ORBANEJA DEL CASTILLO, uma cascata com 25m de altura
De manhã cedo, bem cedo, estava fresco, muito fresco. Esperávamos andar entre os 3 e os 12 graus positivos: quase conseguimos! Quando saímos, estava de “bater o dente” e chegámos a registar 1 grau na estrada, embora o céu continuasse azul. Acho que parámos uma vez para verificar e acreditar no termómetro...
Ainda parámos depois para acertar itinerários, pouco antes do primeiro objectivo do dia. O frio mantinha-se mas, apesar de estarmos já numa zona florestal, a temperatura do ar subiu um pouco. Estavamos perto de ORBANEJA DEL CASTILLO e da sua admirável cascata.
Entre uma bruma que ia descendo à medida que entravamos no vale e o verde seco e forte da floresta, um jorro de água surge abrupto da colina, escorregando em socalcos parecendo vir por dentro da montanha. Parece um sítio saído das histórias de fadas.
Depois, a água passa sob a estrada e espraia-se por diversos cursos, colina abaixo, formando alguns pequenos lagos. Ali perto, um pequena ermida dá conta da devoção que o sítio implica. A água é límpida e estranhamente azulada.
Do outro lado da estrada, as casas típicas de pedra trepam as colinas. Para lá, subimos uma escadaria estreita e íngreme. A meio, uma pequena loja com produtos típicos é a única prova de vida de que há mais alguém na aldeia que não seja turista.
Mais um esforço e estamos no centro da aldeia onde corre o ribeiro que alimenta a cascata e provém da Gruta da Água. À volta, é a pedra que domina, nas casas e nas elevações que circundam a aldeia. O nevoeiro mantém-se mas deixa ver a urbe onde, estranhamente, ainda circulam automovéis.
Paramos, bebemos um cacau quente e conseguimos aquecer um bocado. Com os cafés a abrir - parecia apenas existir um - mas ainda não a servir, vamos até ao miradouro perto da entrada da “cueva” (gruta).
Não entramos. Temos todo o tempo do mundo, mas está controlado por uma agenda bem organizada. Por isso, descemos e voltamos ao cenário da cascata. Mais uma foto, mais uma pose, mas há que partir de novo. Hoje, ainda nos vamos meter em buracos.
SAN BERNABÉ, uma ermida dentro da montanha
Descemos, apanhamos as motos e continuamos no desfiladeiro até que a floresta deixa á vista os contrafortes pétreos dos montes. Voltamos ao planalto , menos arborizado, e chegamos à ERMIDA DE SAN BERNABÉ, implantada numa gruta de formação cársica.
Deixámos as motos no parque de estacionamento que deve ficar por cima da gruta. Descemos uma rampa jeitosa, inscrevemo-nos e pagamos a visita guiada. Esperamos à entrada da gruta, preparados para tudo.
Entramos já munidos de capacetes, não vá alguma cabeçada nos dar cabo do miolo ou estragarmos séculos de sedimentações. Descemos inicialmente de forma ligeira e numa plataforma alargada para, logo após, o caminho estreitar e a luz se desvanecer. Depois, trepamos lentamente através do que parece um túnel.
Desenbocamos na ermida - há dúvidas sobre a respectiva data de fundação, entre os séculos VIII e XIII - dedicada a San Tirso e San Bernabé. É tosca, de planta irregular, sendo os tectos abobodados profusamente pintados, representando os martírios e millagres dos dois santos.
O lugar combina três espaços muito interessantes: a gruta de Ojo Guareña, formada pela passagem de águas pluviais, com quantidades apreciáveis de dióxido de carbono, que dissolvem os calcários ao longo das muitas fendas interiores; uma ermida interna e, ainda, uma ermida exterior, que faz lembrar sítios de “O Senhor dos Anéis".
Na Ponte de Deus
Voltamos à estrada, agora num estreito ramal de uma secundária, porém com piso aceitável. Daí a pouco mais de uma dezena de quilómetros, pararmos em PUENTEDEY. Deixámos a igreja românica e o Palácio dos Fernández de Brizuela na zona urbana, estacionamos as motos perto de uma pequena ponte e percorremos nem 50 metros a caminho de uma enorme cavidade que fende o rochedo.
