sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Um Passeio Por Marrocos, 2005


Parece que foi ontem, mas já lá vai uma dúzia de anos. Ao contrário de outras ocasiões, estes doze anos não parecem ter os mais de quatro mil dias que lhes pertencem. Talvez quatro mil horas, isso sim, é capaz de se uma distância razoável para a memória se organizar. É que, passar para África, entrar em Marrocos, trepar o Rif e o Atlas, acometer pelos desertos de pedra e de areia e esquadrinhar labirintos nas cidades imperiais marroquinas, agarra-se à memória como gato a bofe. Quando isto se dá de um momento para o outro, pela primeira vez na vida, de moto… ainda parece que foi ontem.

E como é que isto acontece? É difícil escorar a imaginação, sobretudo quando há ambientes exóticos ou sonhos de permeio. Não resistimos. A utopia é um motivo. A singularidade era outro dos eixos mais importantes de um livro que estávamos a preparar sobre viagens de moto realizadas por portugueses para destinos longínquos e de aventura. Realizámos o primeiro, escapou-nos o segundo.
Pessoalmente, também, buscávamos diversidade. Encontrámo-la na variedade das montanhas e das planícies (nuas o Atlas, frondosas no Rif), nas florestas (imensas, de cedros, em Ifrane), e no deserto (na aridez dos espaços e nos oásis do Erg Chebbi), nos rios amplos ou nos leitos secos (em Ait Ben Hadou), nas estradas sinuosas (do Atlas, por exemplo) e nas rectas infindáveis (até Ouarzazate), nas grandes cidades (Marraquexe) e até nos pequenos lugares (Tadart Oufella). Marrocos serviu para quase todos os propósitos.
Mas também descobrimos outras arquitecturas, os incontornáveis “arabescos” e os omnipresentes adobes, sentimos o ambiente saariano, encontrámos alguma opulência mas ainda pobreza, deparámos com corrupção mas também encontrámos muitas pessoas simpáticas e divertidas. Percorremos muitos caminhos, andamos por muitos sítios e protelámos algumas visitas para os anos seguintes.
Estivemos sob chuva, algum calor, frio, neblina, céu azul ou cinzento de chumbo, Adiámos a tempestade de areia para daí a dois anos. Sentimo-nos em segurança, negociámos, sentimos algumas afinidades culturais, demo-nos bem com a alimentação saborosa mas limitada e visitámos sítios espantosos, Tudo com a cumplicidade da moto, que nos limita em determinados aspectos, mas nos liberta de outros incómodos.
Planeámos a viagem de forma aturada mas não exaustiva. Fomos ao turismo marroquino em Lisboa, reunimos relatos de viajantes e estabelecemos alternativas logísticas. Traçámos um itinerário que nos possibilitasse realizar um circuito espacial e permitisse um primeiro contacto com a tal variedade e particularidade que procurávamos. Não podia ter sido tão diverso e estimulante.
Ajustámos conduzir em média 350 quilómetros por dia, excepto no dia de partida e no dia de regresso, sendo que a etapa mais longa em Marrocos devia ter cerca de 370 quilómetros e a mais curta aproximadamente 200. A ideia era privilegiar a manhã para andar e deixar o meio da tarde e a noite para visitar os lugares onde pernoitássemos. Cumprimos praticamente tudo, a não ser a ligação ao deserto, dia em que andámos até à noite. Estamos em Novembro de 2005. Mas, vamos por dias, como estava planeado.

PRMEIRO DIA
ATÉ FNIDEQ COM ENCONTRO EM BEJA


Ceuta, vista do Ibis, em Fnideq
Chovia quando saí pela manhã, já o dia ia por aí fora. Aliás, chuva foi o que não faltou durante metade do percurso do primeiro dia, 3 de Novembro. De tal forma que, sendo raríssimo, até cheguei a levar o fato de chuva na mala de topo. Embora o tempo tenha melhorado, o fato voltou a ser útil na travessia do Atlas...
O Paulo vinha de Vila Real e eu de Queluz. O local de encontro estava marcado para Beja, no parque de estacionamento de um supermercado. Eu ainda parei na área de serviço de Montemor, para ajeitar a gola do blusão, que o vento havia desviado e estava a deixar entrar água. E nem sequer reabasteci.
Iria chover praticamente até Beja
Registei aí o primeiro “take” da viagem. Informaram-me, de imediato, que a “Companhia” não gostava que filmassem ou fotografassem o posto. Repliquei que era uma filmagem documental, doméstica, e “ofereci” a cassete ao meu interlocutor. Não aceitou e acabámos a falar de motos e viagens…
Em Beja, verifiquei que a PanEuropean perdera dois parafusos de pressão de plástico da carenagem, efeito provável dos 26 quilómetros, de ida e volta ao Pulo do Lobo, em terra batida mas com muitas pedras à mistura, efectuados duas semanas antes. Não era grave. Aliás, à chegada já faltavam mais uns quantos… Não queríamos embarcar muito tarde, pelo que o almoço em Beja estava no limite de tempo para chegarmos ainda de dia a Algeciras. No entanto, o Paulo teria de cumprir mais de 300 quilómetros do que eu até Beja. Numa localidade beirã, o Paulo perdeu a noção da “velocidade prudente” e teve de pagar por isso ao Estado. Foi mais do que um dia em Marrocos de prejuízo.
Choveu intermitentemente até Serpa. Mais à frente, a estrada de Aracena já estava seca. Parámos quando a nacional encontra a estrada que liga Badajoz a Sevilha e, curiosamente, num restaurante onde anos antes o fecho da breguilha das minhas calças de cabedal se havia rendido à porta de uma casa de banho exterior…
Restaurante Puerto Blanco, na N630 espanhola
Escureceu antes de Sevilha e começámos a andar mais devagar. Deparámos com cerca de 3 quilómetros de obras no início do troço de via rápida que vai de Jerez de la Frontera até perto de Algeciras e perdemos mais tempo que teria sido útil para chegar a África ainda de dia. Só à terceira consegui chegar a Marrocos ainda com o sol acima do horizonte.

Entrámos no ventre do ferry a pisar aquele piso de ferro com muito cuidado. Apertaram-nos as motos contra o chão como se fossem escapar. A pressão foi de tal ordem que ainda tive dúvidas se teria banco para continuar. Mas foi falso alarme. O banco iria a Marrocos mais três vezes sem se queixar.

PRIMEIRO CONTACTO: A PASSAGEM DA FRONTEIRA


No barco para Ceuta. Um luxo.
Atravessámos o Estreito de Gibraltar em 35 minutos, cerca das 9 da noite. Em Ceuta, atestámos o depósito com gasolina a 74 cêntimos o litro, uma raridade na Europa, e fomos de imediato para a fronteira, após percorrermos uma marginal praticamente deserta. Prudentemente, já que era a primeira fronteira que atravessávamos em África, fomos um de cada vez proceder aos protocolos fronteiriços, ficando o outro a controlar a operação. Depois, observado o ambiente calmo e seguro, passamos a tratar simultaneamente dos documentos. A fronteira estava como a marginal de Ceuta, praticamente vazia.

  • No guichet dos passaportes só estava um homem marroquino a ser atendido, ou melhor, a não ser. O funcionário olhava-o como se ele ali não estivesse. Viu-me atrás dele e pediu-lhe que me desse lugar. Olhou vagarosamente para o meu passaporte, virou-lhes as páginas, voltou a olhar para mim e levantou-se não sem antes virar os olhos para o marroquino. Como se estivesse à espera de qualquer coisa… Quando regressou, carimbou o meu passaporte, entregou-mo e disse-me em francês para ir fazer um seguro ao outro guichet. A análise do passaporte do meu companheiro de fila marroquino continuou, pelo menos, até sairmos. Até deixarmos a fronteira, o homem manteve-se sereno à espero do documento.
Demorámos meia hora na fronteira marroquina, entre passaportes e seguros. Frisaram-nos que era imprescindível devolver uma das cópias dos documentos de importação da moto, sob pena de não ser possível entrar com aquela moto de novo em Marrocos. Acreditei, tal a veemência da informação.
O documento de importação temporária da moto
Havia pouca gente a atravessar a fronteira, mas imaginámos que não seria agradável entrar em Marrocos no Verão, a meio da tarde. Dois anos depois, em Abril, também se verificou ser difícil, quando estivemos quase duas horas, ao fim da tarde, para entrarmos em Marrocos, obrigando-nos a fazer parte do caminho até Chefchaouen já de noite…
Antes das dez estávamos no Íbis, em Fnideq, dois quilómetros dentro de Marrocos, a saborear uma tajine de carneiro. Enfiámos as motos na garagem, apreciámos a pequena piscina com iluminação nocturna, vislumbrámos as luzes de Ceuta que pareciam estar ali muito próximo, trocámos dinheiro e deitámo-nos cedo. O Paulo tinha cerca de 900 quilómetros nas ancas…

SEGUNDO DIA
DE FNIDEQ A FEZ, PELO RIF


De manhã, estava fresco. Despedimo-nos de Ceuta, já com as motos viradas para sul. Daí a pouco, estávamos na via rápida que margina o Mediterrâneo até Tetouan. Andámos ao longo de urbanizações de ócio, algumas em ruínas, outras a estrear. Do lado esquerdo, alinhadas junto à costa, passamos inclusivamente um conjunto de guaritas que serviam de refúgio a militares enregelados.
Foram quase meia centena de quilómetros, percorridos de forma calma ante a quase inexistência de trânsito. Dizia-se que aquela zona era uma das mais afamadas para passar uns dias na praia. O Mediterrâneo é brando e as urbanizações de férias estão praticamente em cima do mar.


