terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Banksy


Banksy, pseudónimo que significa, mais ou menos, “marginal”, aquele que está/vive “à margem” (de, bank, margem). A arte de Banksy tem muito de marginal, de subversivo, surgindo como ilegal nos locais onde nasce. Mas também tem muito de crítico, satírico, humorístico, agressivo, contra-poder.

Sendo arte de rua, anda por todo o lado mas, sobretudo, em zonas urbanas. Mas, não é apenas na rua que aparece. Está patente nos muros, nas paredes, em pontes. Todavia, a maioria dos locais onde cria as suas obras são discretos, suburbanos, degradados, marginais.

Mais do que a hostilidade face às concepções de poder, são as críticas comportamentais e sócio-políticas que surgem, muitas vezes com configuração feroz e/ou satírica, a envolver representantes do poder ou imperativos autoritários.

A primeira sensação de marginalidade podia ser experimentada na exposição de trabalhos de Banksy. Apesar de ter sido realizada numa zona central de Lisboa, levava de imediato para uma cave, onde um cartaz anunciava estarmos “underground”. 

Mais à frente, uma primeira exclamação satírica relacionada com as circunstâncias em que a arte do próprio pode ser efémera: “É uma sensação frustrante quando as únicas fotos do teu trabalho pertencem à polícia”, lia-se num “tag” de parede.

Depois, uma crítica à desconfiança, quando o inocente cesto da Dorothy, de O Feiticeiro de Oz, é ser revistado por um policia de choque. Mais à frente, um polícia metropolitano está a snifar cocaína num passeio. Para, depois, ser uma criança negra a decorar uma parede onde está pintada uma cruz suástica.



Mais violento, um anjo juvenil, vestido com um colete à prova de bala, medita sobre o crânio de um jovem; ou uma criança ferida com uma boneca pela mão, num cenário de guerra, é o alvo preferido dos repórteres de imagem, enquanto um assistente não deixa avançar os socorristas.

A ironia do “amor” surge no meigo abraçar de uma bomba por uma rapariga. O contraste entre a inocência, o terrorismo e a religião, revela-se no “menino Jesus” com um colete de explosivos. A quimera da liberdade está patente no índio americano com um cartaz “no trespassing” e o bem-estar de uma comunidade representado numa oscultação.

Parece fácil identificarmo-nos com a acutilância das propostas de Banksy, já que são autênticas, focadas, mordazes, lógicas, humorísticas ou caricaturais. E todo o conjunto - objectivos, mensagem, técnica, estética -, tem também qualidades admiráveis.



quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Serra de Gredos Tour 3 - YUSTE, JARANDILLA, LAS QUEBRADAS, PLATAFORMA DE GREDOS

 


No alvor da Primavera, durante alguns anos, a cada ida ao GP de Jarama de motociclismo, entre Navalmoral de la Mata e Talavera de la Reina, quando olhávamos para norte e víamos uma serra, que se estendia por dezenas de quilómetros, sempre alva nos picos, muito iluminada pelo sol, cintilando à medida que a percorríamos com a vista, ficava aquela tentação de, um dia, lá passar.

Por outro lado, não há muitos anos, talvez decorrente de preços acessíveis de alojamento no parador e no mosteiro, surgiu a hipótese de visitar Guadalupe, e Jarandilla de la Vega. Não concretizámos, mas a ideia de visitar os dois locais ficou. O convite surgiu em Outubro do ano passado. Destino: serra de Gredos! 

Estamos a cerca de 140 quilómetros de Madrid em linha recta, no Parque Regional da Serra de Gredos. É aqui que começa “O” passeio. Como em todas as serras, a distribuição vegetal organiza-se por patamares ecológicos, inicialmente com azinheiras,castanheiros, chopos e pinheiros. Mais acima, surgem os zimbros, os piornos e as camomilas. Até que só resta vegetação rasteira ou apenas rochas.

Começamos a trepar mais a sério, logo após Valdastillas, depois de termos percorrido cerca de meia centena de quilómetros em pleno Vale de Jerte, onde já se percebem as encostas da serra de Gredos. A estrada começa a enrolar, mas o piso mantém-se bom. Há pouco trânsito, as curvas sucedem-se a bom ritmo, está frio, mas o sol brilha. Perfeito.

