Último dia de Maio.
Nesta Primavera sinusoidal, há que aproveitar o (melhor) tempo para andar. Para
passear de moto. Aliamos o passeio de moto à arte esculpida, esta à arte
gastronómica, esta ao passeio pedestre. A cada intervalo, andamos de moto. E
temos o sábado preenchido, recheado de muito do que mais gostamos.
O Buddha Eden é um
parque temático com conteúdos asiáticos, sobretudo relacionados com o budismo e
o hinduísmo, iniciativa de Joe Berardo, que alia o espaço agrícola onde produz
vinho, ao espaço de passeio e contemplação. Embora o tenhamos visitado há pouco
tempo com o Clube Paneuropean, desta feita, fomos com amigos mais antigos.
O espaço de estacionamento continua com aquela gravilha rala que, chovendo empapa, estando seco se empoeira. Embora ameaçasse chover, só à saída caiu um pequeno aguaceiro, que nem sequer nos molhou. Durante a visita o céu esteve sempre cinzento.
O EXÉRCITO DO
IMPERADOR
Entramos nos cerca
de 40 hectares do intitulado maior jardim oriental da Europa. Logo após a
bilheteira o acesso principal ao jardim faz-se através da reprodução do pórtico
de um templo chinês. É também o caminho mais próximo do lago dos pagodes. Das margens do lago, percebem-se imediatamente na colina uma longa fila de estátuas de soldados. Representam os exércitos do primeiro imperador da China, Qin Shi Huang.
As estátuas originais foram enterradas junto do túmulo do imperador, com
o objectivo de o proteger na sua vida após a morte. Estes soldados,
agora pintados de um azul fortíssimo, é parte do exército do jardim. Mais
abaixo, depois da escadaria dos budas, numa plataforma inferior, estão formados
mais umas centenas de soldados deste exército póstumo. Curiosamente, na mesma
altura, cerca de 200 a.C., no Egipto, já não vigoravam tais ideias, cujos
faraós chegaram a cultivar concepções semelhantes.
JARDIM DOS BUDAS
São os budas dourados que
dominam a colina central do jardim. O Buddha deitado, com cerca de 15 metros de
comprimento, está a meia-encosta, e é a mais evidente estátua de todo o jardim.
Diz-se que estão no recinto 6 mil toneladas de estátuas. 700 pertencem ao
exército do imperador. A grande
escadaria central está “guardada” por um conjunto de Budas, que partilham uma
expressão simpática e um sorriso enigmático, parecendo amáveis anfitriões da
colina. Uns estão enterrados e só a
cabeça se lhes vê. Outros, de tão plácidos ares, não se lhes descobre nada,
além daquele semblante de aparente contemplação.
Mesmo as estátuas erectas da
divindade, conservam um ar tranquilo, auxiliando os visitantes a ultrapassar o
desconforto da escadaria. Talvez estejam ali, com aquela
expressão carinhosa e motivadora, mesmo para ajudar os visitantes a subir.
Embora exista um pequeno comboio que percorre as ruas principais do jardim,
muitos querem subir a colina a caminho do topo. De lá, a vista alcança
meio-jardim, incluindo o lado do pagode e a zona das esculturas.
O périplo de comboio dá uma boa
ideia da dimensão do parque, da diversidade da orografia, da multiplicidade de
jardins, da variedade de espécies vegetais, da quantidade de esculturas e
estátuas, bem como das diversas perspectiva face ao lago ou às variadas
colinas.
SOB O SIGNO DA ESCULTURA
Perto da entrada, a parte nova, dá relevo à(s)
escultura(s). Há obras de Joana Vasconcelos, Alexander
Calder, Breuer-Veil ou Fernando Botero. São mais de 200 esculturas,
substituídas pontualmente, envolvidas por um milhar de palmeiras.
Tal como outros jardins, onde a
estatuária está em evidência – Jardins Gulbenkian (Lisboa), Serralves (Porto), Parque
dos Poetas (Oeiras) ou, até mesmo, Parque salgueiro Maia (Massamá) – o espaço
parece uma galeria de esculturas a céu aberto.