  • Atravessámos Tetouan lentamente à procura do desvio para Chefchaouen e à conversa com um magrebino montado em uma “125”. Dizia ter estado em Coimbra e sermos povos irmãos. Convidava-nos a conhecer a Medina da cidade. Declinámos. O nosso destino naquele dia ficava a quase 300 quilómetros. Tetouan parecia uma cidade fantasma. Havia muita gente na rua, sobretudo ao longo da avenida principal, mas a maioria dos estabelecimentos permanecia de portas fechadas. Não parecia, mas era dia de “Festa”. Já nos tinham avisado no Ibis. Decorria um ritual religioso muçulmano.

ATRAVÉS DO RIF


Paragem rápida em Ouezzane
Começámos a trepar o Rif, uma região montanhosa que vai de Tanger a Mellila, logo após Tetouan. Almoçámos numa esplanada, após cumprirmos uma estrada sinuosa com piso polido. A PanEuropean deslizou por duas vezes, uma delas devido a gasóleo, cujo cheiro antes detectara. Ao Paulo, foi uma abelha insolente que lhe invadiu o capacete. Sem consequências. Entretanto, fomos parando na berma para observar durante mais tempo o ambiente do Rif. Na altura, já o achámos muito parecido com o norte de Portugal, devido ao acidentado do terreno,  e com o sul decorrente da quantidade de oliveiras que preenchiam as colinas. Almoçámos em Ouezzane. Se o primeiro contacto com a gastronomia marroquina no Íbis tinha sido agradável, confirmámos ao almoço que ficaríamos fãs das brochettes, uma espécie de “espetadas”. As inaugurais foram de carneiro. Teríamos bastantes oportunidades para experimentar de frango e de cabra. O preço foi excelente.
Considerando os padrões portugueses, havia demasiada gente na berma da estrada, muitas crianças, algumas carroças e burros. As pessoas estavam paradas à espera de transporte ou tinham como destino a povoação seguinte. Contudo, caminhavam calmamente mas quase sempre do lado direito da estrada.
Descemos para Fez, que se ia estendendo aos nossos olhos e alargando no espaço conforme nos aproximávamos. O sol punha-se à direita e iluminava a nossa chegada à cidade. O surgimento progressivo de Fez, primeiro como um conjunto de pequenas aldeias espalhadas por uma vastidão sublime, depois como um imenso xadrez de edifícios baixos e monocromáticos, mas de onde sobressaiam diversas torres, foi um dos pontos altos do dia. 
Aproveitando uma pausa para tomar nota das novidades
Atestámos, como habitualmente antes de entrar na cidade. Nessa altura, o primeiro guia do passeio veio ter connosco. Um tipo que não devia ter mais do que 25 anos, montado numa “ acelera”, levou-nos ao Hotel Fez Inn, no lado oposto da cidade. Assegurou-nos também outro guia, este “oficial”, para conhecermos a Medina de Fez, experiência imprescindível conforme defendia. Combinámos que ele estaria às 4 da tarde no hotel.
Chegada a Fez
As motos ficaram num corredor anexo ao hotel, visíveis da nossa varanda. Daí vislumbrávamos também parte da zona nova mas, sobretudo, a mancha alva da zona antiga. Não muito longe, erguia-se a torre da mesquita que iria ser o nosso despertador no dia seguinte.

  • Quando nos viu entrar no hotel com as malas da moto e os sacos de depósito, o porteiro disponibilizou-se imediatamente para as levar ao quarto. Quando o vi tentar pegar em tudo, capacetes incluídos, senti um misto de pena e cautela. Condescendemos nas malas, mas os capacetes ficaram por nossa conta. Quando agradeceu, o Paulo meteu a mão no bolso e tirou algumas moedas que lhe estendeu. Ainda hoje, tenho a noção do homem, um gigante negro de rosto simpático, á saída do quarto a recuar lentamente e a fazer vénias, como se tivesse recebido tanto ali como durante o mês inteiro…

A "garagem" do hotel em Fez
Estávamos a meio da tarde e o cansaço levou-nos a esticar o corpo nas camas. Acordámos com o telefonema da recepção a alertar-nos para o facto de o guia já lá estar há meia hora… despachámo-nos e seguimos com o guia num “petit táxi”, pequeno em dimensão - Fiat Uno - e na despesa - 30 dirhans / 3 euros para fazer quase uma dezena de quilómetros.

NO LABIRINTO DA MEDINA


Pátio das abluções na mesquita Karouine
Íamos à descoberta da medina. Ainda era de dia quando partimos. Mas bastou entrar no labirinto das ruelas para que parecesse ter anoitecido rapidamente. Estreito, escuro e coberto, era assim o dédalo da Medina com mais de 800 anos de existência e Património Mundial da Unesco.
Estava em plena recuperação por iniciativa daquela organização e havia traves de madeira a escorar meia medina. Aliado a essa espécie de estaleiro estava o traçado labiríntico, a estreiteza das ruas e as coberturas que protegem muitas delas. O céu ainda não nos caía na cabeça, mas parecia estar perto.
Interior da mesquita Karaouiyne
De vez em quando, a riqueza das decorações metálicas das portas centenárias, bem como os relevos esculturais inscritos na madeira, obrigava-nos a parar para observar a arte do trabalho daquelas portas. O Paulo guardou uma boa colecção de portas. Muitas delas, escondiam autênticas grutas de Ali Bábá, como viemos a concluir mais tarde, ao visitar algumas lojas. 
Mas o gosto pelo proibido levou-nos à volta da mesquita e universidade Karaouiyne, aproveitando a abertura das portas para tirar fotografias. Tal como a esmagadora maioria, esta mesquita também só está aberta aos fiéis muçulmanos, e mesmo o facto de tirarmos fotografias não devia ser do agrado do guia, que ia caminhando à frente com ar de quem não nos conhecia de lá nenhum…

  • Compelidos por ele, mas também pelo facto de estarmos pela primeira vez numa medina e ante lojas cujos produtos se destacavam pela originalidade, cor, desenho, etc, fizemos algumas compras. Era dia de “Festa”, como nos repetiam até à exaustão. A ocasião correspondia ao final do período do Ramadão, durante o qual a alimentação dos crentes islâmicos é escassa à noite e nenhuma durante o dia. Não admira que o dia seguinte fosse de festa. Esse motivo, tanto explicou o facto da quase totalidade das lojas estar fechada, como os diversos “descontos” que os vendedores iam apregoando ao elevado preço inicial que atribuíam aos artigos. Um exemplo, o valor conferido a uma joia em prata com pedras de âmbar, suplantava o meu orçamento para a viagem, mas comprei-o com um desconto de 90%…
Não havia muita gente nas ruelas. Felizmente. Houvesse e talvez a preocupação tivesse sido não sermos atropelados ou empurrados para um qualquer beco escuro. Muitas ruas são cobertas por canas ou construções, o que, aliado à extrema proximidade das paredes, veda a entrada de luz do dia. Em algumas ruas, eu dificilmente passava de frente …
Há ruas, mais estreitas do que as anteriores, que terminavam numa porta baixa e escondida. Se a luz era ínfima, as indicações eram raras. Mesmo assim, passámos por uma biblioteca localizada num edifício nobre e por uma mesquita suportada por colunas de uma geometria irrepreensível. Vislumbrámos ainda os tanques de coloração de tecidos e peles, as famosas tinturarias a céu aberto. Ao lusco-fusco, confiámos que aqueles líquidos tinham cores diferentes…
Os célebres tanques de tingimento
Para ver o complexo em toda a sua extensão, o guia levou-nos a uma loja, de cuja varanda se pode ver toda a superfície das tinas, as passagens entre os diversos sectores e ainda algum movimento dos tingidores. A loja tinha dois andares, repletos de cabedais, tapetes e madeiras. Ali, julgo que não compramos nada.
Fizemo-lo mais tarde, em uma loja de tapetes. Foi aqui que eu bebi o chá de menta mais saboroso da jornada. Enquanto o Paulo ia optando entre um e outro tapete, das dezenas que lhe trouxeram, eu ia bebendo um, dois e julgo que ainda arrisquei num terceiro chá. O açúcar era diferente, a hortelã gostosa e o chá tinha um sabor perfeito.
Na loja de tapetes com o melhor chá da jornada
Escurecera entretanto. Ao longe, por entre as açoteias da medina via-se a muralha de uma fortaleza iluminada. Ficámos convencidos de que, caso entrássemos sozinhos naquele emaranhado de ruas, não faríamos mais do que duas ou três sem que nos perdêssemos. O dédalo seria a nossa perdição, caso não possuíssemos um guia. Podemos entrar, mas também podemos não sair. Sobretudo, se não soubermos por que porta entrámos, dificilmente saberemos por que porta escapar para ir ter ao sítio onde entrámos. Mesmo apesar de haver diversos locais de referência – torre da mesquita, o mausoléu de Moulay Idriss, a madrassa de Al Attarine -, nem sempre estão visíveis.
Jantámos num restaurante onde estava apenas outro casal, salvo erro também estrangeiro. Escolhemos o menu retirando alguns elementos do prato proposto de que não tínhamos certeza se gostávamos. O preço acabou por ser ajustado. Deve ter sido aqui o nosso baptismo neste tipo de negociação.
Restaurante no interior da medina de Fez
Ao regressarmos ao hotel, tínhamos uma rusga da polícia por companhia, a dois prédios de distância. Como informou o nosso guia, Mohamed, homem bem informado que não largava o telemóvel, tratava-se de uma investida das autoridades sobre um local público que não estava autorizado a vender álcool.
Mohamed não estava apenas bem informado. Como bom guia, tinha bastantes contactos. Perguntou-nos para onde íamos e nós dissemos-lhe que o Erg Chebbi seria um dos locais que queríamos conhecer. “Tenho um primo em Rissani! Precisam de alojamento? Querem combinar já…”, propôs. Dissemos-lhe que não sabíamos em que dia lá chegaríamos. 

