segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Mãe de Água das Amoreiras



Parece um torreão gótico, uma fortaleza singular. Guarda, porém, um vasto lago de água trazida pelo Aqueduto das Águas Livres. É o Reservatório da Mãe d'Água das Amoreiras, uma obra do arquitecto Carlos Mardel, a pedido do Marquês de Pombal, que hoje ainda exibe um ambiente místico.
Olhando para a rudeza pétrea da torre, dir-se-ia que o gótico das gárgulas das cornijas e das janelas longilíneas lhe daria mais uns séculos. Nasceu ainda não há 300 anos, no século XVI, mas foi no seguinte que terminou, mais de oitenta anos depois de a obra ter sido começada.
Ao olhar a torre nota-se nitidamente a opulência da arquitectura, em contraste com a simplicidade das formas. É o barroco a manifestar-se. Mas também se veem as delicadas geometrias e simetrias do neoclássico.
É no interior que aparecem as abóbadas de aresta que sustentam a cobertura em terraço e cobrem o tanque imenso. Nas fachadas laterais surgem as janelas em arco de volta perfeita, esguias mas uniformes.
O espaço interior parece um salão com um pé-direito significativo, mas a luz é difusa provavelmente devido aos muitos reflexos e à estreiteza das janelas, o que lhe confere uma aura de intimista e de e de sacralidade.
Para tal, a luz que penetra no salão reflecte-se no espelho do lago de mais de cinco mil metros cúbicos de água, dando ao espaço um aspecto soturno azulado. No fundo, outro reflexo parece devolver a base das colunas que sustentam a cobertura.
Não fosse uma película oleosa que insiste em boiar na superfície do lago e os reflexos seriam certamente fantásticos. Mais ainda se a noite os potenciasse quer através de holofotes dedicados, quer com luzes submersas.
No centro do salão pétreo o lago quadrangular recebe água que jorra em cascata alimentada pela boca de um golfinho. Do tanque surgem quatro colunas quadrangulares que apoiam a cobertura.
A água provinha de Belas, da Mãe de Água Velha, e era conduzida até Lisboa por diversos aquedutos, sendo o último a chegar à Mãe de Água Nova, o de Alcântara que culmina um pouco antes de alimentar o Reservatório da Mãe d'Água das Amoreiras.
A ladear a cascata surge uma escada que leva a um túnel estreito, passando este por trás da fonte. Dali, continuando para norte, entra-se no aqueduto das Amoreiras. Para oeste, surge nova escada que leva à cobertura.

É do terraço dessa cobertura que o horizonte vai para lá da Mouraria, alarga-se ao castelo e corre até Alcântara. No rio, estica-se desde o cais da Baixa até aos cumes da Arrábida. Ali à beira, o olhar prega-se em baixo no Rato, mas vai também às Torres das Amoreiras.

Mais próximo, destaca-se a cúpula da Basílica da Estrela e logo após pedaços da Ponte Sobre o Tejo, que antecedem o castelo de São Jorge e a sua colina. Para a direita, o Tejo estende-se até ao poente.


Na cobertura, existiu em tempos um bar, talvez um dos primeiros “rooftop bars” de Lisboa. Continua a ser uma espécie de miradouro de Lisboa. O sítio não mudou, Lisboa é que se tem transformado.

O vídeo em https://vimeo.com/201669054

Arte Vodu



Está instalado num edifício do século XVIII, onde funcionou a Real Fábrica dos Tecidos de Seda, em pleno Jardim das Amoreiras. Frondoso e simples, talvez um pouco escurecido devido às árvores de grande porte que também o escondem, o museu Arpad Szenes-Vieira da Silva guarda e expõe uma colecção de obras dos dois autores que cobre a sua produção artística. Além de contíguo ao jardim, o museu é vizinho da capela de Nossa Senhora de Monserrate – coberta pelos Arcos Reais / Aqueduto das Águas Livres – e também confina com a Mãe D’Água das Amoreiras.

Nesta altura tem em exposição temporária, arte vudu. Escultura, sobretudo, proveniente da Colecção Treger / Saint Silvestre, exposta habitualmente em São João da Madeira, no Núcleo de Arte da Oliva Creative Factory e que conta com cerca de mil peças, e uma das maiores colecções do mundo e a única existente na Península Ibérica.


