sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Museu do Aljube

 


Em árabe, Aljube significa “poço seco”, cisterna ou masmorra, mas já era prisão desde o tempo romano. Encerrou clérigos e  mulheres, além de activistas políticos durante quase quatro décadas. Hoje, é museu com vista para o rio, para a Sé e para o teatro romano de Lisboa. 

Trata-se de um museu dedicado ”à história e à memória do combate à ditadura e ao reconhecimento da resistência em prol da liberdade e da democracia”. Conta com uma exposição permanente nos pisos superiores e com exposições temporárias no piso térreo.


 JAIME CORTESÃO

 

Nesta altura, era Jaime Cortesão que protagonizava a exposição temporária, um cidadão, patriota e resistente – como o identificava o desdobrável respectivo -, um dos muitos presos na cadeia do Aljube. Esteve presente e empenhado nos mais importantes momentos da vida política e cultural nacional.

Tendo sido deputado em 1915, voluntariou-se para a frente de batalha na Primeira Grande Guerra. Uma das fotos exposta mostrava-o, a cavalo, em Dohem, França em 1917.  Regressou a Portugal para ser preso durante a vigência do consulado sidonista.

Com uma vida de luta anti-fascista, Jaime Cortesão esteve ligado a várias revoltas e exilado em Espanha, França e Brasil, pelo menos. Um dos documentos mais curiosos expostos é um relatório do agente Luis Almeida, da PVDE, quando do partida para o Brasil, em 1940.

O edifício actual data do século XVIII, cuja reedificação se tornou necessária a seguir ao terramoto de 75. Nesta visita não estava prevista a passagem pela cave, dedicada à área arqueológica, onde é possível conhecer, além das respectivas infraestruturas, a história do edificio desde o período romano.


O MUSEU

Á medida que se trepa a escada de pedra, a caminho do primeiro piso, a vista poisa-se ora na Sé ora no rio. Até parece impossível que tenha existido ali uma prisão. Porém, neste piso, percebem-se vários exemplos do que foi a censura, o controlo da informação, a polícia política e a ideologia do regime dictatorial.

Em contraponto, também estão expostos muitos testemunhos acerca da resistência e da produção de informação clandestina sobre o que se passava no país e no mundo. Desde as publicações humorísticas às notícias do quotidiano, muitos mostravam os traços azuis do lápis da censura.

Outros documentos mostram comunicações oficiais oriundas da Comissão de Censura a exigir imagens consideradas censuráveis, recortes de jornais cujas notícias foram censuradas, folhas de prospectos, revistas e jornais considerados clandestinos.

O espaço não é amplo e os visitantes têm de seguir em pequenos grupos de forma a conseguirem ver e ouvir o exposto. Talvez por isso os gavetões com fichas de presos ocupem uma parede de cima a baixo. Não tanto pela falta de espaço, mas suponho pela vontade de condicionar comportamentos e torturar, as celas - conhecidas como "curros" -, tinham dimensões exíguas. 

É possível ver também documentos pessoais, entre bilhetes de identidade e fotos, testemunhos de presos sobre o quotidiano do tempo de cárcere, uma galeria com aqueles que conseguiram fugir, mensagens encriptadas ou escritas por exemplo numa camisa.

De Mário Soares a Miguel Torga, de Nuno Teotónio Pereira a Carlos Brito, de Emídio Guerreiro a José Mário Branco, de Jaime Serra a José Manuel Tengarrinha, foram milhares os opositores do regime que passaram pelo Aljube. Alguns destes conseguiram fugir. Uns quantos até apanharam um táxi ali perto...

O Aljube fechou em meados de 1965, após muitos protestos e da avaliação da PIDE quanto às condições de segurança e higiene da prisão, não são antes terem sido destruídos os "curros". Fechava-se um ciclo de isolamento, degredo e tortura.


No último piso, uma cafetaria simpática e luminosa, com muitas janelas esguias viradas ao rio, proporciona diversos cenários desde os mais próximos, com a Sé do outro lado da rua, até aos mais longínquos, quando a vista vai ao recorte da serra da Arrábida.


Música: Preaching to the Choir, TeknoAXE



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Instantes de Tóquio. Museu Nacional



O dia surgiu chuvoso e enevoado. A chuva não parou até chegarmos ao museu. Da estação de Metro até ao museu, atravessámos parte do Parque Ueno. Mesmo sendo perto, deu para ficar encharcado. O meu blusão, que devia ainda ser impermeável, deixou passar água até à pele. Por isso, ficou a secar guardado nos cacifos do museu, enquanto o visitávamos.

O Museu Nacional de Tóquio é o mais antigo e o maior museu do Japão. Fundado em finais do século XIX, está situado na extremidade norte do Parque Ueno, um dos parques de Tóquio mais carismáticos, agradáveis, populares e maiores da capital nipónica. Um dos sítios onde passeámos sob as cerejeiras em flor.

Embora não pareça (com a chuva, nem nos apercebemos da dimensão - parece que existem vários edifícios...), percorremos cinco andares que reúnem quase um milhar de  objectos/peças de valor arqueológico, etnológico e artístico da existência do Japão e não só, já que juntam muitas peças dedicadas à etnologia e arqueologia asiática.

Todavia, a arte japonesa está exposta em mais de duas dezenas de salas, incluindo espadas, escultura, cerâmica, que vão da pré-história até ao final do século passado. Um pouco à imagem do Museu Britânico, mas de muitos outros em geral, também possui uma área dedicada aos Tesouros Nacionais.