TERCEIRO DIA
DE FEZ AO ERG CHEBBI, À DESCOBERTA DE IFRANE



Acordámos ao som da chamada electrónica à oração da manhã, acompanhada pouco depois por um despique de galináceos. A estridência do som pôs-nos a pé de imediato junto à janela. Verificámos que as motos ainda estavam no mesmo sítio, voltámos a olhar para os telhados de Fez e prepararmo-nos para descer.
Ao pequeno-almoço, detectámos uma lustrosa barata castanha a explorar a vizinhança dos recipientes de café. A empregada também viu que nós vimos, mas não valorizou. Entrámos no “espírito” do ambiente e, com aquele sorriso pândego de quem raramente apanha sequer uma formiga na mesa do pequeno-almoço, deixámos o animal em paz.
À porta do hotel Fez In
Abandonámos Fez de maneira fácil. Talvez aqui tenha sido o sítio onde nos convencemos de que não é complicado deambular pelas grandes cidades marroquinas - que não são propriamente uma grande medina - mas que, no entanto, não dispõem de indicações de zonas turísticas, monumentais, restaurantes, inclusivamente indicações para “sair a caminho de…”, pelo menos, que nós consigamos perceber…
Percorremos muitos quilómetros ao longo de extensas rectas, mediadas por algumas zonas de curvas entre espaços relativamente áridos. Até que a estrada passou a ser acompanhada de árvores. Mais à frente, surgiram bosques de cedros. A paisagem voltou a mudar quando começámos a subir lenta mas sistematicamente e ficou mais frio. Estávamos no Parque Natural de Ifrane.  
Centro de Ifrane
Não sei se já tinha lido sobre a particularidade da cidade, mas julgo que sim. Por tal, não foi inédito. Mesmo assim, não deixou de surpreender entrar num burgo em tudo semelhante a uma qualquer congénere francesa ou suíça de montanha. Os telhados inclinados e as mansardas diziam da sua afinidade. Quando parámos no centro da cidade, próximo da Câmara local, dos Correios, da zona de lojas e restaurantes, confirmamos a parecença. 
E não era apenas na arquitectura. Todo o cenário apontava para o ambiente alpino, com cadeiras de palhinha, designações em francês, passeios públicos em laje, pedra nas fachadas. À saída, perdemo-nos na opção mais directa para a N9 e fizemos um pequeno circuito florestal que nos levou depois ao caminho correcto. E foi a partir daqui que o ambiente mudou. Não só a paisagem natural – surge o deserto de pedra - mas também o aspecto das pessoas – mais tisnadas pelo sol.
Mais um Stop na jornada
A vegetação vai desaparecendo à medida que a pedra a substitui. O trânsito vai escasseando e as povoações são cada vez mais longe umas das outras. Ora andamos no planalto em longas rectas, ora andamos às curvas a trepar um monte mais notório. O piso mantém-se aceitável e o estar é agradável. 
Por ali, chegámos a estar próximo dos 1900 metros de altitude, no Col de Talghomt, quando parámos num local aparentemente isolado, mas que ainda possibilitou ao Paulo pousar com um local e com o seu jumento. O passeio no burro, far-se-ia por um cigarro, caso houvesse, caso o Paulo fumasse…

A TRANSIÇÃO ENTRE O MÉDIO-ATLAS E O DESERTO



O tempo aqueceu. O horizonte, seco, plano e vazio já deixava antever uma sombra negra que se estendia até onde a vista alcançava. Era o recorte do Médio-Atlas, o planalto mais elevado de Marrocos. Estava longe e confundia-se com as nuvens. A estrada, essa, parecia desviar-se, à procura de um caminho menos íngreme.
Não nos cruzámos com mais do que meia dúzia de jipes e um par de trails, para além dos raros veículos dos autóctones. Destes, muitos saudaram-nos. Agora parávamos mais vezes, sobretudo à vista de aldeias cujas casas se assemelhavam em cor e forma. As tonalidades salmão e terra dominavam os conjuntos edificados. Quanto mais para sul, mais notório se tornava.
Por vezes nao há escolha possível de bermas...
Até que, mais à frente, verificámos que o horizonte urbano não passava de uma extensa mancha cor de salmão, ocre e ou terra, onde apenas a dimensão das habitações concedia ligeiras diferenças à paisagem. Essa monotonia cromática estender-se-ia às aldeias do sopé do Atlas, a Ouarzazate, a muitas zonas de Marraquexe.
Almoçámos em Er Rich, uma localidade relativamente recente. Sentámo-nos no Cafe Restaurant Ouzaruui que tinha tajines fumegantes expostas como cartão-de-visita, em uma esplanada com muito espaço e ainda lugar para estacionar as motos exactamente em frente da “cozinha”…
Enquanto almoçávamos fomos observando o ambiente da povoação. Muito calma, cálida e com bastante gente a deambular. A cor de salmão dominava os edifícios, embora os azuis sobressaíssem. Aliás, esta foi uma das povoações onde as cores davam uma alegria especial ao ambiente.
Apesar da diversidade gastronómica ser escassa – a oferta não vai além de três ou quatro pratos (os restantes são variações) - e das quantidades serem escassas – percebia-se, neste caso, pelas montras - alguns pratos são-nos familiares, como fosse o primeiro frango com batatas fritas da jornada…

VALE DO ZIZ



O Rif deixara-nos, muito embora, de vez em quando, ainda o percebêssemos, muito ao longe. A estrada oscilava entre o razoável e o irregular. Nalgumas curvas havia areia na estrada, rapada das bermas devido às trajectórias de “aproveitamento” de espaço que os condutores marroquinos privilegiam.
As rectas sucediam-se, ladeadas momentaneamente por pequenas elevações, também elas áridas. Durante muitos quilómetros o piso estava excelente – provavelmente de recente asfaltamento –, embora, por vezes, tivéssemos parado as motos do lado contrário para não comprometer os pneus em bermas suspeitas.
Era sobretudo à saída das localidades, que se viam pessoas à beira da estrada, paradas ou a andar lentamente. Aguardavam boleia, táxi ou autocarros. Muitos, esperavam que passasse o táxi colectivo - maneira mais económica de deslocação - ou as raras e lentas carreiras de autocarros velhos e mal cuidados.
Parámos à saída da povoação, junto de dois hotéis de quatro estrelas, para nos organizarmos em relação ao destino deste dia. Não tardou a sermos abordados por locais com oferta de alojamentos. Mas ainda não era ali que iríamos ficar. O dia ainda nos deixava muitos quilómetros para andar.
Vale do Ziz
Daí a pouco entrávamos no Vale do Ziz, um oásis onde corre o rio do mesmo nome por entre uma vegetação luxuriante. Estes palmeirais foram uma constante nos vales, permitindo a concentração urbana em melhores condições. A água e a vegetação determinavam inexoravelmente o habitat humano nesta zona.
Parámos em uma espécie de parque estacionamento com piso recente, à vista do palmeiral e do encadeado de curvas anteriores com piso irrepreensível. Não apareceu ninguém, nem um carro, durante o tempo em que ali estivemos parados, a apreciar a extensa faixa verde que corria ao lado do leito do Ziz.
Voltámos a parar às “portas” de uma ou outra localidade, à sombra de pequenas torres de adobe ou tijolo rebocado, que pareciam portais de fortalezas. Porém, raramente percebi o nome das localidades, por serem escassas as placas que o mencionavam, até mesmo em árabe.
Ultrapassámos Erfoud, onde já se respirava um ambiente de deserto. O movimento de pessoas e veículos pareceu recrudescer e as pequenas povoações repetiam-se à beira da estrada. Andávamos agora em pleno palmeiral, por vezes envoltos em mais pó do que anteriormente.

TER ALGUÉM À ESPERA

Parámos de novo à entrada de Rissani, junto do portal de entrada da cidade, última povoação antes do famoso conjunto de dunas do Erg Chebbi, para ponderar sobre o destino deste dia. Era esse nome que tínhamos como local a visitar, embora me pareça que não tínhamos a noção de que lá queríamos ficar. Tirámos fotografias, esticámos as pernas e começámos a pensar no que faríamos a partir dali. Possuíamos várias referências de hotéis, mas nunca havíamos escolhido nenhum. 

  • Dispúnhamos também de um número de telefone do familiar do nosso guia oficial de Fez. Todavia, não havíamos ligado. Seria o nosso contacto de emergência. Porém, depois de terem passado meia dúzia de pessoas no passeio perto de nós, um homem aproximou-se e identificou-se como Yusef, o contacto de Moahmed, de Fez! Disse-nos que estava à nossa espera. Olhei para o Paulo e ele retribuiu o meu ar de espanto. Como é que era possível, o homem estar ali, aquela hora, minutos depois de termos chegado…? O que desconhecíamos por completo é que o Yusef trabalhava num alberge. Exactamente num albergue do Erg Chebbi, chamado Erg Chebbi. Não resistimos. 

Entrada em Rissani

Ficámos sem dúvida sobre o destino daquela noite. Ele disponibilizou-se para nos guiar até ao albergue. Trocámos algumas palavras sobre o local e sobretudo sobre o estado do caminho para lá. Talvez não tenhamos percebido informações suficientes sobre este último aspecto...