Trata-se de arte buta, (ver também, http://cordeirus.blogspot.pt/2012/09/arte-bruta.html) um estilo sem estilo nem género, sem influência de estilos institucionalizados ou objectivos comerciais, uma “arte marginal”, habitualmente executada por criadores autodidatas ou autores com controverso ajuste mental.

NATUREZA E ORIGEM


Quando se ouve falar ou se vê escrita a palavra “vudu”, a ideia que aparece imediatamente é a que é mais divulgada através da ficção, dos bonecos de trapos onde um feiticeiro espeta um alfinete e onde os rituais surpreendem e amedrontam ao incluírem sacrifícios de animais.
Mas Vudu é também uma religião mista de crenças, cristãs e africanas, onde o sobrenatural domina. A palavra “vudu” está estreitamente relacionada com divindade ou espírito. No panteão das divindades coexistem deuses africanos e santos da igreja católica.
Trata-se de uma religião animista - crença na alma das coisas do mundo – com um forte no culto dos antepassados e seres chamados “ioas” ou “loás”. Estas entidades, também conhecidas como “mysteres”, são entendidas como espíritos universais que, para além de viverem nos ancestrais, existem na terra, na água, no ar, no fogo.
A cosmologia vodu organiza-se em redor desse mundo de espíritos omnipresentes e de entidades superiores, que entram em contacto através de possessões, rezas ou sacrifícios.
O vudu teve origem na região do Golfo da Guiné e envolve muitas das comunidades do Gana à Nigéria, mas especialmente os povos da tradição fon do Benin, do Daomé e da Nigéria, ou ainda os de língua ewe do Togo e do Gana.
Mercê do comércio de escravos entre África e as Américas sobretudo nos séculos XVII e XVIII, o culto vudu estendeu-se do Brasil à América do Norte, e singularizou-se nas Caraíbas, especialmente no Haiti e tem uma expressão significativa na Jamaica e na República Dominicana.
Ao longo dessa diáspora o vudu foi-se “especializando” e, só no Brasil, há “condomblé”, “tambor de minas” e “xangô”, em Cuba a “santeria”, no Luisiana, no Haiti ou na República Dominica dominam outros ramos do vud que entretanto, tais como os anteriores, se foram sincretizando com doutrinas e práticas católicas.

RELIGIÃO E HISTÓRIA


Percebe-se à primeira vista a relação próxima entre a arte e a religião, entre a estética e a crença. Esta estreita relação que transfere para o objecto a transcendência das ideias religiosas e dos rituais associados, transforma as peças artísticas em os objectos de culto.
Mas também se percebe a presença da História e da religião dos colonizadores a influenciarem o génio e as obras artísticas da arte vudu. Essa inspiração tem sido um veículo de comemoração de acontecimentos históricos e de difusão de doutrinas sagradas que envolvem fé, ânimo, união e solidariedade.
Muitas das obras que possuem cariz religioso, combinam elementos do cristianismo e até ambientes do hinduísmo, além dos cultos africanos e ameríndios. Por outro lado, as representações de guerreiros, que consubstanciam uma das crenças haitianas de possessão, vão até à história da libertação do Haiti contra as forças francesas.
Na exposição, são notórias as obras onde sobressaem as cruzes cristãs e as coroas reais. Dessa imaginação amalgamada, surgem obras onde coexistem diabos, santos, reis, anjos, guerreiros. Outras, juntam báculos e coroas ou véus. Outras ainda, parecem mostrar imagens da virgem Maria.

SOCIEDADE(S) E CRIAÇÕES


Muitas das obras são atribuídas aos Bosmetal – artífices dos metais – que trabalham artisticamente ferro-velho, transformando-o em objectos de culto mas também em figuras horrendas e agressivas, ícones de sociedades secretas que representam o poder dos seus membros. Um desses objectos referenciais é um Bizango, uma figura meio humana, meio boneco, elaborada com pano e ossos desenterrados dos cemitérios, que representa um guerreiro, reminiscência dos que foram criados para lutarem contra as tropas invasoras napoleónicas.
Os bizangos constituem-se como uma sociedade e organizam-se através de uma hierarquia de controlo representativa dos estatutos dominantes, que contempla militares e dirigentes políticos, a quem estão atribuídos objectos específicos dessa hierarquia, armas, lanças ou adornos.