Essa fenda, que o rio Nela foi escavando ao passar, construiu uma ponte natural com ar de caverna. O “buraco” é enorme, dando ideia da quantidade de água que foi necessária para perfurar a montanha. Passamos inclusivamente para o outro lado daquele enorme túnel, fazendo votos para que não desabasse em breve.
A localidade não se chama Puentedey por acaso. Dizem que aquela cavidade imensa foi feita pelo “dedo físico de Deus”. Mesmo visto ao longe, o túnel surpreende pela dimensão. O que deve ter começado por um buraquito na rocha... mais espanta se descobrirmos, por cima, um conjunto de edifícios que constitui a povoação.
Trepar para a Cascata em TARTALÉS
Com o tempo da tarde a ficar mais ameno, começamos a subir para Tartalés. O perfil da estrada passa a ser estreito para duas motos e as curvas são bem fechadas, de virar pescoços, de não parar para não cair. É lindo, parece que lambemos o asfalto com os olhos no declive. Cada vez mais acima, cada vez mais bonito de fazer.
Trepamos desde Hoz, até que se abre um túnel na rocha, para dar lugar à estrada que vai para TARTALÉS DE LOS MONTES. Passamos por baixo, é ali. Mais acima, porém, não é fácil estacionar 1 carro e 3 motos. Lá ficam, cada um para seu lado. Descemos a pé. Subimos antes do túnel e não vale a pena. Passamos o túnel e tudo muda: a paisagem, o ar, o rio. O ambiente é unanimemente interessante. Ficamos a olhar a cascata, a esticar o olhar para o vale, a descobrir de onde viemos, a reconhecer os "ganchitos" que dobrámos.
FRIAS, gelada
Já estamos suficientemente contentes para enfrentar o fim da tarde, o céu de um azul mais forte, o ar mais gélido, a estrada estreita, o próximo destino. A entardecer a olhos vistos, vislumbrámos FRIAS, talvez a cidade mais pequena de Espanha (?), que dizem ter apenas 384 habitantes. Surge ao longe, na encosta de um monte, logo após um vale largo e plano. O castelo domina a paisagem. Outro cenário que parece de ficção.
Antes, porém, passamos uma ponte medieval sobre o Ebro, com torre defensiva, do século XIV, e a também medieval ermida de Santa Maria de la Hoz. Deixamos as motos em baixo e trepamos ao castelo, uma construção do século XII misturada com elementos do século XVI. Havia fechado há minutos. Por tal, embrenhámo-nos nas ruelas estreitas, pedregosas e íngremes do povoado, ainda com meandros medievais e ambiente rústico.
A noite já havia caído quando chegámos ao hotel El Vallés, em Briviesca, onde ficámos alojados, tendo inclusivamente jantado longamente, passando em revista um belo dia para andar de moto e conhecer novos ambientes. Após a manhã gelada, mesmo no limite do conforto, a noite de conversa foi aquecendo o ânimo para regressarmos à estrada no dia seguinte. Cedinho.
E por aqui andámos durante o dia 2
Casa medievais de COVARRUBIAS
Não são mais de 80 kms até Covarrubias. Não está tão fresco como no dia anterior, mas os forros dos fatos são para ficar. Entramos pela ponte e deixamos as motos no primeiro parque de estacionamento. Apesar de o sol já brilhar os barretes também ficam.
De lá, já se destaca a antiga muralha, além do Torreão de Doña Urraca, uma edificação moçárabe do século X, a única fortaleza castelhana anterior ao século XI que se conserva. Um passeio acompanha o rio que quase se cola à muralha. Promete. Mas não vamos já por aí.
Agora é entrar no centro urbano, ruas em lajes, com casas de dois pisos em pedra, varandas, arcadas, bastantes arcadas, janelas floridas, e muitas casas com uma trama em madeira nos pórticos, a cruzarem e/ou nas extremidades das fachadas.
Ainda está frio e as ruas estreitas, quase desertas, ainda não se deixam banhar pelo sol. Vamos deambulando, rua após rua, a caminho da zona central da aldeia, mas é nas praças que o sol surje a aquecer-nos. É para lá que vamos.