ERG CHEBBI




  • Fácil. Basta seguirem-nos! – disse-nos, quando já nos apresentava o seu ajudante que passou a ocupar o lugar de pendura numa 4L. Partimos na expectativa, seguindo a carrinha de perto. Atravessámos Rissani na hora de ponta, deixámos a cidade e começamos a percorrer uma estrada com pouco trânsito que fendia uma zona inóspita. Cerca de vinte quilómetros depois de Rissani, no meio de uma recta extensa, uma placa indicava, “Albergue Erg Chebbi”. Iríamos a caminho do lusco-fusco. O asfalto acabava ali. Anoiteceu, mal entrámos na terra batida. A carrinha entrou à nossa frente e iniciou um bailado sobre o terreno quase lavrado, em uma sucessão de curvas aparentemente desnecessária. O solo foi amolecendo e nós passámos a rodar mais devagar. Seguimos a carrinha que ia ganhando alguma distância, à medida que o solo ficava cada vez mais escorregadio. Até que o Paulo saiu do trilho, apanhou areia solta, enterrou a GS e caiu lentamente para o lado da areia. Parei e estacionei a moto com alguma dificuldade, aflito para lhe fixar o descanso que se enfiava chão dentro. Mas só foi preciso endireitar a BMW. O Paulo já estava em pé a verificar que não havia estragos. A partir dali dissemos aos guias que os queríamos bem na nossa frente a iluminar a pista. Arrancámos e seguimos devagar. Daí a pouco, vislumbrámos o que parecia ser um pequeno forte da Legião Estrangeira. Era o albergue, ainda pouco nítido, meio enterrado na areia e envolto em uma nuvem de pó que também nos cercava. Embora o solo fosse maioritariamente terra batida, havia um bom pedaço de areia mesmo à entrada do albergue. Quando ultrapassámos os muros que nos ladeavam e entrámos no recinto, o solo tornou-se mais duro. Tínhamos sobrevivido à passagem do deserto.
Parámos as motos, fomos à recepção, indicaram-nos o quarto, tiramos as malas e andámos 10 metros até à porta do quarto, de arqutectura simples, com camas baixas, mobília elementar e uma casa de banho funcional, onde não faltava um lavatório em pedra com fósseis. As paredes em adobe completavam a atmosfera rústica do quarto.
Sacudimos o pó que carregávamos e fomos jantar. A sala tinha paredes lisas de adobe, uma mesa recheada de livros de viagens e um frigorífico comunitário. A um canto sentava-se uma mulher com traços asiáticos que jantava sozinha e a meio da sala estava um casal de anglófonos. Nós ocupávamos outro canto junto de uma janela falsa. Em redor, uma escuridão que criava alguma expectativa quanto ao cenário do dia seguinte.
Jantámos quando quisemos, onde quisemos, conversámos com os anfitriões, demos uma volta pelo interior do “forte”. Celebrámos a nossa chegada ao deserto com duas garrafitas de ”Magos” que tínhamos previamente colocado no frigorífico comunitário. A luz “faltou” quando tomávamos algumas notas no quarto. Era habitual ser cortada, para poupar energia.

QUARTO DIA
DO DESERTO A OUARZAZATE, PELOS CASBÁS E PALMEIRAIS



De manhã, não resistimos a subir ao telhado do albergue, ainda antes de tomarmos um (robusto) pequeno-almoço. Da açoteia, tentámos visualizar o caminho da noite anterior quando da chegada ao albergue. Para oeste, a pista que havíamos feito na noite anterior parecia rectilínea e mantinha-se sem movimento. Para norte, outra pista levava ao albergue vizinho. Para sul, idem. Todo o cenário era terra batida amarelada com algumas pedritas à mistura.

O DESERTO: A COR, A LUZ E O SILÊNCIO



Para leste, porém, o panorama era diferente. Pequenas dunas antecediam outras de maior dimensão, num perfil ondulatório avermelhado onde as dunas se agigantavam à medida que iam ficando mais longe da vista. Naquela manhã, as minhas noções de espaço, de cor e de silêncio alteraram-se de maneira significativa.
Albergue Erg Chebbi
A porta do albergue que dava para leste funcionou naquela altura como uma espécie de portal. Dali para a frente, era a areia que dominava, atractiva e motivadora. De tal forma, que passamos a ideia a um dos locais que queríamos trepar a duna até ao cimo… ao que nos perguntou se tínhamos tempo. Para chegar à crista da daquela duna, que parecia estra ali a uma centena de metros, levaríamos quase uma hora…
Confirmamos que aquelas pequenas elevações de areia junto ao albergue cresciam bem mais do que as da Costa da Caparica. Por isso, saímos rápido para a areia, como putos atrás de uma bola. Eu tinha chinelos calçados – nem me lembrei do que tinha lido sobre a possibilidade de haver “bichinhos” que mordem, deixando-nos incapacitados - e as primeiras sensações ao andar sobre a areia da duna foram de frescura, moleza e finura, porém, algo mais poeirento do que a areia da Caparica.

Apetecia continuar por ali, à espera de quem chegasse ou de quem partisse, ou simplesmente a contemplar o ondulado avermelhado que se estendia para leste a perder de vista. Agora era a cor que esmagava. Mais perto, o avermelhado com textura arenosa, mais longe, o amarelado seco com toques de cinza aqui e ali.
Na nossa proximidade, só as sombras originadas pelos declives marcavam a diferença de relevo. Mas nem só os olhos nos surpreendiam. O silêncio era derradeiro. Não me lembro de estar num sítio onde o ambiente fosse tão silencioso. E estávamos próximo do albergue, onde chegavam veículos a motor. 

Com um “Inchala!” muito ousado – um vocábulo equivalente ao nosso “deus nos/te ouça”, ou “oxalá”, como frequentemente era invocado pelos nossos interlocutores – garantimos que um dia dormiríamos no deserto, faríamos um passeio de camelo e subiríamos à duna maior que nos desafiava. A ideia ficou e concretizou-se alguns anos depois.

  • Distraídos com aquele silêncio desusado, admirados pelo suave envolvimento avermelhado, embalados por um odor quase estival, não demos por estarmos acompanhados. Até mesmo num espaço onde apenas estávamos nós e as dunas - exceptuando um insecto azul que passou a fugir de nós – podemos ser surpreendidos por alguém que chega, não se sabe de onde. Era um vendedor de fósseis que, num instante, abriu um pano e depois nos mostrou calmamente todo o stock que transportava. Aconselhou-nos a passar uma noite no deserto, a visitar as grutas, a passear de camelo. Dizia não serem longe as minas de onde trazia as pedras. Algumas que nos mostrou, apresentavam pequenos animais fossilizados, mas que, apesar de serem antigos, polidas daquela forma, pareciam ser de plástico.

Pouco depois, decidimos deixar o deserto entregue ao vendedor de fósseis que nos procurou na duna. Demorámos a descer, talvez com vontade de ficar. Não deixa de ser estranho ter vontade de ficar no deserto. Afinal o deserto não é um nada, não está deserto, tem muito por onde andar, muito para ver e bastante para sentir.
Deixámos o albergue com alguma desconfiança, depois de nos assegurarem que para chegar à estrada asfaltada era sempre a direito. Com efeito, de dia, notava-se que a pista era mais fácil. E rectilínea! A não ser que os nossos homens do deserto navegassem à vista (sem instrumentos, na realidade) essa seria a única razão para, na noite anterior, termos feito tantas curvas… quando bastava seguir em frente.
É que, nessa noite, as luzes do albergue só se viam a cerca de uma centena de metros. O céu estava escuro e não me lembro da ajuda da lua para nos iluminar o caminho. Ainda hoje estou para saber como é que se orientaram durante cerca de 4 quilómetros onde não se via (nós não víamos) uma luz, uma referência…
Andámos mais depressa do que na noite anterior. Porém, o que mais notámos de dia, foi a “chapa ondulada” que nos servia de estrada. Bastava segui-la para chegar ao asfalto. Desgraçada Pan, aziago rabo. Talvez fosse para evitar aquele embalo doloroso que os guias haviam andado aos esses. Ou talvez, não fosse fácil dar com um albergue na noite cerrada cujas luzes estavam todas viradas para o interior…

DE NOVO NOS PALMEIRAIS

Os palmeirais de Achouria e Touroug guiaram-nos até Tinejdade. Até lá, atravessámos muitas localidades que se estendiam ao longo da rua principal, a única asfaltada, que coincidia com a “nacional”. Parámos numa delas para sentir momentaneamente o ambiente e, até, tentar entrar em contacto com os locais. Acho que não tivemos grande êxito. Mais à frente, voltámos a parar entre edifícios coloridos de cor salmão desbotado pelo tempo. O Paulo distribuiu mais algumas canetas, enquanto eu tentava perceber o vaivém constante das pessoas, já que tinha visto algumas no início da aldeia e agora que já estavam perto de nós voltavam para trás. Talvez a resposta estivesse na distribuição do abastecimento, disseminado ao longo das estreitas mas extensas urbes.
Nas aldeias, dava-se frequentemente a aproximação de crianças a pedir “stylos” e sentíamos uma curiosidade serena sobre a nossa presença. Nesta zona, muitas mulheres envergavam uma espécie de xaile negro, com ou sem listas estreitas de cores vivas. Normalmente andavam de rosto tapado ou tapavam-no quando nos aproximávamos ou apontávamos as objectivas na sua direcção.
Numa delas, o Paulo esgotou o stock de canetas e cadernos, quando fomos cercados por um bando de miúdos. Escolhemos entregar as pequenas ofertas que levávamos à mais velha, para depois ela os distribuir – eu contribui com duas ou três barras energéticas que parti – já que só se viam dezenas de braços no ar à nossa volta. 
Muitos fregueses para as "stylos"
Não sei se ela os deu aos demais. Naquela altura, os miúdos ficaram contentes. E nós, também. Por um lado as crianças fizeram uma festa com meia dúzia de canetas, blocos e barras de cereais. Por outro, não fomos engolidos pela movida infantil marroquina e pudemos partir em paz.