TEMÁTICAS E ESTÉTICA

Embora pareçam por vezes estéticas humanas com alguma perfeição estilizada, muitas das figuras do panteão vodu têm configurações grotescas, assustadoras ou mesmo macabras. Estas, mais sinistras e espectrais, quer tenham ou não propósitos rituais com carácter funesto, estão relacionadas com o presente e com o passado.
Porém, estão ligadas sobretudo com a actualidade, com a importância de viver o presente e os momentos em que a fealdade, a deformidade ou a doença arruínam o momento. As diversas referências à morte – representadas pelas caveiras ou pela estética dos espíritos -, também contribuem para que os vivos se lembrem da importância da vida estabelecendo uma ponte entre a vida e a morte.

MATERIAIS


É na sucata, no ferro-velho ou mesmo nos cemitérios que muitos dos artistas vão buscar os materiais para as suas obras. E não elegem apenas o metal, mas também escolhem a madeira como matéria-prima que esculpem com maior ou menor detalhe ou perfeição. O estanho, o ferro ou o alumínio, a par da madeira já mencionada e do vidro, são os materiais mais utilizados.
Outros optam sobretudo pelo metal, utilizando velhos bidões de gasolina de onde retiram finas chapas de metal que recortam ou aplicam directamente, aos quais juntam pedaços de objectos ou peças pequenas como sejam porcas, colheres, panelas, parafusos, pregos, tachos, ou mesmo peças de automóveis. 
Percebe-se também a importância da corda e do vidro - garrafas - e dos espelhos, patentes por exemplo no Bizango, mas também visíveis em alguns crucifixos ou em figuras que parecem personagens da realeza ou talvez divindades. 

O vídeo em https://vimeo.com/201364207


PINGUINS 2017


Lisboa, Valladolid, Lisboa. Uma meia maratona. Em Janeiro, sob a frescura do tempo. Pedaços do percurso, da gastronomia, da urbanidade, da noite. De moto, claro. E, evidentemente, com as pessoas, os habituais suspeitos destes devaneios bondosos. 

Pinguins, há muitos. Como nós. E há muito tempo, 55 milhões de anos, muito antes de nós. Há-os de vários géneros, como nós. Possuem uma camada isolante que ajuda a conservar o calor corporal na água gelada. Nós usamos roupa quente e impermeável. 

Há mais elementos em comum, como seja a alimentação, embora nós sejamos mais liberais, e o acasalamento, onde as diferenças não são significativas. Juntam-se em colónias tal como nós nos juntamos em grandes grupos. Caso da Concentração dos Pinguins.

