Está
instalado num edifício do século XVIII, onde funcionou a Real Fábrica dos
Tecidos de Seda, em pleno Jardim das Amoreiras. Frondoso e simples, talvez um
pouco escurecido devido às árvores de grande porte que também o escondem, o
museu Arpad Szenes-Vieira da Silva guarda e expõe uma colecção de obras dos
dois autores que cobre a sua produção artística. Além de contíguo ao jardim, o museu é vizinho da capela de Nossa Senhora de Monserrate – coberta pelos Arcos Reais / Aqueduto das Águas Livres – e também confina com a Mãe D’Água das Amoreiras.
Nesta altura tem em exposição temporária, arte vudu. Escultura, sobretudo, proveniente da Colecção Treger / Saint Silvestre, exposta habitualmente em São João da Madeira, no Núcleo de Arte da Oliva Creative Factory e que conta com cerca de mil peças, e uma das maiores colecções do mundo e a única existente na Península Ibérica.
Trata-se
de arte buta, (ver também, http://cordeirus.blogspot.pt/2012/09/arte-bruta.html)
um estilo sem estilo nem género, sem influência de estilos institucionalizados
ou objectivos comerciais, uma “arte marginal”, habitualmente executada por
criadores autodidatas ou autores com controverso ajuste mental.
NATUREZA
E ORIGEM
Quando
se ouve falar ou se vê escrita a palavra “vudu”, a ideia que aparece
imediatamente é a que é mais divulgada através da ficção, dos bonecos de trapos
onde um feiticeiro espeta um alfinete e onde os rituais surpreendem e
amedrontam ao incluírem sacrifícios de animais.
Mas
Vudu é também uma religião mista de crenças, cristãs e africanas, onde o
sobrenatural domina. A palavra “vudu” está estreitamente relacionada com
divindade ou espírito. No panteão das divindades coexistem deuses africanos e
santos da igreja católica.
Trata-se
de uma religião animista - crença na alma das coisas do mundo – com um forte no
culto dos antepassados e seres chamados “ioas” ou “loás”. Estas entidades,
também conhecidas como “mysteres”, são entendidas como espíritos universais
que, para além de viverem nos ancestrais, existem na terra, na água, no ar, no
fogo.
A
cosmologia vodu organiza-se em redor desse mundo de espíritos omnipresentes e
de entidades superiores, que entram em contacto através de possessões, rezas ou
sacrifícios.
O
vudu teve origem na região do Golfo da Guiné e envolve muitas das comunidades
do Gana à Nigéria, mas especialmente os povos da tradição fon do Benin, do
Daomé e da Nigéria, ou ainda os de língua ewe do Togo e do Gana.
Mercê
do comércio de escravos entre África e as Américas sobretudo nos séculos XVII e
XVIII, o culto vudu estendeu-se do Brasil à América do Norte, e singularizou-se
nas Caraíbas, especialmente no Haiti e tem uma expressão significativa na
Jamaica e na República Dominicana.
Ao
longo dessa diáspora o vudu foi-se “especializando” e, só no Brasil, há
“condomblé”, “tambor de minas” e “xangô”, em Cuba a “santeria”, no Luisiana, no
Haiti ou na República Dominica dominam outros ramos do vud que entretanto, tais
como os anteriores, se foram sincretizando com doutrinas e práticas católicas.
RELIGIÃO
E HISTÓRIA
Percebe-se
à primeira vista a relação próxima entre a arte e a religião, entre a estética
e a crença. Esta estreita relação que transfere para o objecto a transcendência
das ideias religiosas e dos rituais associados, transforma as peças artísticas
em os objectos de culto.
Mas
também se percebe a presença da História e da religião dos colonizadores a
influenciarem o génio e as obras artísticas da arte vudu. Essa inspiração tem
sido um veículo de comemoração de acontecimentos históricos e de difusão de
doutrinas sagradas que envolvem fé, ânimo, união e solidariedade.
Muitas
das obras que possuem cariz religioso, combinam elementos do cristianismo e até
ambientes do hinduísmo, além dos cultos africanos e ameríndios. Por outro lado,
as representações de guerreiros, que consubstanciam uma das crenças haitianas
de possessão, vão até à história da libertação do Haiti contra as forças
francesas.
Na
exposição, são notórias as obras onde sobressaem as cruzes cristãs e as coroas
reais. Dessa imaginação amalgamada, surgem obras onde coexistem diabos, santos,
reis, anjos, guerreiros. Outras, juntam báculos e coroas ou véus. Outras ainda,
parecem mostrar imagens da virgem Maria.
SOCIEDADE(S) E CRIAÇÕES
Muitas
das obras são atribuídas aos Bosmetal – artífices dos metais – que trabalham
artisticamente ferro-velho, transformando-o em objectos de culto mas também em
figuras horrendas e agressivas, ícones de sociedades secretas que representam o
poder dos seus membros. Um
desses objectos referenciais é um Bizango, uma figura meio humana, meio boneco,
elaborada com pano e ossos desenterrados dos cemitérios, que representa um
guerreiro, reminiscência dos que foram criados para lutarem contra as tropas
invasoras napoleónicas.
Os
bizangos constituem-se como uma sociedade e organizam-se através de uma
hierarquia de controlo representativa dos estatutos dominantes, que contempla
militares e dirigentes políticos, a quem estão atribuídos objectos específicos
dessa hierarquia, armas, lanças ou adornos.
TEMÁTICAS
E ESTÉTICA
Embora
pareçam por vezes estéticas humanas com alguma perfeição estilizada, muitas das
figuras do panteão vodu têm configurações grotescas, assustadoras ou mesmo
macabras. Estas, mais sinistras e espectrais, quer tenham ou não propósitos rituais com carácter funesto, estão relacionadas com o presente e com o passado.
Porém, estão ligadas sobretudo com a
actualidade, com a importância de viver o presente e os momentos em que a
fealdade, a deformidade ou a doença arruínam o momento. As diversas referências à morte – representadas pelas caveiras ou pela estética dos espíritos -, também contribuem para que os vivos se lembrem da importância da vida estabelecendo uma ponte entre a vida e a morte.
MATERIAIS
É
na sucata, no ferro-velho ou mesmo nos cemitérios que muitos dos artistas vão
buscar os materiais para as suas obras. E não elegem apenas o metal, mas também
escolhem a madeira como matéria-prima que esculpem com maior ou menor detalhe
ou perfeição. O estanho, o ferro ou o alumínio, a par da madeira já mencionada e do vidro, são os materiais mais utilizados.
Outros
optam sobretudo pelo metal, utilizando velhos bidões de gasolina de onde
retiram finas chapas de metal que recortam ou aplicam directamente, aos quais
juntam pedaços de objectos ou peças pequenas como sejam porcas, colheres, panelas, parafusos, pregos, tachos, ou mesmo
peças de automóveis.
Percebe-se
também a importância da corda e do vidro - garrafas - e dos espelhos, patentes por exemplo no Bizango, mas também visíveis em alguns crucifixos ou em figuras que parecem
personagens da realeza ou talvez divindades.
O vídeo em https://vimeo.com/201364207