No alvor da Primavera, durante alguns anos, a cada ida ao GP de Jarama de motociclismo, entre Navalmoral de la Mata e Talavera de la Reina, quando olhávamos para norte e víamos uma serra, que se estendia por dezenas de quilómetros, sempre alva nos picos, muito iluminada pelo sol, cintilando à medida que a percorríamos com a vista, ficava aquela tentação de, um dia, lá passar.
Por outro lado, não há muitos anos, talvez decorrente de preços acessíveis de alojamento no parador e no mosteiro, surgiu a hipótese de visitar Guadalupe, e Jarandilla de la Vega. Não concretizámos, mas a ideia de visitar os dois locais ficou. O convite surgiu em Outubro do ano passado. Destino: serra de Gredos!
Estamos a cerca de 140 quilómetros de Madrid em linha recta, no Parque Regional da Serra de Gredos. É aqui que começa “O” passeio. Como em todas as serras, a distribuição vegetal organiza-se por patamares ecológicos, inicialmente com azinheiras,castanheiros, chopos e pinheiros. Mais acima, surgem os zimbros, os piornos e as camomilas. Até que só resta vegetação rasteira ou apenas rochas.
Começamos a trepar mais a sério, logo após Valdastillas, depois de termos percorrido cerca de meia centena de quilómetros em pleno Vale de Jerte, onde já se percebem as encostas da serra de Gredos. A estrada começa a enrolar, mas o piso mantém-se bom. Há pouco trânsito, as curvas sucedem-se a bom ritmo, está frio, mas o sol brilha. Perfeito.
A meio da manhã, envolto por um bosque luxuriante, surge o Mosteiro de S. Jerónimo de Yuste. O sítio lembra o parque arbóreo de Sintra. Deixamos as motos à sombra - começava a aquecer - e entramos na Idade Média. A criação do mosteiro remonta ao final do século XIV e a carta de fundação data do início do século seguinte.
Entramos pelo espaço religioso do mosteiro, sabendo que há outra ala importante mas secular. Ou seja, o conjunto edificado contempla a parte monástica e a parte da residência do imperador Carlos V, que aqui morreu, e foi enterrado inicialmente. Passamos pela igreja, mas é o claustro gótico de século XV que surpreende de imediato.
Subimos à residência do imperador, um espaço simples, de linhas direitas, com pequenas dependências e onde o seu quarto - a partir do momento em que a sua situação de saúde (gota) se extremou, as suas deslocações tornaram-se difíceis - facilita o vislumbre da igreja. Curiosa, a proibição de obter imagens do interior do mosteiro, sobretudo deste espaço.
Julgo que ainda estará em exposição uma espécie de liteira - um arca transformada - por meio da qual o imperador se deslocava. Há alguns móveis, quadros e peças soltas, mas não muitos elementos decorativos. Um deles, uma espécie de arca piramidal, em madeira, dominava uma das paredes.
Exceptuando o claustro, vistoso e aprazível, onde muitos posaram, foi a varanda sobre o jardim que exigiu a maior parte das fotografais. Espaçosa, comprida, ao longo de três fachadas, com colunas envoltas em hera, debruça-se não apenas sobre o jardim, mas permite ver todo o espaço florestal à frente da casa do imperador.
Deixámos o mosteiro, logo após uma foto de grupo numas escadas de pedra perdidas. Daí a um quarto de hora estávamos a parar no parque de estacionamento do Parador de Jarandilla de la Vera. Saímos à procura de restaurante, mas o calor deixou-nos ali perto, no Patio de la Posada, sob um alpendre fesquinho.
Estamos garantidamente em terras De La Vera. Percebemos-lhe a identidade ao ver a sequência de localidades terminadas em De La Vera: Jaraiz, Rosar, Robledillo, Viandar, Talaveruela, Valverde, Villanueva, Candeleda. Em menos de 30 quilómetros, há, pelo menos 8 com o mesmo apelido! Continuamos com bom piso, no sopé da montanha.
A partir de Ramacastañas, começamos a trepar. Mais à frente, paramos num refúgio da estrada para admirarmos o castelo dos Duques de Albuquerque, em Mombeltrán. E já estávamos com mais de 80 quilómetros desde o almoço. Esfriava, mas o sol mantinha-se. Em redor, porém, as silhuetas das montanhas pareciam estar mais próximas.