PINGUINS 2005


Já lá vai uma dúzia de anos desta a última vez que havia rumado aos Pinguis. Em 2005, os Pinguins realizaram-se de 7 a 9 de Janeiro, em Boecillo, a cerca de 15 kms de Valladolid. Era a sua 24º Concentração Invernal Internacional. Ouvira falar do evento na lista do Motoclube Virtual, por alguém que já havia estado inclusivamente na congénere alemã, Elephantreffen.
Nessa altura, fui o 12848º inscrito, já noite praticamente, no sábado, 8 de Janeiro. A viagem foi uma espécie de maratona, com partida de Lisboa às 8 da manhã e chegada quase 10 horas depois. Para regressar no dia seguinte. Doze anos depois, haveria um dia de “descanso” de permeio. A ideia era encontrar um grupo de amigos que lá estariam à nossa espera com uma fogueira aconchegante e um farnel apetitoso.
 Pelo caminho, fui encontrando os meus companheiros de estrada, um na área de serviço de Aveiras e outro na de Abrantes. Quase como doze anos depois. Dessa vez, fomos muito pelo prazer de conduzir. Eu, pelo menos, que não gosto muito de temperaturas radicais. Optámos por sair da autoestrada e rumar a Castelo de Vide onde bebemos um café, após rodarmos entre bermas onde o gelo - deve ter sido a primeira vez que vi gelo a tocar o alcatrão - ainda parecia estar para durar. 
Dali, fomos para Valência de Alcântara e depois para Cáceres, onde almoçámos. A seguir, já perto de Bejar, saímos da estrada principal e começámos a trepar. A paisagem esbranquiçou-se à medida que subíamos e o gelo nas bermas fez-nos regressar à estrada principal. A partir de Salamanca entrámos na autoestrada e o nevoeiro adensou-se. 
E foi piorando até que não víamos mais de 20 metros à frente das motos. Saímos para a estrada secundária mas o cenário mantinha-se nevoento.  Parámos e discutimos qual a opção a tomar. Regressámos à autoestrada, fomos para a faixa da esquerda de onde só saímos em Valladolid, directamente para a Concentração.
Estava frio, cerca de 5º ou 6º, nada porém que a enorme fogueira onde se aqueciam já meia dúzia de amigos portugueses não superasse. Nós tínhamos levado alguma comida, mas a que já lá estava superou as expectativas, o que nos levou a ficarmos até perto da uma da manhã, na conversa à volta da fogueira, ao longo das bancas e até a entrar num recinto com música de discoteca.
Mas com a noite chegaram também as temperaturas negativas. Por outro lado, naquela altura, as condições sanitárias sobretudo, estavam longe de ser satisfatórias e decidimos que não seria ali que alguma virose nos apanharia.
Abandonámos o recinto já depois da uma da manhã e chegámos ao hotel Parque, em Valladolid, com um grau negativo. Por 145 euros, dormimos duas pessoas, estacionámos as duas motos na garagem e tomámos um pequeno-almoço satisfatório. Só demorámos algum tempo a sair da garagem através de um elevador que comportava meia dúzia de motos de cada vez. 
Às nove da manhã já estávamos de novo em cima das motos. O frio permanecia. O nevoeiro havia dado lugar ao gelo. Por cima dos espelhos da Pan formara-se uma fina camada de gelo que acabou por derreter depois dos primeiros quilómetros. Desta vez, apenas levava um par de luvas, derradeiramente insuficiente para minorar aquele frio.
O que apenas se rendeu na primeira paragem foi uma placa de gelo que se formou sobre o vidro frontal e a carenage que envolvia o farol, uma “lâmina” com mais de meio metro de comprimento, que se estilhaçou com ruído vítreo assim que parámos para beber o primeiro café do dia.

PINGUINS 2017


Doze anos depois… por volta das oito e meia da manhã, a temperatura andava pelos oito graus. Às nove, cresceu um grau. E ficou por ali até à Covilhã, onde baixou para os seis. Até à hora de almoço, em Vilar Formoso, no Monte Carlo, assim ficou. Mas havia de baixar em Castela e Leão, para menos de zero.
Saí sozinho e juntei-me ao Armando em Aveiras. Na CREL, o vento estava especialmente forte, de nordeste, a esticar as mangas dos viadutos e a temperatura a aconselhar mais um par de luvas. A moto abanou mais do que é costume com o vento habitual. 
Vilar Formoso, à porta do Montecarlo
Parámos e eu reabasteci na área de Castelo Branco, onde ficámos de nos encontrar com o Arlindo. Chegámos praticamente na mesma altura. Demos dois dedos de conversa e bebemos os cafés da praxe. O Armando, que levava a maior bagageira, mostrou-nos que ia precavido com suficiente roupa de neve. Na área de serviço estava pouca gente, como também é habitual. Tal como na autoestrada.
Não fosse um suspeito Toyota branco que entrou na auto-estrada no acesso de Abrantes e saiu logo a seguir, eu não seria ultrapassado nem ultrapassaria mais nenhum veículo até Vila Velha de Ródão. À chegada ao restaurante tínhamos o Abel por companhia. Combinado, não seria tão rigoroso. Parámos no restaurante ao mesmo tempo. Dividimo-nos entre o peixe e a carne e saímos para reabastecer já em Espanha a quarenta cêntimos de diferença por litro.
Na garagem do Olid
A etapa seguinte levou-nos a Valladolid. Não havia muitas motos a circular, mas com a aproximação da cidade, começámos a ver mais e na chegada já se percebia o ambiente. À chegada o passeio em frente ao hotel confirmava que havia “Pinguinos”. Na recepção, idem.

VALLADOLID SUR PISSUERGA

Na garagem, o Pedro andavam às voltas de um upload, de um rebut ou de upgrade, sobre uma geringonça da moto do Toni, uma das 'raras' BMW’s GTL presentes… e conseguiram, enquanto estacionávamos as clássicas num cantinho dedicado às mais idosas.