Sensivelmente a meio do percurso, dei por mim com ciúmes do banco da moto com a espuma de origem. O meu, rebaixado pelo dono anterior, favorecia a maneabilidade e estabilidade da moto, além de permitir conduzir mais protegido pelo vidro frontal. Todavia, após duzentos quilómetros de estrada irregular, começa a sentir-se nos ossos a base metálica do banco…
A caminho de Tinejdade as rectas entre palmeirais dominavam a paisagem. Até que, os contrafortes do Médio Atlas aparecem de novo a invadir o horizonte do lado direito da estrada. Parámos frequentemente para fotografar a aridez e aproveitar o silêncio semelhante ao do deserto.
Outras vezes, era um casbá que se agigantava na planura e que aproveitávamos para fotografar. O tempo escasso de que dispúnhamos não nos permitia entrar nas dezenas de casbás por onde íamos passando. Parámos, sim, mas apenas para lhes reconhecer a silhueta e fruir de novo daquele cenário. Havíamos escolhido um para visitar. Mas só no dia seguinte.
Mais à frente, o ambiente ia-se modificando à medida que nos aproximávamos da montanha. A vegetação, agora mais diversificada, diferenciava-se do cenário do deserto. No sopé do Médio Atlas havia mais gente, animais, veículos, muitas crianças nas aldeias e ao longo da estrada. Alguns condutores indicavam-nos que podíamos ultrapassar.
Almoçámos em Boulmalne, uma localidade extensa, cujas ruas serpenteiam no início do vale de Dadés. As cores das habitações e do relevo confundiam-se, apenas mediadas pelo detalhe do declive e pelo verde do palmeiral. O restaurante que escolhemos, na parte alta da povoação, tinha uma esplanada excelente, de onde se contemplava grande parte do vale.
Começou a chover mal chegou o pão à mesa, e nem com o chapéu-de-sol aberto evitámos recolher ao interior. Entretanto, chegou um grupo de enduristas franceses em KTMs 450. Andavam pelo Médio Atlas, pelas Gargantas do Dadés, com um guia marroquino. Disseram-nos que o caminho era fantástico. O mais novo, era mais velho do que eu.
Deixámos, pesarosos, para nova oportunidade os percursos das Gargantas do Todra e do Dades. Embora os respectivos percursos se não percebessem de imediato, notava-se que as estradas a caminho das Gargantas eram mais sinuosas e com pior piso. Não tínhamos tempo. Desta vez.
Esplanada do restaurante Chems, em Boumalne
Com a proximidade de Ouarzazate, as rectas sucediam-se com mais frequência. Mais ou menos no centro da cidade, passámos por um hotel de 4 estrelas onde estava alojada uma comitiva motociclística muito cosmopolita: condutores americanos e israelitas, organizados por um inglês que alugava motos em Valência e guiados por um marroquino.
Ouarzazate é uma cidade recente, bem cuidada e destinada à classe alta e ao turismo de elite. Dispõe de uma oferta hoteleira de alto nível, e em crescimento, aliada à existência de um campo de golf de grandes dimensões junto de uma barragem. Possui ainda de um aeroporto internacional. Continuámos até à parte baixa da cidade e entrámos na rua principal a caminho do hotel La Perle Du Sud, cerca das cinco da tarde. 

  • Descemos uma rampa valente para a "garagem" que, no fundo era uma cave com acesso a veículos de duas rodas. Julgo que não se conseguia lá meter um carro, mesmo pequeno. Arrumámos as motos, tirámos as malas e fomos trocando ideias sobre o que visitar na cidade. Entretanto, alguém tinha descido à cave por uma escada interior. Era um dos empregados do hotel. De repente, o homem desapareceu. Eu vi-o entrar, mas não o vi sair. Comentei o caso "en passant" com o Paulo que, na altura, estava de costas e não se apercebeu de nada. De repente, vi o homem erguer-se atrás de um conjunto de “aceleras” alinhadas junto da parede. Tinha um tapete na mão e acabara de fazer uma das suas orações diárias.


UMA NOITE NA LOJA

Fizemos uma refeição ligeira no restaurante de um complexo comercial com uma vista ampla para o casbá, que nos deixou durante um ror de tempo a contemplar aquela arquitectura de traços elementares mas harmoniosos. Depois de jantar dispusemo-nos a visitar o casbá. 
Tinha uma muralha exterior com uma altura notável, bem conservada e iluminada. Mas isso era o que se via de fora. Espreitando, notava-se que, no interior, estreito e sinuoso, a luz mal se via. Já conhecíamos o dédalo de Fez e pensamos que apenas os autóctones lá se orientariam.

Assim sendo, optámos por ir às compras. Entrámos na loja logo abaixo do restaurante e, enquanto o dono nos preparava um chá, mascarámo-nos com jabalas e espiolhámos as riquezas expostas. Contámos algumas anedotas de vizinhos, um traço comum a portugueses e holandeses, pelo menos, e agora, a magrebinos.
 
Devemos lá ter estado umas boas duas horas. Deixámos o Aziz quando ele se entusiasmou com os contos tradicionais e sacou da sua caixa mágica e, de lá retirou, como lâmpada de génio, os artigos mais valiosos que tinha para vender. Joias, obviamente. Completamente iletrados no tema, despedimo-nos como habitualmente com a ideia de um dia podermos regressar.

QUINTO DIA
DE OUARZAZATE A MARRAQUEXE COM PASSAGEM POR AIT BEN HADOU

Em frente do hotel Perle du Sud, Ouarzazate
Ficámos hospedados num hotel que oferecia frigorífico no quarto, espaço suficiente para os sacos de depósito, capacetes e demais tralhas sem ficarem a barrar o caminho. Dispunha de bons colchões na cama e também de toalhas limpas, porém rotas. O pequeno-almoço podia ser tomado junto à piscina, suficiente e aconchegante, onde, naquela altura, apenas meia dúzia de pombos iam bebericar.
À saída, pusemos os cavalos todos no chão para trepar a rampa íngreme da garagem onde havíamos estacionado as motos, junto de quatro ou cinco quads com bom aspecto e de uma quantidade de mobiletes. Apesar de ser também uma cidade de passagem, o trânsito era diminuto. Nesta manhã a rua estava praticamente deserta.
Poucos quilómetros após a saída de Ouarzazate, parámos à vista dos Estúdios Atlas, talvez fascinados pelas estátuas egípcias que, aos pares, pareciam sentinelas, distribuídas pelo muro de adobe que circundava o complexo. 
A extensão do muro diz da dimensão do complexo que guarda um conjunto de cenários de dezenas de filmes, como sejam, “A Joia do Nilo”, “Kundun” ou “Reino dos Céus”. Valeria a pena a visita, mas desta vez não estávamos interessados na ficção.
À entrada dos Estúdios Atlas, Ouarzazate
Julgo que a visita aos estúdios não estava no programa. Por isso, deixámos as motos longe da entrada, no meio de algum pó. Fotografámos, revimos o itinerário seguinte – devíamos sair da estrada principal pouco depois - e preparáramo-nos para partir. Face à investida de promotores locais, retirámos em ordem.

AIT BEN HADOU



Após cerca de meia dúzia de quilómetros, durante os quais estivemos rodeados de novo de uma aridez insana, logo após sairmos da estrada nacional, e depois de avistarmos um pequeno casbá abandonado, alcançámos Ait Ben Hadou, um dos casbás mais conhecidos e visitados de Marrocos.
Vê-se ao longe na encosta de um monte – embora se misture com a paisagem - e parece crescer com ele à medida que nos aproximamos. O que parece uma paisagem amarelada, deixa de o ser mais próximo quando se percebe de novo a tonalidade avermelhada das muralhas e das fachadas das casas, bem como um pequeno palmeiral na base da edificação. Como só é possível ter acesso à entrada atravessando o leito seco de um oued - rio - deixámos as motos na outra margem e carregámos os capacetes e os sacos de depósito nas mãos. Não é muito funcional fazê-lo, mas a verdade é que o espaço anteriormente livre na mala de topo, já estava ocupado com as míseras compras que havíamos feito em Fez.
O casbá encontra-se numa formação rochosa elevada e a acompanhar a evolução do relevo. Dentro do perímetro formado pelas paredes das habitações exteriores - que se organizam como de uma muralha se tratasse - surgem outras, consecutivas, em vários níveis e de diferentes alturas, construídas em adobe, algumas com três e mais andares.
Casbá de Ait Ben Hadou
Mas nota-se alguma degradação no piso e nas paredes de algumas casas, bem como a dificuldade de acesso. A reconstrução do casbá parece ter sido assegurada pela Unesco, sendo necessário que tal apoio se concretize rapidamente. Não será seguramente a vintena de dirhams que lá deixámos a suportar o custo das obras de que tanto necessita para a respectiva manutenção.
Estávamos em Novembro, mas o dia aqueceu até ficar calor. Nesta altura do ano, não andaríamos em Portugal com uma tshirt, tal como o fazíamos aqui e já havíamos vestido no deserto. Com a tralha às costas - capacete, saco de depósito e blusão – rara foi a parede que falhei, deixando algumas marcas naquele património mundial.
Em Ait Ben Hadou, a distribuição espacial das habitações, por ser feita em altura e assimetricamente, permitia à maioria a entrada de sol e vista desafogada. Tivemos oportunidade de visitar todas as dependências de uma casa típica disponível para tal. Admira a distribuição do espaço, as entradas de luz, o sistema de exaustão de fumos. 
E no conjunto de casas, lojas e ruas, parece não haver um sítio, uma parede, uma fachada que destoe. As cores são uniformes, as formas harmoniosas, as decorações geometricamente aprazíveis. Saímos de lá, esmagados pela simplicidade mas, ao mesmo tempo, grandeza do conjunto. Foi aqui, a única vez que ouvimos falar português em território marroquino, a dois casais de turistas já entradotes.