E a estrada voltou a enrolar, de quando em vez, escalando suavemente até Cuevas del Valle. A partir daqui o ambiente de montanha instala-se e a pedra começa a dominar as casas e as igrejas, há aqui e ali mais um riacho ou uma fonte centenária. Mas são os miradouros que mais se multiplicam.
Até que foi obrigatório parar no Miradouro de las Quebradas. Dali, vê.se todo o vale, praticamente até à localidade mais próxima, que fica a cerca de 4 quilómetros. Ali mesmo, passa uma calçada romana que se estende monte abaixo e acima. Pela indicação que estava no início da subida, a estrada romana já vinha, pelo menos, desde Cuevas.
Estamos a 1352 metros de altitude, no Puerto del Pico. O frio já se nota. Porém, é outra sensação que nos surpreende. Um rebanho de cabras, suponho que montesas de Gredos, um dos endemismos da região, passavam calmamente, de um para o outro lado da estrada. Uma após outra, foram galgando os obstáculos, por entre pedregulhos e arbustos baixos, para irem desaparecendo serra acima.
A seguir, rodamos em direcção à localidade de Navacepeda de Tormes. Por aqui, na vertente norte da serra, as “Navas” e a as “Tormes” batem-se bem com as as “De la Vera”, da vertente sul. Passamos da estrada nacional para outra secundária e começamos a rodar ao longo da Garganta de Prado Puerto.
Algures, surge uma espécie de portão num desvio que devíamos fazer. Paramos e aproveitamos para olhar em redor. Estamos cercados por montes nus e por uma vegetação baixa. Há que continuar pelo tal portão, que está aberto - deve fechar quando neva -, e parece ter uma grelha de ferro em pleno asfalto… mas, ultrapassável.
Nesta zona, os riachos que trazem a água desde o cimo das montanhas chama-se todos “garganta” e alimentam o rio Barbellido. A vegetação vai diminuindo quer em altura quer em quantidade. Às tantas, estamos a rodar entre calhaus e vegetação muito baixa. A estrada é agora irregular e com vestígios frequentes da passagem de gado que se alimenta de vegetais…
E chegamos à Plataforma de Gredos. Um parque de estacionamento valente, muitas auto-caravanas, muitos carros, mais cabras. E, em fundo, como a dar continuidade à estrada asfaltada, uma calçada romana. Deixámos as motos no estacionamento e fomos pisar as infraestruturas milenares romanas.
Ali próximo, as cabras continuavam o seu lento mas seguro deambular pelos calhaus que marginavam o riacho. Ao contrário de nós, as cabras encontram alternativa montanha acima. Nós vamos voltar para trás, pelo mesmo caminho Arrefecia, o céu mantinha-se limpo e a estrada, embora estreita, tem pouco ou nenhum trânsito durante os muitos quilómetros que nos separam da estrada principal.
Surgem terrenos de pastoreio, ladeados por um ribeiro que acompanha a estrada, onde pastam algumas vacas. À medida que descemos, voltam as árvores. Mais abaixo, há mais terrenos cultivados. Uma outra ponte, leva-nos sobre o ribeiro, até que encontramos outro portão, este na sequência da estrada. Estamos a sair do parque Regional da Serra de Gredos.
O frio aperta mais um bocado, mas de maneira aceitável. Chegámos ao hotel ao entardecer, no chamado lusco-fusco. Os Triumphs já lá estão todos alinhados, tal como as nossas motos irão ficar. Ao jantar, voltamos a reunir a mesa de amigos e a trocar sensações, ideias e opiniões sobre o habitual: o passado, o presente e o futuro. De nós, das viagens e das motos.
DE VOLTA A CASA
De manhã, saímos juntos. Separamo-nos à entrada de Béjar, depois de uma paragem para café, quando o sol começava a sorrir com mais vigor. O regresso foi (obrigatoriamente) tranquilo ao longo da Autovia Ruta de La Plata. Com o alerta do EFI da Pan aceso (injecção electrónica), logo a partir das 4 mil rotações*, esta foi a única singularidade deste último percurso.
* felizmente, era apenas uma ficha queimada 👍
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