Com tempo para tudo, sairíamos antes das seis da tarde para dar uma pequena volta pelo centro histórico, estavam seis graus. A noite caiu já depois de termos passado na Academia de Cabaleria e Museu Oriental que ficam no topo norte do jardim do Campo Grande.
Deixámos a rapaziada às compras no Corte Inglés e fomos andando até à Plaza Milenium, logo após passarmos a ponte de Isabel Catolica, uma das muitas que atravessa o rio Pissuerga. Trata-se de um espaço multiusos concebido para eventos culturais paredes-meias com o rio.

Para trás, havíamos deixado a Plaza Mayor, preenchida ainda por carrosséis natalícios, com as fachadas pintadas de encarnado e as galerias habituais em toda a volta excepto no edifício que domina a praça, o teatro Zorrilla.

CENTRO HISTÓRICO E GASTRONÓMICO


Começámos a noite à espanhola, pelas tapas evidentemente. Como chegámos antes deles, ainda havia vagas ao balcão do Herbe para tapear. Às nove e quinze já estavam três graus, positivos, mas a sensação na rua era de gelo. O que não impede ninguém de se fazer aos bares. Como nós fizemos.
Avançámos de novo sobre as ruas estreitas do centro histórico, atravessámos mais uma praça repleta de motos e desembocámos no restaurante “Parrilla de San Lorenzo”, que tem sido um dos pontos altos do périplo gastronómico da cidade. Não há quem não se lembre das habituais referências na lista quando dos eventos anteriores. Aqui, é a carne dos mamíferos que cativa. As propostas andam entre o famoso lechazo, o chuletón de buey e o cabrito. Mas também há alvitres de perdiz e de avestruz.
Herbe, para tapear
Também vale pelo espaço, que se abre num bar e avança por diversas divisões, logo após passarmos pela entrada franqueada da cozinha. Lembra a configuração dos Caracoles, de Barcelona. Nas paredes estão expostas antiguidades, sobretudo no bar que contrastam com enormes e apetitosos presuntos pendurados.
Nas salas de refeição, as paredes estão decoradas com tapeçarias, espelhos antigos e quadros enormes de estilo barroco. Os tectos parecem estar preenchidos com frescos que ilustram temas religiosos, épicos ou mitológicos. O tijolo e a pedra dominam as paredes.
Quando voltámos ao hotel, pouco depois da meia-noite, o termómetro da praça já estava nos zero graus. Mesmo assim, ainda havia uma rapaziada com R’s a animar o espaço com aqueles cagaçais típicos dos escapes de rendimento ajudados por gazadas e burnouts à mistura.

LA LEYENDA CONTINÚA

De Valladolid a Cantalejo são quase cem quilómetros. É aqui que se realiza uma das Concentrações dos Pinguins. Á falta de evento no ano passado, este ano houve dois. Um organizado pelo município de Valladolid e outro pelos organizadores dos anteriores Pinguins.
A temperatura continuava baixa, como se desejava. À saída porém o mercúrio já não estava negativo. Esperamos que o sol aparecesse mas tal não aconteceu. O céu manteve-se cinzento praticamente durante todo o dia. 

Chegámos a Cantalejo pelas onze da manhã e estacionámos a motos na recta que margina o local da Concentração logo a seguir à localidade. Não parecia estar muita gente, aliás porque muitos aproveitam o evento para se deslocarem a Valladolid ou a Segóvia durante a tarde.
Fomos andando ao longo do local da Concentração e aproveitámos não estar muita gente na fila para nos inscrevermos. O meu bilhete tinha o nº 1263. Entretanto, íamos passando pelo cenário habitual do recinto: motos, tendas fogueiras e motociclistas na conversa a tiritar de frio. É esse o leitmotiv do evento: conviver ao frio. 
Após a inscrição a fila duplicara e já estava praticamente na porta de entrada do recinto. Carimbaram-nos o pulso com tinta quase invisível a olho nu, entrámos, pousámos para o ‘stand up’ dos ‘Pinguinos’ e fizemos um périplo pelas lojas do recinto.
Na fila de inscrição, em Cantalejo
Na loja oficial algumas medidas já escasseavam, outras já haviam desaparecido. As lojas não eram muitas e nenhuma se destacava. A calmaria não nos acompanhou durante muito tempo. Meia hora depois, já andávamos fora do recinto a apreciar a panóplia de modelos de motos estacionados.