A meio da manhã, envolto por um bosque luxuriante, surge o Mosteiro de S. Jerónimo de Yuste. O sítio lembra o parque arbóreo de Sintra. Deixamos as motos à sombra - começava a aquecer - e entramos na Idade Média. A criação do mosteiro remonta ao final do século XIV e a carta de fundação data do início do século seguinte.


Entramos pelo espaço religioso do mosteiro, sabendo que há outra ala importante mas secular. Ou seja, o conjunto edificado contempla a parte monástica e a parte da residência do imperador Carlos V, que aqui morreu, e foi enterrado inicialmente. Passamos pela igreja, mas é o claustro gótico de século XV que surpreende de imediato. 

Subimos à residência do imperador, um espaço simples, de linhas direitas, com pequenas dependências e onde o seu quarto - a partir do momento em que a sua situação de saúde (gota) se extremou, as suas deslocações tornaram-se difíceis - facilita o vislumbre da igreja. Curiosa, a proibição de obter imagens do interior do mosteiro, sobretudo deste espaço.

Julgo que ainda estará em exposição uma espécie de liteira - um arca transformada - por meio da qual o imperador se deslocava. Há alguns móveis, quadros e peças soltas, mas não muitos elementos decorativos. Um deles, uma espécie de arca piramidal, em madeira, dominava uma das paredes.

Exceptuando o claustro, vistoso e aprazível, onde muitos posaram, foi a varanda sobre o jardim que exigiu a maior parte das fotografais. Espaçosa, comprida, ao longo de três fachadas, com colunas envoltas em hera, debruça-se não apenas sobre o jardim, mas permite ver todo o espaço florestal à frente da casa do imperador.

Deixámos o mosteiro, logo após uma foto de grupo numas escadas de pedra perdidas. Daí a um quarto de hora estávamos a parar no parque de estacionamento do Parador de Jarandilla de la Vera. Saímos à procura de restaurante, mas o calor deixou-nos ali perto, no Patio de la Posada, sob um alpendre fesquinho.


Estamos garantidamente em terras De La Vera. Percebemos-lhe a identidade ao ver a sequência de localidades terminadas em De La Vera: Jaraiz, Rosar, Robledillo, Viandar, Talaveruela, Valverde, Villanueva, Candeleda. Em menos de 30 quilómetros, há, pelo menos 8 com o mesmo apelido! Continuamos com bom piso, no sopé da montanha.

A partir de Ramacastañas, começamos a trepar. Mais à frente, paramos num refúgio da estrada para admirarmos o castelo dos Duques de Albuquerque, em Mombeltrán. E já estávamos com mais de 80 quilómetros desde o almoço. Esfriava, mas o sol mantinha-se. Em redor, porém, as silhuetas das montanhas pareciam estar mais próximas.

E a estrada voltou a enrolar, de quando em vez, escalando suavemente até Cuevas del Valle. A partir daqui o ambiente de montanha instala-se e a pedra começa a dominar as casas e as igrejas, há aqui e ali mais um riacho ou uma  fonte centenária. Mas são os miradouros que mais se multiplicam.

Até que foi obrigatório parar no Miradouro de las Quebradas. Dali, vê.se todo o vale, praticamente até à localidade mais próxima, que fica a cerca de 4 quilómetros. Ali mesmo, passa uma calçada romana que se estende monte abaixo e acima. Pela indicação que estava no início da subida, a estrada romana já vinha, pelo menos, desde Cuevas.

Estamos a 1352 metros de altitude, no Puerto del Pico. O frio já se nota. Porém, é outra sensação que nos surpreende. Um rebanho de cabras, suponho que montesas de Gredos, um dos endemismos da região, passavam calmamente, de um para o outro lado da estrada. Uma após outra, foram galgando os obstáculos, por entre pedregulhos e arbustos baixos, para irem desaparecendo serra acima. 

A seguir, rodamos em direcção à localidade de Navacepeda de Tormes. Por aqui, na vertente norte da serra, as “Navas” e a as “Tormes” batem-se bem com as as “De la Vera”, da vertente sul. Passamos da estrada nacional para outra secundária e começamos a rodar ao longo da Garganta de Prado Puerto.


Algures, surge uma espécie de portão num desvio que devíamos fazer. Paramos e aproveitamos para olhar em redor. Estamos cercados por montes nus e por uma vegetação baixa. Há que continuar pelo tal portão, que está aberto - deve fechar quando neva -, e parece ter uma grelha de ferro em pleno asfalto… mas, ultrapassável.