As praças são pequenas mas acolhedoras. Não há muitas lojas abertas, mas já há uma esplanada que nos acolhe. Dentro do café, no solo, uma placa de vidro mostra um testemunho medieval existente na cave. Cá fora, o café e o sol aquecem-nos e a conversa faz o resto.
Saímos pelas ruas e espreitamos uma loja de artesanato que abria ao ritmo da manhã. Mais à frente, surge uma estátua da princesa Cristina, de origem viquingue. Casada com o irmão de Afonso X, tem o seu túmulo próximo da igreja da aldeia, onde tocar o sino da princesa garante casamento certo.
Daí a pouco, passamos a muralha, deixamos a enorme balista (uma espécie de besta gigantesca) sobre as ameias, damos mais dois dedos de conversa, marginamos o rio e voltamos à ponte.
SANTO DOMINGO DE SILOS, com canto gregoriano
São mais vinte minutos pela municipal, num troço onde, de vez em quando, neva. Não hoje que, apesar de prometer, não cumpre. Aliás, o sol já vai alto e a temperatura subiu. Agora, está agradável para andar de moto.
Santo Domingo de Silos é um povoado relativamente pequeno, o que não implica ter um mosteiro beneditino, que remonta à época visigótica, altura em que os árabes já andavam na Península.
Dizem que o claustro é uma obra-prima do românico espanhol, mas não tivemos oportunidade de o visitar. Porém, conseguimos assistir a alguns pedaços da missa acompanhada por cânticos gregorianos, executados por um coral de mais de uma dezena de clérigos.
É tão raro ter esta oportunidade que valeu a nossa curta estada no local. O mosteiro conta ainda com uma biblioteca e uma loja que junta uma coleção de frascos de Talavera e um laboratório com instrumentos antigos.
Mais acima, próximo de onde deixámos as motos, estava o passado num regresso ao futuro: nada mais do que um DeLorean e um Morgan, "espécies" com as quais é raro contactar.
Caso sério esta terra, onde ainda se ouve canto gregoriano, estacionam DeLoreans e as flores crescem em sapatos ou nos tampos das cadeiras.
DESFILADEIRO DE LA YECLA: sob o domínio dos abutres
A pouco mais de meia centena de quilómetros a sul de Burgos, este desfiladeiro, situado no sopé da Montanha de Cervera, tem pouco mais de meia centena de metros de comprimento. Percorre-se sobre um passadiço, onde dificilmente se cruzam duas pessoas.
Faz-se entre escarpas que distam por vezes 2 metros de largura, sobre o tal passadiço de metal, que permite passear sobre a ribeira de Cauce que vai formatando a garganta. Aqui e ali, várias bicas ainda gotejavam com água límpida e gelada.
O caminho é curioso permitindo, de vez em quando, lavar a cara ou as mãos em algumas dessas bicas de água que ladeiam o caminho. Tão estreito é na maioria do percurso, que o sol não chega a penetrar em alguns espaços, assim como não permite vislumbrar as inúmeras aves de rapina que ocupam o cimo da montanha, a mais de 100 metros de altura.
Do estacionamento, mesmo antes de um túnel que fura toscamente a montanha, aí sim, é possível observar o vaivém lento dos abutres e das águias que dominam o cume. Atravessámos o passadiço e regressámos pelo túnel viário para o estacionamento para pegar de novo nas motos. Já deu para aquecer.
Dali a CALERUEGA é um instante. Pára, não pára, ainda estacionamos para ver se se almoça, não almoça, e acabámos por atravessar a povoação, passando apenas pelo Real Monasterio de Santo Domingo e pelo Torreon de los Guzmanes, sobre um piso tramado de lajes irregulares.
Sem decisão para ali ficarmos, saímos, reabstecemos ali próximo - felizmente, antes de chegarem grupo enorme e heterógeneo de motociclistas espanhois e seguimos para
MADERUELO, da ponte à máquina de guerra
Quem chega à ponte sobre o rio Riaza, vê ao que vai. Do outro lado, a povoação trepa a encosta situada sobre um extenso esporão muralhado. Percebe-se que o burgo já teve uma função defensiva importante.
