das oito e meia da manhã, a temperatura andava pelos oito graus. Às nove, cresceu um grau. E ficou por ali até à Covilhã, onde baixou para os seis. Até à hora de almoço, em Vilar Formoso, no Monte Carlo, assim ficou. Mas havia de baixar em Castela e Leão, para menos de zero.
Saí sozinho e juntei-me ao Armando em Aveiras. Na CREL, o vento estava especialmente forte, de nordeste, a esticar as mangas dos viadutos e a temperatura a aconselhar mais um par de luvas. A moto abanou mais do que é costume com o vento habitual. 
Vilar Formoso, à porta do Montecarlo
Parámos e eu reabasteci na área de Castelo Branco, onde ficámos de nos encontrar com o Arlindo. Chegámos praticamente na mesma altura. Demos dois dedos de conversa e bebemos os cafés da praxe. O Armando, que levava a maior bagageira, mostrou-nos que ia precavido com suficiente roupa de neve. Na área de serviço estava pouca gente, como também é habitual. Tal como na autoestrada.
Não fosse um suspeito Toyota branco que entrou na auto-estrada no acesso de Abrantes e saiu logo a seguir, eu não seria ultrapassado nem ultrapassaria mais nenhum veículo até Vila Velha de Ródão. À chegada ao restaurante tínhamos o Abel por companhia. Combinado, não seria tão rigoroso. Parámos no restaurante ao mesmo tempo. Dividimo-nos entre o peixe e a carne e saímos para reabastecer já em Espanha a quarenta cêntimos de diferença por litro.
Na garagem do Olid
A etapa seguinte levou-nos a Valladolid. Não havia muitas motos a circular, mas com a aproximação da cidade, começámos a ver mais e na chegada já se percebia o ambiente. À chegada o passeio em frente ao hotel confirmava que havia “Pinguinos”. Na recepção, idem.

VALLADOLID SUR PISSUERGA

Na garagem, o Pedro andavam às voltas de um upload, de um rebut ou de upgrade, sobre uma geringonça da moto do Toni, uma das 'raras' BMW’s GTL presentes… e conseguiram, enquanto estacionávamos as clássicas num cantinho dedicado às mais idosas.

Com tempo para tudo, sairíamos antes das seis da tarde para dar uma pequena volta pelo centro histórico, estavam seis graus. A noite caiu já depois de termos passado na Academia de Cabaleria e Museu Oriental que ficam no topo norte do jardim do Campo Grande.
Deixámos a rapaziada às compras no Corte Inglés e fomos andando até à Plaza Milenium, logo após passarmos a ponte de Isabel Catolica, uma das muitas que atravessa o rio Pissuerga. Trata-se de um espaço multiusos concebido para eventos culturais paredes-meias com o rio.

Para trás, havíamos deixado a Plaza Mayor, preenchida ainda por carrosséis natalícios, com as fachadas pintadas de encarnado e as galerias habituais em toda a volta excepto no edifício que domina a praça, o teatro Zorrilla.

CENTRO HISTÓRICO E GASTRONÓMICO


Começámos a noite à espanhola, pelas tapas evidentemente. Como chegámos antes deles, ainda havia vagas ao balcão do Herbe para tapear. Às nove e quinze já estavam três graus, positivos, mas a sensação na rua era de gelo. O que não impede ninguém de se fazer aos bares. Como nós fizemos.
Avançámos de novo sobre as ruas estreitas do centro histórico, atravessámos mais uma praça repleta de motos e desembocámos no restaurante “Parrilla de San Lorenzo”, que tem sido um dos pontos altos do périplo gastronómico da cidade. Não há quem não se lembre das habituais referências na lista quando dos eventos anteriores. Aqui, é a carne dos mamíferos que cativa. As propostas andam entre o famoso lechazo, o chuletón de buey e o cabrito. Mas também há alvitres de perdiz e de avestruz.
Herbe, para tapear
Também vale pelo espaço, que se abre num bar e avança por diversas divisões, logo após passarmos pela entrada franqueada da cozinha. Lembra a configuração dos Caracoles, de Barcelona. Nas paredes estão expostas antiguidades, sobretudo no bar que contrastam com enormes e apetitosos presuntos pendurados.
Nas salas de refeição, as paredes estão decoradas com tapeçarias, espelhos antigos e quadros enormes de estilo barroco. Os tectos parecem estar preenchidos com frescos que ilustram temas religiosos, épicos ou mitológicos. O tijolo e a pedra dominam as paredes.
Quando voltámos ao hotel, pouco depois da meia-noite, o termómetro da praça já estava nos zero graus. Mesmo assim, ainda havia uma rapaziada com R’s a animar o espaço com aqueles cagaçais típicos dos escapes de rendimento ajudados por gazadas e burnouts à mistura.

LA LEYENDA CONTINÚA

De Valladolid a Cantalejo são quase cem quilómetros. É aqui que se realiza uma das Concentrações dos Pinguins. Á falta de evento no ano passado, este ano houve dois. Um organizado pelo município de Valladolid e outro pelos organizadores dos anteriores Pinguins.
A temperatura continuava baixa, como se desejava. À saída porém o mercúrio já não estava negativo. Esperamos que o sol aparecesse mas tal não aconteceu. O céu manteve-se cinzento praticamente durante todo o dia. 