Nesta zona, os riachos que trazem a água desde o cimo das montanhas chama-se todos “garganta” e alimentam o rio Barbellido. A vegetação vai diminuindo quer em altura quer em quantidade. Às tantas, estamos a rodar entre calhaus e vegetação muito baixa. A estrada é agora irregular e com vestígios frequentes da passagem de gado que se alimenta de vegetais…



E chegamos à Plataforma de Gredos. Um parque de estacionamento valente, muitas auto-caravanas, muitos carros, mais cabras. E, em fundo, como a dar continuidade à estrada asfaltada, uma calçada romana. Deixámos as motos no estacionamento e fomos pisar as infraestruturas milenares romanas.

Ali próximo, as cabras continuavam o seu lento mas seguro deambular pelos calhaus que marginavam o riacho. Ao contrário de nós, as cabras encontram alternativa montanha acima. Nós vamos voltar para trás, pelo mesmo caminho Arrefecia, o céu mantinha-se limpo e a estrada, embora estreita, tem pouco ou nenhum trânsito durante os muitos quilómetros que nos separam da estrada principal.



Surgem terrenos de pastoreio, ladeados por um ribeiro que acompanha a estrada, onde pastam algumas vacas. À medida que descemos, voltam as árvores. Mais abaixo, há mais terrenos cultivados. Uma outra ponte, leva-nos sobre o ribeiro, até que encontramos outro portão, este na sequência da estrada. Estamos a sair do parque Regional da Serra de Gredos.

O frio aperta mais um bocado, mas de maneira aceitável. Chegámos ao hotel ao entardecer, no chamado lusco-fusco. Os Triumphs já lá estão todos alinhados, tal como as nossas motos irão ficar. Ao jantar, voltamos a reunir a mesa de amigos e a trocar sensações, ideias e opiniões sobre o habitual: o passado, o presente e o futuro. De nós, das viagens e das motos. 

DE VOLTA  A CASA

De manhã, saímos juntos. Separamo-nos à entrada de Béjar, depois de uma paragem para café, quando o sol começava a sorrir com mais vigor. O regresso foi (obrigatoriamente) tranquilo ao longo da Autovia Ruta de La Plata. Com o alerta do EFI da Pan aceso (injecção electrónica), logo a partir das 4 mil rotações*, esta foi a única singularidade deste último percurso. 

* felizmente, era apenas uma ficha queimada 👍






Serra de Gredos Tour 2 - HERVÁS, O MUSEU



Saímos de Augustobriga e, daí a pouco - pouco mais de meia hora -, entrávamos em Plasencia. Rodamos ao longo das muralhas, prosseguindo até ao aqueduto, onde virámos para o centro histório. Não demorou a perceber que, o outrora acesso permitido ao “casco antiguo”, estava agora vedado. O acesso à Plaza Mayor é pratica e exclusivamente pedestre. 

Não é grave, antes pelo contrário, permite percorrer a pé as estreitas ruas medievais, que levam à catedral. Passamos pelo belo edifício do Ayuntamiento, palácio municipal renascentista do século XVI, que tem um inusitado campanário. Descemos mais um pouco até à Plaza Mayor, um dos lugares mais cosmopolitas da cidade.

Ali, a dois passos, fica a catedral nova, gótica, de finais do século XV. Um pouco mais à frente, fica  catedral velha, ainda românica, de século XII. Voltava a estar calor e, como é habitual, ao andar com os blusões e os capacetes na mão, o périplo deve ser curto e á sombra. Por tal, regressamos à moto, sabendo que tínhamos compromisso para o almoço...


...em HERVÁS

Apesar de ser uma localidade relativamente pequena, Hervás tem muito que ver: um castelo templário (ruínas, pareceu-me), um museu artístico (numa casa apalaçada, a Casa de los Davila), uma judiaria, um amplo parque arborizado e um centro histórico com ruas estreitas e difícil estacionamento, até para motos… 


E foi no restaurante El Almirez que nos juntamos ao casal amigo, uma boa escolha para passar um par de horas, em agradável conversa e a degustar a excelente oferta gastronómica, dos grelhados ao sushi, do vinho às sobremesas. Demoramos, mas por uma boa causa. Mesmo assim, não fomos os últimos a chegar ao próximo local de visita.