  • Uma constante ao longo do périplo foi a tentativa dos comerciantes, e não só, descobrirem a nossa identidade, perguntando: “ italianos…?”. À resposta, “portugueses!”, não mostravam qualquer emoção peculiar. A mais divertida foi, porém, a de um lojista em Ait Ben Hadou que, vendo-nos com os capacetes na mão, nos perguntou se havíamos vindo de moto. Quando a resposta que recebeu foi, “Não! Viemos de helicóptero!”, deixada em tom de galhofa, largou umas valentes gargalhadas – coisa rara de ouvir em público, uma vez que os marroquinos nos pareceram pessoas calmas, pouco estouvadas e que não se expressam de forma exuberante publicamente.

A TREPAR O ATLAS DEBAIXO DE CHUVA



Voltámos à estrada com trânsito diminuto. Assim que chegámos à confluência com a estrada que vem de Zagora, vimos muitos veículos guiados por negros vindos do sul. Voltámos também às boas indicações de segurança viária - todas as curvas mais acentuadas estão assinaladas - e às pequenas localidades bordejadas por vegetação - locais privilegiados para fixação das populações.
Pouco depois, a estrada começa a trepar e o Atlas passou a estar sempre presente, ao longe, porém, a mostrar-se assustadoramente enevoado. Lá no cimo, o céu apresentava várias tonalidades de cinzento, a anunciar borrasca. Agora com algumas curvas, a estrada continuou a subir ligeiramente. Logo após, caíram algumas pingas de água tímidas ao longo da subida agora mais pronunciada. Parámos para mudar de luvas e apertar melhor os fatos.
Quando arrancámos o contraste entre o céu e as montanhas desvaneceu-se. A seguir, do céu desatou a chover desalmadamente. De tal maneira que a estrada começou a ser atravessada por regos de água barrenta provenientes das bermas. Eu não voltei a inclinar a Pan, depois de uma escorregadela mais pronunciada.
Entretanto, durante uma curta aberta, parámos praticamente na passagem de Tizi-nTichka, onde supomos termos estado próximo dos dois mil metros de altitude. Estava frio e ameaçava continuar a chover. Parecia estarmos na nossa serra da Estrela. A chuva regressou com entusiasmo. Os regos de água voltaram a atravessar a estrada especialmente nos locais onde esta se tornava mais sinuosa e panorâmica. Era impossível parar para fruir do cenário.
No Tizi-nTichka, em pleno Atlas
Na descida, o tempo conteve-se. Já com o sol a surgir entre os cumes do Atlas, parámos para almoçar numa localidade, Tadart Oufella, que pouco mais tinha do que algumas lojas e restaurantes na rua principal. Mais um assador, mais brochettes de carneiro. Mais uma ida à casa de banho, onde imperava sempre uma torneira lateral em baixo, uma espécie de balde de praia e uma sanita ao nível do solo. Tinham, também, um cheiro peculiar. O deste não era dramático.
Em frente do restaurante, em Tadart Oufella
Aparentemente isolada na montanha, era uma localidade de passagem obrigatória para quem quisesse atravessar o Atlas. Servia também como entreposto comercial, onde chegavam e partiam muitos camiões sobretudo carregados de produtos agrícolas. O que escasseava eram lugares de estacionamento, pelo que qualquer vaga era imediatamente ocupada. Esse vaivém dava alguma animação ao lugar. 
Embora tivesse deixado de chover, não apeteceu parar nos inúmeros locais de venda de artesanato, barros e cerâmica especialmente, que bordeavam a estrada. A maioria situava-se na berma, sem estacionamento, ou perto das curvas mais pronunciadas. Aqueles pratos coloridos, a brilharem de água da chuva nos expositores, eram os únicos objectos que davam alguma cor à monocromia serrana.

MARRAQUEXE, IMPRESCINDÍVEL

À medida que íamos descendo, os vales coloriram-se de um verde seco que seguia cursos de água e acompanhava uma ou outra aldeia que se divisava perto da estrada. O tempo melhorou e pudemos parar, mais uma ou duas vezes, na magreza da berma, para olhar os cumes ainda enevoados e os vales férteis do Atlas.
Vales do Atlas
Quilómetros depois deixámos os vales e entrámos numa zona plana onde as rectas voltaram a estender-se até aos arredores de Marraquexe. Atentos ao trânsito, e quase sem dar conta de que estávamos na cidade, fomos andando ao longo de grandes avenidas, a circundarem a velha medina.
Vista do hotel, com a torre Koutubia em fundo
Eu esperava ver muralhas colossais como anfitriãs – ao estilo da capital, Rabat - a circundarem a cidade e a esconderem-lhe as casas e as gentes. Só próximo do hotel onde ficámos as divisámos, a formarem um conjunto admirável de cor salmonada. Depois, sem a pressão do trânsito, reparámos que era realmente um vasto conjunto de muralhas.
Ficámos alojados no Hotel de la Menara. Ficava situado muito perto de uma das portas das muralhas, a Bab Nkob. Em seu redor, jardins arranjados, iluminação agradável, bastante vegetação. Da varanda do hotel, contemplava-se um mar de edifícios com a mesma cor salmonada das muralhas.
Zona de Menara
Arrumámos as motos num parque fechado mas a céu aberto, do outro lado da entrada do hotel. Estava integrado numa zona de bosque que separava o bairro de Menara da zona mais cosmopolita que vai até à Praça Fna. O parque era vigiado por dois velhotes simpáticos. Um deles mostrou uma moca de respeito destinada a eventuais ladrões. Ficámos descansados.
Tínhamos o fim da tarde e a noite á nossa frente para participarmos, pelo menos, na dinâmica praça Jemaa Al Fna, uma referência da cidade que deu o nome a Marrocos. Arrumámos a tralha no quarto enorme com uma boa varanda virada para o bairro de Menara, tomámos banho e saímos daí a pouco. Entrámos pela porta Nkob e avançámos através de uma avenida larga e extensa com alguns edifícios baixos e modernos no início. Daí a pouco estávamos perante a imponência da torre Koutoubia, com 70 metros de altura. Ao lado, encontra-se a mesquita de Ben Yusef, com dezenas de colunas baixas – uma ruína da antiga edificação - que domina o final de  um jardim andaluz.
Torre Koutubia
Quisemos passar para o outro lado da estrada. Desconfiávamos, mas confirmámos que, em Marrocos, o peão era o elo mais fraco da circulação. É necessário fintar, bailar, correr entre faixas de rodagem para chegar ao outro lado da rua, são e salvo, caso não haja semáforos. E isto é válido para velhos ou miúdos.
Colunas da antiga mesquita de Ben Yusef
Porém, as crianças não passam sozinhas e os velhos não têm outro remédio que não seja ir até ao traço que separa as faixas, esperar que os carros passem, correr para os traços seguintes. E assim sucessivamente. Nós parámos de propósito no passeio para observar este quase ritual. Divertimo-nos com aquela novidade, embora tenhamos visto algumas travessias mal paradas…
Até ali, já tínhamos reparado que o trânsito em Marraquexe era frenético, sendo necessário andar com os sentidos bem atentos. Porém, não vimos um acidente e o único atropelamento que testemunhámos ocorreu na praça Fna, protagonizado por um ciclista e um peão, numa altura em que ambos devem ter olhado em sentidos contrários. O peão caiu, mas não se magoou e cada um foi à sua vida.
Anoiteceu. Percorremos algumas ruas e lugares de comércio temático - tecidos, especiarias, frutos secos - até encontrarmos o palácio Bahia, fechado, situado perto de uma pequena praça com lojas exclusivamente dedicadas ao comércio de candeeiros. Metemos pela rua adjacente, que levou a outra mais estreita e a outra ainda mais apertada. Estávamos no limiar da medina.
Ervanária de levante
A partir daí o tráfego de gente, bicicletas e motorizadas começou a fazer parte da ruela, com lojas de um lado e do outro. De uma era possível ver que horas eram no relógio de pulso do vendedor da do outro lado da rua. Em alguns troços, onde havia bancadas à frente das lojas, não passavam duas pessoas e uma motorizada.
Foi nessa rua que vimos o primeiro cinema, e talvez o único, de Marrocos, cujo aspecto não nos deu grande confiança. Daí a pouco, desembocámos na Fna como por encanto, num esmagador contraste entre uma viela e um espaço imenso. Observada dali, a praça não parecia mais do que um área ampla com muita gente a vaguear. Não demorámos muito a perceber que era mais do que isso.