Não é fácil estacionar mas, felizmente, estávamos de moto. Entra-se pelo Arco da Vila, uma das quatro portas emblemáticas, sendo esta que dá acesso principal à zona de lojas, a que mantém ainda fechaduras e reforços blindados do século XV.
Ainda lá está, pelo menos, uma catapulta virada a leste sobre um dos troços de muralha. Avança-se pelos ruas medievais para chegar à praça do pelourinho e da igreja de Santa Maria, única da província em estilo califal.
A poente, o rio não está acessível, pelo menos não o vimos. Embora o tenhamos percebido à entrada, é no miradouro virado a leste que se deixa ver a grande extensão do leito do rio que lhe serve de defesa natural.
Daí, sobretudo quando o rio leva pouca água, ainda é visível a Ponte Velha e descobrir-lhe a configuração destinada à cobrança de passagem, e ainda verificar que ainda se conservam os escudos com as armas da família Pacheco.
AYLLON, mais medieval
Daí a um quarto de hora, estávamos em Ayllon. Fomos trepando lentamente à procura de um lugar para estacionar. Chegámos à Plaza Mayor que, apesar de não ser grande, é um dos sítios mais emblemáticos da povoação. E, nem sequer aqui, nos poucos recantos disponíveis, era permitido estacionar uma moto.
É que foi em Ayllon que se assinou o tratado de paz entre Portugal e Castela, em Outubro de 1411, decorrente ainda da batalha de Aljubarrota, em 1385! Realmente há pouco espaço disponível para motos, pior ainda para quatro rodas. Mas também não ficámos longe do sítio onde almoçámos, um repasto de cabrito digno de menção.
ERMIDA DE SAN FRUTOS, onde nos vamos meter!
Deixámos o almoço chegar quase ao lanche. Anulámos a visita a Sepúlveda e a Pedraza. Mas teríamos a compensação na ida à Ermida de San Frutos (São Frutuoso, julgo, em português), em Carrascal del Río.
Trata-se de ruínas de um antigo complexo monástico, perdido numa colina, ao mesmo tempo istmo, marginado pelas águas tranquilas do rio Duratón. É um lugar ímpar, de beleza mas também de isolamento.
Há alguma controvérsia no que respeita a parte da igreja estar ainda em uso. O conjunto encontra-se à beira de uma falésia com uma vista excelente sobre os meandros do rio. Para lá chegar é que a coisa não é fácil.
Além de a estrada ser em terra batida, com muitos roços, alguns deles bem profundos, há que fazer quase 5 kms para lá e outros tantos para regressar ao asfalto. Com motos de estrada, é obrigatório rolar com muita atenção. E esperar que não haja pedras pontiagudas que provoquem furos.
Apesar disso, valeu a pena. Não é todos os dias que chegamos a um sítio que tem tanto de inóspito como de fascinante, um lugar com mais de 1000 anos, envolto por uma paisagem podrosa e contemplativa.
Embora muitas das dependências estejam em clara ruína, ainda são visíveis algumas sepulturas antropomórficas. O pôr do sol na fachada da igreja faz o resto, enquanto as voltas do rio tranquilo copiam as margens.
Do percurso do 3º dia
DE VOLTA A CASA, entre o dilúvio e a bonança
O Eduardo tinha outro trajecto e não saiu connosco. Não chovia quando deixamos Valladolid. Daí a pouco, começou a chuviscar e, depois, uma valente bátega de água abateu-se sobre a A62.
Passámos Tordesilhas e o dilúvio manteve-se. Só quando parámos antes da fronteira de Vilar Formoso, o sol apareceu como se tivessemos passado uma fronteira climatérica.
A temperatura aumentou, os fatos secaram e continuámos para a Covilhã. Demos um passeio local pelas ruas estreitas da cidade beirã e, à hora de almoço, estávamos no Laranjinha. A escolha foi excelente o que proporcionou um almoço delicioso.
Deixamos um agradecimento aos companheiros viagem e especialmente ao organizador do passeio, António, que ficou em Valladolid.
Deixámos os nosso companheiros da moto, Teresa e David, a caminho de Leiria, despedimo-nos do Rogério e da Ana e separámo-nos da Delfina numa área de serviço da auto-estrada. É óptimo viajar em boa companhia.