Os materiais vão da pedra ao
metal, passando pela madeira. A maioria das esculturas contempla a figura
humana ou os animais. Mas é possível admirar esculturas produzidas com peças de
engrenagens industriais, como fossem duas cadeiras, colocadas em posição
estratégica numa das colinas.
Apesar do sobe-e-desce, que o deambular pelas colinas obriga, o piso é adequado ao andar. O ambiente arbóreo empresta alguma frescura ao espaço e alguns bancos permitem uma paragem para descanso, meditação e/ou observação.
Nesta altura,
pareceu-me que o mais número de esculturas da zona nova, seria o de arte
africana ou, pelo menos, os respectivos temas. O que contrasta com os temas
asiáticos e, talvez por isso, ocupem espaços diferentes.
Ainda não descobri
se existe algum sentido e/ou configuração filosófica, sobretudo na aparência da
parte asiática do jardim. Fosse japonês, tê-lo-ia certamente, dispostas na
maneira como as pedras estivessem dispostas ou a terra fosse distribuída.
AREIA BRANCA
Aquela chuvinha
molha-tolos acompanhou-nos, desde a saída do Buddha Eden, até perto de Peniche,
curiosamente, o único lugar iluminado pelo sol, em toda a extensão do
horizonte. A verdade é que, em redor, o céu estava ameaçadoramente negro de
chuva.
Mas, quando
chegámos ao estacionamento da Praia da Areia Branca, a estrada já secara.
Parámos junto à praia, agora também iluminada pelo sol. À uma da tarde,
estavamos sentado no restaurante Foz, previa e felizmente reservado.
Ficamos numa mesa
redonda, com vista de mar e excelente para trocarmos ideias e fazermos
escolhas. Por tal, passamos em revista anseios e propostas de outros passeios e
viagens. O próximo ficou desde logo marcado para o fim de Junho, no Algarve.
Sugeriram-nos uma
mariscada de polvo. Anuímos em boa hora. A qualidade e tempero superaram as
nossas expectativas. Optámos por vinho branco da casa, da região, e sangria,
que se foram acompanhando a maciez do polvo e o sabor apurado dos camarões.
Fora, o sol
havia-se imposto definitivamente. O céu mostrava agora aquele azul Atlântico e
um contraste entusiasmante com as nuvens mais escuras que ainda não se haviam
esfumado. Foi assim ao longo da costa, até à Ericeira.
ONDE O MAR É MAIS
AZUL
Tal como o céu,
também o mar estava tranquilo. O tempo pactuara connosco e a estrada saloia
levou-nos à Ericeira em bom piso e com pouco trânsito. Embora houvesse bastante
gente no centro da vila, muitos não devem ter acreditado que o tempo melhoraria
para a tarde.
Deixámos as motos
no estacionamento próximo da Capela de S. Sebastião e fizemos um passeio
pedestre pela marginal, passamos pela praia dos Pescadores e ficámos pela Praça
da República, à procura de “ouriços”, um bolo tradicional da terra.
Diz-se mesmo que o
nome ancestral da Ericeira seria Ouriceira. Não decorrente da existência do
bolo, mas sim por ser terra de ouriços, de ouriços-do-mar. Ainda hoje, o ouriço-do-mar,
confecionado de diversas maneiras, é prato típico da gastronomia da Ericeira.
Deambulamos entre
as antigas casas de pescadores, hoje quase todas recuperadas, muitas delas já
“alojamentos locais”. Cerca de um quilómetro separa a Capela da Praça. Anda-se
por cima de desconfortáveis paralelepípedos mas, em 15 minutos, fazemos meia
Ericeira.
Com o fim de tarde
a aproximar-se, despedimo-nos no parque de estacionamento, ainda paramos para
um reabastecimento tardio e optámos pela auto-estrada para o regresso a casa. Faltam
menos de um mês para voltarmos às “nacionais”, para passear de moto.