FNA INDISPENSÁVEL

À medida que anoitecia, o cenário da praça ia-se alterando. Como se de um palco se tratasse, os actores iam ocupando o seu lugar em função da sua personagem, neste caso, da sua especialidade comercial. Os vendedores ambulantes esticavam as mantas no chão, enquanto a praça ia sendo invadida por pequenas roulottes com doces, frutos secos ou laranjas.
Do alto de um quarto andar onde jantámos, era possível ver um mar de gente, que ia ocupando os espaços vazios da grande praça, passeava junto às lojas, abancava nos restaurantes improvisados do centro da praça, assistia a desempenhos musicais, adivinhações, sugestões terapêuticas, ou bebia simplesmente um saboroso sumo de laranja marroquina por 3 dirhans. Jantámos devagar, após propormos um menu com base nos valores que tínhamos visto na ementa que estava à entrada no rés-do-chão. À medida que a noite ia avançando a luz da praça ia resplandecendo ainda mais. Viam-se pequenos núcleos de pessoas à volta de um contador de histórias ou em redor de um jogo de feira.
Pouco depois, entravamos no souk (mercado) da medina. Em redor da Fna havia ruas facilmente percorríveis sem o risco de nos perdermos, desde que flanqueássemos a praça. Nessas ruas, todas as portas são lojas. O colorido dos produtos, os cheiros das substâncias, a animação tranquila, motivou-nos a prosseguir por outras ainda mais recônditas.
Porém, a partir de certo ponto era impossível continuar, sob pena de nos perdermos. Se fosse em Portugal, provavelmente não me aventuraria tanto por aqueles becos. Lá, senti segurança, talvez de principiante. Mas mesmo que o ambiente não fosse intimidante ou arriscado, o facto de não termos uma planta do local não permitia aventuras mais distantes.
Voltámos à praça para o Paulo beber um sumo de laranja. Eu enveredara pelos doces. Em má hora, já que o sabor da descoberta obrigou a mascará-lo posteriormente com um sumo de laranja. Aproveitámos para dar um passeio pela praça e admirar a diversidade da oferta. Muitos dos produtos expostos tinham a cor da terra, alguns tubérculos exibiam um aspecto suspeito, outros ainda, caso não estivessem ilustrados, nem sabíamos para o que serviam. Para uma segunda-feira à noite, Marraquexe estava animada. Iam-se formando grupos em redor de ginastas, de contadores de histórias, de músicos, de jogos de destreza. Mais próximo das lojas, os vendedores ambulantes sentavam-se em bancos ou no chão. A meio caminho, ficavam as roulottes de refeições, frutos secos, laranjas e bric-a-brac.
Cumplicidade cliente/vendedor

  • Eu havia prometido levar uma prenda para a minha filha que dava os primeiros passos na dança. Entrámos em duas ou três lojas e procurei um vestido de dançarina marroquina. Porém, apesar de haver muitos modelos, comecei a achar que todos eram imitações baratas dos vestidos das odaliscas, com muito plástico e demasiado berrantes. Fui recusando, mas quando entrámos numa loja em plena Fna, o vendedor foi mostrando toda a variedade de vestidos do género - milhentos, pareceu-me -, salientando detalhes e ajustando sucessivamente o preço. Dez, vinte minutos, talvez mais. Não conseguia decidir com toda aquela parafrenália. Nao havia um igual ao que eu queria. Quando o vendedor viu que o negócio não iria acontecer, soltou outra opção: "o meu primo tem exactamente o que pretende! É só ir buscar à sua loja" - disse-me, enquanto eu lhe confidenciava que já estava a ficar cansado do processo... Insisti que seria definitivamente o último vestido que veria. Mais cinco, dez minutos passados - o rapaz que saiu da loja deve ter atravessado meia medina -, e regressava com um ou dois vestidos na mão. Acabei por trazer um deles. Talvez vencido pelo cansaço.  

A noite e as milhentas luzes da praça, muitas provenientes de lanternas com velas junto dos vendedores ambulantes, faziam um contraste simultaneamente acolhedor e estimulante. Deixámos a Fna com vontade de experimentar a comida dos restaurantes improvisados para onde nos convidavam sistematicamente. Ficaria para uma próxima vez, inchala!.

SEXTO DIA
DE MARRAQUEXE A RABAT PASSANDO POR CASABLANCA

Na manhã seguinte, o tempo estava excelente, inclusivamente para andar de moto, a fazer esquecer a chuvada do Atlas. Tomámos o pequeno-almoço junto da agradável piscina do hotel e reparámos em pequenos detalhes da manutenção do edifício, onde se viam alguns mosaicos em falta, um ou outro fio elétrico sem destino, ausências de dourado nas madeiras embora, em termos gerais, tenha sido um dos melhores hotéis em que ficámos, tal a riqueza da decoração, a dimensão dos quartos e a localização.
Pequeno-almoço à beira da piscina
Saímos de Marraquexe com a sensação de que tínhamos abandonado o Marrocos urbano do exotismo, da novidade, da diferença. Pelo percurso posterior, parece que não nos enganámos muito. A montanha desapareceu, bem como alguma daquela aridez instigadora que antecedia o deserto. Os oásis eclipsaram-se e a vegetação empobreceu. Voltou o vazio intrigante dos grandes espaços, mas esbateu-se a extravagância dos cenários do sul.
À porta do hotel de la Menara
Nas localidades, a arquitectura e o vestuário das pessoas era agora semelhante ao europeu. O piso das estradas melhorou e passou a existir mais trânsito. Mesmo assim, optámos por continuar pela estrada nacional, única maneira de ir acompanhando o ambiente das pequenas vilas e aldeias, embora tenhamos também andado com mais trânsito.
O longo início de Casablanaca, através de avenidas infindáveis e de trânsito compacto, confirmar-nos-ia essa impressão de fim do sonho. Até onde a vista alcançava, a tonalidade salmão das casas havia sido substituída pelo branco sujo das fachadas e pela profusão de vidro dos prédios modernos de estilo europeu.
A organização viária melhorara, mas mantinha-se a escassez de indicações urbanas, uma constante ao longo do passeio. Outra constante, o buzinar assim que o semáforo fica verde, tornou-se ali mais presente, mais irritante. Infelizmente, a ausência de indicação de lugares históricos manteve-se. Salvou-se a localização da maior mesquita de Marrocos, que ficava no enfiamento das grandes avenidas.
Parámos as motos à vista da imensa mesquita Hassan II, mesmo à beira de um Atlântico revolto e nevoento. O edifício é imenso, mas as cores e as linhas arquitectónicas são suficientes para nos sossegar o olhar e embargar qualquer crítica. Sabíamos que esta era a única mesquita que podíamos visitar, mas não nos demorámos por ali. O centro das cidades e algumas instituições estavam assinalados nos cruzamentos principais, assim como as direcções das cidades seguintes. Porém, para encontrar lugares - como sejam as mesquitas, palácios, necrópoles, torres - ou se sabe o ponto do GPS ou se possui uma boa planta do local. A estruturação do património monumental não foi ainda copiada do sistema europeu.
O Atlântico, junto da mesquita Hassan II
Partimos através da zona portuária com destino a um qualquer restaurante costeiro onde pudéssemos comer peixe. Gorou-se a oportunidade ao verificarmos que, fora da cidade, na extensa faixa habitada junto à praia não vislumbrámos um único. Voltámos às brochettes, esgotadas que pareciam estar as tajines e os couscous.
Sempre a direito, pela nacional, até Rabat
Fizemos dezenas de quilómetros junto à costa pela N9, onde o trânsito se acumulava sempre que chegávamos a uma povoação. Para além disso, o espaço estava polvilhado por habitações alvas e muitas urbanizações de ócio, semelhantes às algarvias da orla atlântica ou andaluzas do Mediterrâneo. Algumas menos opulentas, outras riquíssimas. Umas das casas do rei de Marrocos, algures entre Casablanca e Rabat, estendia-se por alguns quilómetros – deve ter sido o muro mais comprido que segui até hoje - e albergava um campo de golfe, em pleno contraste com a mesma dimensão de um bairro de lata ali próximo, cujos telhados todavia mostravam algumas centenas de antenas parabólicas…
Deixámos a zona costeira quando a estrada se tornou mais sinuosa e as sucessivas localidades obrigavam a rodar lentamente. Ao chegar a Rabat – percebe-se imediatamente o significado do nome, “cidade fortificada” - parámos à vista da muralha, aliás das várias muralhas que envolvem praticamente toda a cidade.

CONVERSAS QUE SURGEM DO NADA

Ficámos alojados num hotel central, mas deixámos as motos numa garagem próxima. Estávamos numa zona residencial de classe média e do nosso minúsculo quarto via-se o recreio de um liceu do outro lado da estrada. No intervalo das aulas, a dinâmica dos alunos era tão energética como a dos congéneres portugueses. A parte mais moderna da cidade também se parecia com as europeias.
À noite arremetemos por um dos souks, à procura de um restaurante típico. Apesar de termos perguntado por restaurantes, recebemos informações contraditórias e acabámos por recorrer a uma espécie de snack-bar vulgaríssimo. Porém, a refeição foi excelente - as melhores brochettes da viagem - e das mais baratas em território marroquino. 
Percorremos meio souk mas, apesar de continuarem a existir lojas simpáticas e estranhas, bem como produtos singulares, antigos, velhos ou gastos, os artigos de plástico começavam a tomar conta de muitos espaços. Aqui, as ruas eram mais largas do que as do souk de Marraquexe e parecia não haver o fascínio daquele ambiente. A luz também não ajudava, sobretudo a conseguir uma fotografia interessante. Em redor, as lojas não eram interessantes e os edifícios também não atraíam.   
Muralhas de Rabat, lado sul