Afinal, fomos os segundos a chegar. Os restantes viajantes apareceram em grupo. Conhecíamos a esmagadora maioria desde a viagem à Turquia. A última vez que tínhamos estados juntos, havia sido no périplo pelos Pueblos de Burgos.

https://cordeirus.blogspot.com/2023/09/pueblos-de-burgos-e-segovia-de-moto.html

Desta feita, a reunião decorreu no jardim que antecede a entrada do museu.

Museo de la Moto y Coche Clasica, na saída nordeste de Hervás, é isso e mais do que isso. Das motos aos carros, aos carrinhos de bébé, passa pelas liteiras, pelas miniaturas, pelos animais da quinta, por um miradouro, por uma casa tão bizarra quanto romântica, por um anfitrião / proprietário com uma história de vida singular.

São vários pavilhões dedicados às motos e aos carros clássicos, mas sobretudo às motos. Por entre algumas “esculturas” que têm a moto como tema, chegamos ao primeiro pavilhão, onde estão exposta marcas espanholas - Ossa, Montesa, Derbi, Bultaco, Sanglas, Rieju, etç, etç -, especialmente as de pequena e média cilindrada, incluindo muitos side-cars.

Continuamos com as clássicas de várias nacionalidades, com várias francesas (Motobecabe, Peugeot, p.ex.), inglesas (BSA, AJS, Velocette), italianas (MVAgusta, Vespa, Moto Guzzi, Gilera), belgas (FN), alemãs (BMW), japonesas (Honda, Kawazaki, Yamaha, etç), americanas (Harley Davidson) e, até uma portuguesa (Alma), ao longo de pavilhões espaçosos, mas que parecem já ter todos os lugares ocupados. 

Descobrem-se, ainda, modelos icónicos, tais como uma Hercules com motor Wankel, uma Velocette com escapes “rabo de peixe”, uma Soriano inglesa também com escapes do mesmo tipo, uma Guzzi Falcone com cilindro para a frente, uma NSU tipo Scrambler, uma Guzzi de dois selins com guiador para o pendura se segurar, 

Pelo menos três pavilhões, guardam uma grande variedade de modelos de motos clássicas. Certas marcas, passam por novidade, como seja o caso da Berrol ou seja lá o que for. Outras, como o caso das Puch, Scott, etc, são os modelos alvo de curiosidade. Outras, ainda, são de difícil identificação.

Mais à frente, para quebrar a monotonia “moto”, descobrimos uma variedade de carrinhos de bebé, que contemplam as seis primeiras décadas do século XX e, aos quais, o proprietário chama “primeiro meio de transporte, logo após o nascimento”. Depois, surge um conjunto de triciclos de carga e trabalho, bem como outros de passeio. 

Em outro pavilhão, surgem as pequenos  carruagens de época, uma boa colecção que contempla também algumas liteiras. Depois, os carros, sobretudo americanos e europeus, que cobrem 6 décadas desde 1920. Inclui-se neste lote, ambulâncias, carros da polícia, veículos militares. Desde o pequeno Fiat 600, ao gigantesco Cadilac El Dorado. 

No cimo de um dos pavilhões, criou um miradouro. Dali, veem-se muitos quilómetros em redor mas, sobretudo, a localidade de Hervás. A casa que construiu, em forma de de coração, tem uma estória arrebatadora de paixão. Tudo isto, criado por Juan Gil Moreno, um apaixonado por motos, empresário, cidadão do mundo.

EL BARCO DE ÁVILA



Deixámos Hervás ao fim da tarde. Quando chegámos a El Barco de Ávila já estava a noitecer. Foi de luz acessa que entrámos, pouco depois, no Hotel Izán Puerta de Gredos, um quatro estrelas rural, aproveitado de dependências de uma quinta. Deixámos as motos num estacionamento enorme, onde já estavam meia dúzia de Triumphs de colecção.

Ficámos alojados em quartos, bem aproveitados do que seria o espaço dedicado às cavalariças. Em outra dependência, com um pé-direito enorme, ficava a sala de estar e o bar. Mais abaixo, estava o restaurante. Em outra dependência, a piscina interior. Em redor, após os prados da quinta, um conjunto de montes recortava o céu.

Como já estamos no planalto não damos pela altitude do lugar. O local mais alto da serra fica a mais de 2500 metros de altitude, no pico Almançor. Foi guarita dos Vetões, do militar espanhol que liderou a guerrilha na Guerra Peninsular contra Napoleão e onde as tropas revolucionárias resistiram aos franquistas.