Apesar de haver motos de todos os tipos, desde big trails a pequenas 125, desde side cars a RR’s, a marca dominate era BMW, sobretudo com os modelos GS, RT e GT, apesar de ainda se verem muitas R algumas bastante antigas. 
Antes de almoço, reinava a calma no recinto e ainda se viam as tradicionais fogueiras e algumas tinham freguesia. Soubemos que estávamos a 695 quilómetros do Estoril e a 800 de Faro, mas apenas a cerca de 50 de Carbonero el Mayor. É aqui que se localiza a Meson de Riscal, especializada em "pura carne de buey, cordero asado y tencas”.
Além da boa qualidade e confecção das entradas e das sobremesas, a carne é realmente saborosa e feita na pedra tem aquele sabor delicioso. A refeição fez esquecer a sensação de frio que o termómetro da Pan comprovava ao marcar 7 graus, faltava um quarto de hora para as três da tarde em Espanha.
No EL Riscal
Do restaurante ao hotel são 90 quilómetros de auto-estrada que terminaram em Valladolid sob os 5 graus que se faziam sentir ameio da trade. Neste dia percorremos duzentos e trinta quilómetros.

VALLADOLID BY NIGHT


A Plaza Mayor voltava a iluminar-se para assitir não só às brincadeiras das crinaças e à passagem dos milhares de tapeadores que por volta do início da noite enchem os bares. Desta vez, também havia escapes a roncar, ratés com fartura e um ou outro burn out menos fumarento.
Teatro Zorrilla na Plaza Mayor
Esta noite, mercê do reabastecimento substancial ocorrido no Riscal, também tapearíamos. Entrámos num dos bares próximo da praça, mas rapidamente optámos só por um rodada de tapas, uma vez que o espaço estava superlotado.
No Herbe, de novo
Ainda entrámos no Vino Tinto, mas também estava a abarrotar. Por tal, voltamos ao Herbe, que sabíamos servir bem, optando desta vez para uma mesa. Aqui, já foi possível trocarmos algumas impressões sobre a agenda do CPEP para este ano, especialmente sobre o Passeio Internacional.
A conversa só ficaria em dia já no Tuba, um Gin Club que ainda repetiríamos nessa noite, situado numa praça gelada mas onde as pessoas não deixavam de chegar em grande número. E no ar  frio era coisa que não desgrudava.

CÁCERES NO REGRESSO


Menos três graus! Foi com este fresquinho que deixámos Valladolid por volta das des e mei ada manhã. Desta vez, a opção foi regressar por Plasencia e Cáceres, mesmo sem a companhia do Arlindo e do Gonçalo, que não quiseram perder a oportunidade de acertar o fim de semana com uma posta transmontana.
Arranquei com o Pedro de Jesus e com o amigo Marco pela auto-estrada que leva a Salamanca, onde chegámos ainda com a temperatura perto da positiva. Próximo de Bejar, cujos cumes estavam nevados, a temperatura voltou a descer para menos de meia dúzia de graus. Poucos quilómetros depois, já com o sol a aparecer em pleno, a temperatura aproximou-se da dezena de graus.
Torre de Bujaco
Era suposto pararmos para almoçar numa área de serviço, mas a preferência virou-se para Cáceres, e entrámos na cidade. Demos uma volta à zona histórica para perceber por onde invadiríamos o "casco antiguo" e arremetemos pela zona exclusiva para residentes.  
Estacionámos perto do restaurante Alma do Sabor e do museu de Cáceres, mas o primeiro estava fechado. Percorremos algumas ruas da zona histórica, também Património da Humanidade - que agora parecem maiores para o Pedro sobretudo do que quando as atravessámos de moto - e descemos até à Plaza Mayor.
Esta é do século XII, data da muralha almoade ainda em excelentes condições. Sentámo-nos no Asador Carlos V e entretivemo-nos com uma parrillada, enquanto apreciávamos a Torre de Bujaco, uma construção árabe com 25 metros de altura, ladeada pela Ermida da Paz.
Reabastecemos à saída de Cáceres e a temperatura passou para mais de uma dezena de graus assim que entrámos em Portugal. Parámos para nos despedirmos na área de serviço de Vendas Novas. Logo após, foi um por de sol excepcional que nos orientou até casa.


O vídeo em https://vimeo.com/201661444