Chegámos a Cantalejo pelas onze da manhã e estacionámos a motos na recta que margina o local da Concentração logo a seguir à localidade. Não parecia estar muita gente, aliás porque muitos aproveitam o evento para se deslocarem a Valladolid ou a Segóvia durante a tarde.
Fomos andando ao longo do local da Concentração e aproveitámos não estar muita gente na fila para nos inscrevermos. O meu bilhete tinha o nº 1263. Entretanto, íamos passando pelo cenário habitual do recinto: motos, tendas fogueiras e motociclistas na conversa a tiritar de frio. É esse o leitmotiv do evento: conviver ao frio. 
Após a inscrição a fila duplicara e já estava praticamente na porta de entrada do recinto. Carimbaram-nos o pulso com tinta quase invisível a olho nu, entrámos, pousámos para o ‘stand up’ dos ‘Pinguinos’ e fizemos um périplo pelas lojas do recinto.
Na fila de inscrição, em Cantalejo
Na loja oficial algumas medidas já escasseavam, outras já haviam desaparecido. As lojas não eram muitas e nenhuma se destacava. A calmaria não nos acompanhou durante muito tempo. Meia hora depois, já andávamos fora do recinto a apreciar a panóplia de modelos de motos estacionados.

Apesar de haver motos de todos os tipos, desde big trails a pequenas 125, desde side cars a RR’s, a marca dominate era BMW, sobretudo com os modelos GS, RT e GT, apesar de ainda se verem muitas R algumas bastante antigas. 
Antes de almoço, reinava a calma no recinto e ainda se viam as tradicionais fogueiras e algumas tinham freguesia. Soubemos que estávamos a 695 quilómetros do Estoril e a 800 de Faro, mas apenas a cerca de 50 de Carbonero el Mayor. É aqui que se localiza a Meson de Riscal, especializada em "pura carne de buey, cordero asado y tencas”.
Além da boa qualidade e confecção das entradas e das sobremesas, a carne é realmente saborosa e feita na pedra tem aquele sabor delicioso. A refeição fez esquecer a sensação de frio que o termómetro da Pan comprovava ao marcar 7 graus, faltava um quarto de hora para as três da tarde em Espanha.
No EL Riscal
Do restaurante ao hotel são 90 quilómetros de auto-estrada que terminaram em Valladolid sob os 5 graus que se faziam sentir ameio da trade. Neste dia percorremos duzentos e trinta quilómetros.

VALLADOLID BY NIGHT


A Plaza Mayor voltava a iluminar-se para assitir não só às brincadeiras das crinaças e à passagem dos milhares de tapeadores que por volta do início da noite enchem os bares. Desta vez, também havia escapes a roncar, ratés com fartura e um ou outro burn out menos fumarento.
Teatro Zorrilla na Plaza Mayor
Esta noite, mercê do reabastecimento substancial ocorrido no Riscal, também tapearíamos. Entrámos num dos bares próximo da praça, mas rapidamente optámos só por um rodada de tapas, uma vez que o espaço estava superlotado.
No Herbe, de novo
Ainda entrámos no Vino Tinto, mas também estava a abarrotar. Por tal, voltamos ao Herbe, que sabíamos servir bem, optando desta vez para uma mesa. Aqui, já foi possível trocarmos algumas impressões sobre a agenda do CPEP para este ano, especialmente sobre o Passeio Internacional.
A conversa só ficaria em dia já no Tuba, um Gin Club que ainda repetiríamos nessa noite, situado numa praça gelada mas onde as pessoas não deixavam de chegar em grande número. E no ar  frio era coisa que não desgrudava.

CÁCERES NO REGRESSO


Menos três graus! Foi com este fresquinho que deixámos Valladolid por volta das des e mei ada manhã. Desta vez, a opção foi regressar por Plasencia e Cáceres, mesmo sem a companhia do Arlindo e do Gonçalo, que não quiseram perder a oportunidade de acertar o fim de semana com uma posta transmontana.
Arranquei com o Pedro de Jesus e com o amigo Marco pela auto-estrada que leva a Salamanca, onde chegámos ainda com a temperatura perto da positiva. Próximo de Bejar, cujos cumes estavam nevados, a temperatura voltou a descer para menos de meia dúzia de graus. Poucos quilómetros depois, já com o sol a aparecer em pleno, a temperatura aproximou-se da dezena de graus.
Torre de Bujaco
Era suposto pararmos para almoçar numa área de serviço, mas a preferência virou-se para Cáceres, e entrámos na cidade. Demos uma volta à zona histórica para perceber por onde invadiríamos o "casco antiguo" e arremetemos pela zona exclusiva para residentes.  
Estacionámos perto do restaurante Alma do Sabor e do museu de Cáceres, mas o primeiro estava fechado. Percorremos algumas ruas da zona histórica, também Património da Humanidade - que agora parecem maiores para o Pedro sobretudo do que quando as atravessámos de moto - e descemos até à Plaza Mayor.
Esta é do século XII, data da muralha almoade ainda em excelentes condições. Sentámo-nos no Asador Carlos V e entretivemo-nos com uma parrillada, enquanto apreciávamos a Torre de Bujaco, uma construção árabe com 25 metros de altura, ladeada pela Ermida da Paz.
Reabastecemos à saída de Cáceres e a temperatura passou para mais de uma dezena de graus assim que entrámos em Portugal. Parámos para nos despedirmos na área de serviço de Vendas Novas. Logo após, foi um por de sol excepcional que nos orientou até casa.


O vídeo em https://vimeo.com/201661444