Foram, contudo, os espaços dedicados aos aspectos paleontológicos, tecnológicos, enciclopédicos e naturalistas que mais chamam a atenção. A fauna ancestral e contemporânea e a área de catalogação de espécies – tal como nos museus clássicos – também são dos aspectos mais relevantes.

O museu é enorme. Deixámos para outra oportunidade (!), uma quantidade de espaços de exposição, quer na área japonesa, quer a galeria de tesouros e a área de informação. Supomos ter visitado, numa manhã, apenas dois edifícios e nem sequer percorremos todos os andares.

A Paleontologia está bem representada com modelos de mastodontes, quer terrestres, quer marinhos, mas também com seriados de crânios humanos pré-históricos e vestígios de utensílios humanos com milhares de anos, bem ainda com colecções de fósseis, trilobites p.e., espécies com mais de 250 milhões de anos.

Na área ligada às tecnologias não faltam os equipamentos de detecção, desde o “velho” radar aos medidores de vibração; os motores, desde os industriais – geradores, etc - até aos de automóvel e, dos aviões antigos até às mais sofisticadas sondas espaciais, além de outros equipamentos de óptica, medida ou de corte.

Num espaço destacado, um "Zero" (e o respectivo motor), avião de caça japonês utilizado durante a Segunda Guerra Mundial - e consagrado no "ambito das acções "kamikaze", permitia perceber a respectiva simplicidade, sobretudo interiormente já que possuiu o mínimo necessário para voar...

Outra área ligada à etnologia junta objectos, equipamentos e maquetes que contemplam não apenas as comunidades japonesas mas também as da área asiática/Pacífico, reconstruindo testemunhos de espiritualidade, artísticos, mobilidade, etc.

A parte de catalogação, um dos legados científicos do século XIX, vai às pinhas, às conchas, aos insectos, aos cogumelos, aos pássaros, aos cervídeos, esponjas do mar, borboletas, seres unicelulares, num contexto não muito diverso dos museus de História Natural.

Apesar do ambiente ser contrastado, é pena a luz não ser cúmplice da fotografia e do vídeo. É normal, neste tipo de espaços, sobretudo para objectos iluminados em vitrines. Sobretudo os reflexos, ou mesmo pouca luminosidade, não ajudam a divulgar o espólio de uma forma esteticamente mais qualitativa. Através do audiovisual, fica-se com uma ideia. Já não é mau.

Música: Yin Yin, Pingpxing



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Castelo de Numão




Diz-se que águas da chuva caídas na serra da Lapa podem desaguar na Figueira da Foz, Aveiro ou Porto. O declive dá-lhe essa condição e a altitude oferece-nos paisagens vastas, muitas manchas verdes, milhares de socalcos, avultados picos e miradouros. Parece estarmos mais perto do céu.



Na sua maior quota chega praticamente aos mil metros de altitude. No castelo de Numão, onde estamos, o nosso olhar vai quase desde os 700. Do adarve, avistam-se as muralhas dos castelos de Ranhados e Penedono, depois as de Castelo Melhor e Castelo Rodrigo.

 

Como tantos outros, teve ocupação humana anterior, neolítica/calcolítica, castrense, romana e árabe. Antes da passagem do primeiro milénio já havia ali uma fortificação no domínio do Condado Portucalense, doado aos territórios propriedade do mosteiro de Guimarães.



Por volta do ano mil foi árabe, depois reconquistada, retomada por Fernando Magno, entregue posteriormente por Afonso Henriques ao cunhado que o reconstruiu. É do reinado seguinte a construção da torre de menagem. Depois da crise de 83-85, o castelo ficou na posse dos Coutinhos, condes de Marialva, até à extinção da família nos anos 30 do século XVI.


De então para cá, exceptuando a instalação de iluminação cénica no início deste século, pouca atenção tem sido dedicada ao castelo que é monumento nacional. Eleva-se sobre Numão aos 667 metros de altitude – a antiga Naumam, como consta numa das placas informativas dos percursos pedestres nacionais, colocada próximo - e ocupa uma área significativa, cerca de 2 hectares.


Apesar do abandono, ainda é possível observar algumas paredes de casas no interior das muralhas. Todavia, é do adarve que se vislumbra o amplo horizonte, para lá de vila Nova de Foz Côa, que está a escassos vinte quilómetros. Para norte, o Douro está, mas não se vê dali, escondido atrás das encostas.


A dimensão nota-se no perímetro e na altura das muralhas, nas torres que as reforçavam – quinze no total, actualmente seis visíveis – e nas quatro portas que as rasgam. Apesar de não ser muito alta, a Torre de Menagem está situada num dos pontos mais elevados do castelo, local de onde a vista se espraia por quilómetros em redor.


Próximo da porta principal fica a igreja românica de Santa Maria do Castelo e um cemitério de campas rasas. Nas paredes da igreja ainda se notam as marcas de pedreiro ou marcas de canteiro, destinadas a identificar a autoria do trabalho de configuração e colocação das pedras, para posterior pagamento desse trabalho.


A enorme cisterna que ocupa o centro da praça de armas tem cerca de 7 metros de diâmetro. Mais longe, é possível observar uma dezena de sepulturas antropomórficas, rectangulares, trapezoidais e de extremos arredondados, por vezes com a forma do recorte do corpo, esculpidas em granito, lugar denominado como Cemitério dos Mouros.



Tal como a maioria dos castelos, o de Numão eleva-se na paisagem como um gigante que leva o olhar para lá das inúmeras colinas que o rodeiam. Aquele sentir altivo dos miradouros está lá, entre o longe verde e castanho e a aridez da proximidade feita de terra e pedra.





Música: https://www.ashamaluevmusic.com/cinematic-music