  • Por isso, fomos procurando lugares mais recônditos. Numa das ruelas que palmilhamos, após decidirmos que tínhamos de voltar para trás, parei de filmar. Continuei a andar, absorvido pelo aspecto decrépito do espaço e pela antiguidade de alguns produtos. De um momento para o outro, comecei a ser acompanhado por um rapaz alto, vestido com roupa cosmopolita, com uma chávena de chá na mão que, após alguns vocábulos ininteligíveis, me passou a informar em inglês sobre o local onde estávamos - antigo bairro judeu –, e que este espaço ia ser alvo de intervenção com capitais israelitas. Questionou-me depois sobre se a ajuda judia devia ser bem-vinda, se eu defendia a recuperação dos espaços urbanos e terminou perguntando-me de onde vinha. Eu julguei que se tratava de mais um guia de geração espontânea, mas fui ouvindo o que ele tinha para dizer. Aliás, eu só ia concordando com a prosa. Quando estava preste a perguntar-lhe qual era o propósito da exposição, apercebi-me de que estávamos a caminhar em sentido contrário ao do restaurante e alertei o Paulo. Quando percebeu que continuaríamos em outro sentido, o meu interlocutor despediu-se de imediato e seguiu tranquilamente continuando a beber o seu chá. Nunca tinha sido alvo de uma abordagem deste teor…

Depois de jantarmos, ainda percorremos uma avenida de traçado moderno, com edifícios de estilo europeu, passámos por uma mesquita iluminada e esticámos as pernas ao longo de ruas de um bairro elegante. Chegámos ao hotel com vontade de beber um chá. Ali, não soube tão bem como o de hortelã, servido pelo vendedor de tapetes em Fez. Também ficamos surpreendidos ao assistir à transmissão de um jogo de futebol no canal Al Jazera, entre o Marítimo e outra equipa portuguesa.

SÉTIMO DIA
DE RABAT A CEUTA, POR ARZILA E TANGER

Ceuta, em fundo 
Logo de manhã, parámos para fotografar as muralhas de um castelo, semelhante aos portugueses, construído em pedra acinzentada, o único dessa tonalidade que vislumbrámos durante a viagem. Tratava-se de Chellah, sítio que pode ter estado na origem de Rabat, e que encerra as ruínas romanas de Sala Colonia e uma necrópole medieval árabe.
Chellah
Do outro lado da estrada, as muralhas de adobe, faziam o contraste. A perder de vista, cercam praticamente toda a cidade, exceptuando algumas áreas mais recentes. Aliás, são vários os panos de muralhas, entre os quais as mais visitados são as que protegem o Casbá das Oudaias.
o fosse o trânsito, os semáforos e os candeeiros modernos, esta zona teria sido das mais portentosas do medieval marroquino. As muralhas de adobe envolvem mais de 400 hectares, têm cerca de dois metros de espessura e oito metros de altura. Desta vez, acompanhamos cerca de 2 quilómetros.

 UM CAFÉ EM ARZILA


Antes de almoço, parámos em Arzila para beber um café, o mais caro da jornada, ao módico preço de dez dirhrans, sensivelmente um euro. Ainda comentámos o facto em voz alta no propósito de conseguirmos algum desconto, mas havíamos deixado as overdoses de regateio pelo sul de Marrocos. De pouco serviu estarmos frente às muralhas portuguesas. Ou, talvez tenha sido por isso…
Pelo sim, pelo não, fomos mesmo confirmar se as muralhas e a torre eram portuguesas. Afinal, os portugueses de quinhentos - muito se fez, escreve e fala sobre estes portugueses - até estiveram aqui durante quase cem anos. Saímos do café e fomos em direcção à praia, desviámos para um baldio que servia também como parque de estacionamento e parámos à vista das muralhas viradas para o mar, de onde se vê igualmente a torre de menagem.
Torre de menagem e muralhas portuguesas, em Arzila
Embora não se consiga ver toda a extensão, nem sequer perceber a dimensão da zona muralhada (cerca de sete hectares), nota-se que a imponência da fortaleza, rodeada por um fosso. Do lado de terra também é possível reconhecer várias portas, bem como o brasão de armas português da época sobre a porta da Vila.
Outro aspecto notório é o contraste entre as muralhas e as casas, entre a pedra e o branco das fachadas que contempla também a torre de menagem. A diferença estética percebe-se ainda entre a zona costeira, mais andaluza, mais branca, e o interior tipicamente marroquino das fachadas que vão desde os amarelos torrados ao salmonado dos adobes.  

CAMELOS E FALÉSIAS


O tempo havia esfriado, embora o sol estivesse sempre presente. Em Tanger, não foi fácil arranjar um restaurante junto à praia. Todos pareciam estar em reparação. Um deles, onde julgávamos poder comer um dos oito pratos de peixe anunciados na ementa, apesar da boa vista e da decoração cuidada, pouco tinha para oferecer. Mesmo assim, almoçámos lá, à vista da costa espanhola.
Parámos à saída da cidade para fotografar alguns camelos que descansavam na areia, destinados certamente a passeios de turistas. Exceptuando dois, que vimos regressar do deserto no albergue do Erg Chebbi, apenas havíamos vislumbrado ao longe silhuetas, algures numa zona árida depois de Rissani. Durante o passeio, vimos muito mais burros do que camelos.
Tanger, ao fundo
A meio da tarde, metemos pelas falésias que dominam o caminho entre Tanger e Ceuta. A partir de certo ponto, o vento surgiu mais forte à medida que íamos subindo as elevações, cada vez a atingirem maior altitude. A paisagem atraía e nós parámos três ou quatro vezes em cerca de 40 quilómetros de montanha e pequenas enseadas. Numa delas, estivemos perto de Alcácer Ceguer, uma das possessões portuguesas em Marrocos durante oitenta anos.
De outro local, já se divisava Gibraltar, o penhasco mediterrânico envolto numa névoa acinzentada. Daqui já se percebia também alguma semelhança entre o relevo da Península e o da costa norte de Marrocos. Até a ventania da serrania marroquina fazia lembrar a congénere de Tarifa. 
Do lado de lá, a Europa
E foi ao olhar o "outro lado" que a saudade se atiça. Ainda com um pé em África e outro em Marrocos, "aquela terra" que se vê ao longe está a caminho da nossa, da que nos identifica, com a qual temos mais afinidade, enfim o nosso lugar no mundo. Só nos faltava o sol a indicar-nos o caminho.
Entreguei as últimas dezenas de dirhans em moedas ao parceiro do polícia fronteiriço marroquino, que me garantiu precisar mais deles do que eu. Em troca, carimbou os dois passaportes num ápice. Fê-lo, enquanto o Paulo tirava o capacete, pelo que a fotografia e o original nunca foram comparados. Aliás, nem sequer nos pediram uma das vias do documento de entrada das motos, o tal imprescindível de entregar à saída…

  • Chegámos a Ceuta pouco depois do barco das quatro e um quarto ter partido. Tínhamos de esperar mais quatro horas pelo próximo. Fomos beber um café ao centro da cidade, depois de atestarmos a 87 cêntimos o litro. Sentámos confortavelmente e, entre outros assuntos mais corriqueiros, passamos a discutir os eventuais efeitos do aparecimento do chamado "processo de Bolonha", que iria afectar o sistema de ensino em Portugal. Empolgámo-nos com o tema e fomos ficando. Desligámos o nosso sistema horário ao orientarmo-nos pela hora marroquina. Nesta ocasião, a hora legal marroquina era igual à nossa, porém atrasada uma hora em relação à espanhola que, obviamente, vigorava em Ceuta. Quando demos por nós, tínhamos acabado de perdemos o barco seguinte para Algeciras. Dois sofisticados universitários, um deles até professor... tansos que fomos, batidos por uma questão elementar.
Em frente do restaurante, muito próximo da Plaza de Africa, em Ceuta
Ficara noite. Não valia a pena esperar pelo próximo barco, o último daquele dia com destino a Algeciras, onde já chegaríamos próximo da meia-noite. Optámos pela Espanha africana. Decidimos ficar no Parador de Ceuta, após termos conhecido cada viela da cidade à procura de alojamento. Com efeito, a oferta hoteleira era escassa. Acabámos a noite já a celebrar a saída de África com as duas últimas garrafas de Magos.

OITAVO DIA
DE CEUTA A CASA

Desta vez, levantámo-nos antes de o sol nos surpreender e apanhámos o primeiro barco da manhã. Voltaram a agrilhoar as motos ao casco e nós subimos ao convés para nos despedirmos de Marrocos  de África. Foi nessa altura que o sol despontou no mar. Desta vez vez, não nos indicava (ainda) o caminho para casa, mas acompanhava a nossa última jornada. 
Demorámos cerca de três quartos de hora para chegar ao outro lado do Estreito. Passamos a maior parte da viagem, no convés, ao frio, a ver o dia nascer no Mediterrâneo, talvez a pensar que devíamos voltar e ou a sentir já saudades de um Marrocos onde estivemos por conta dos sentidos.
Parámos pela última vez à saída de Zafra, perto da Torre de San Francisco. À hora de almoço já estávamos em Elvas. Deixei o Paulo sob o famoso aqueduto, local onde nos despedimos e ele partiu a caminho de Trás-os-Montes. Cheguei a casa à hora do lanche, ainda corria o dia 10 de Novembro.

A despedida em Elvas
Há pessoas que nos marcam a vida de uma maneira excelente. Uma viagem é a ocasião perfeita para ser tocado por esse condão. Nesta fiquei particularmente devedor da notável companhia do Paulo. Há escolhas pessoais distintas que determinam a nossa felicidade. Esta foi uma das melhores viagens de moto que fiz, seguramente uma das mais singulares, preâmbulo de outras quatro por território marroquino. Sinto-me afortunado.


O vídeo em https://vimeo.com/205595246



Sem comentários: