O
texto seguinte foi publicado na revista “Motojornal” nº 350, há quase três décadas.
Foi legendado com oito fotografias reproduzidas a partir de slides que nunca me
foram devolvidos. Felizmente sobraram outras cem imagens da viagem. Bem como o
respectivo texto. É o texto da primeira parte que
reproduzo a seguir. Assinalo todavia alguns lugares que pela novidade, beleza
ou originalidade se destacaram na viagem.
I
– De Queluz a Lausanne
Estavamos em plena Primavera de 87 e a pequena carenagem da Honda CB 750 F2 já estava montada. Aguardava já pelo Verão, pelo regresso da moto à origem. A moto original, uma
velha CB 750, comprada em ‘4ª mão’ ao Manuel João, havia “dado as últimas” no
início do ano anterior. Nessa
altura, o custo e a dificuldade de conseguir sobressalentes para as motos era
por demais evidente.
Uma das hipóteses de minorar esse custo era comprar uma
moto em segunda mão e aproveitar as peças que estivessem em melhor estado. Sendo estrangeira, mais barata seria. Por tal, comprei uma igual a um holandês com o qual ainda hoje mantenho uma especial relação de amizade.
Programada
há muito, a viagem constituiria, uma vez mais, um desafio à evasão que promoveria novas reciprocidades. Era altura de ir mais além, de ultrapassar destino já
atingidos – já havíamos estado em Paris – que deixam sempre vontade de
novamente nos “fazermos à estrada”.
Porém,
quando no dia 31 de Agosto de 1987 chegámos a casa dos pais do João, por volta
da uma da manhã, um táxi espanhol tinha-se juntado à caravana. Ora, a 14 desse
mês, apenas a Honda CB 750 F2, a Kawasazi GPZ 900 e o Fiat Uno, haviam saído de
Queluz. Esfomeados, molhados, feridos e cansados, pensamos, “podia ter
sido pior”, como é costume na nossa terra.
Depois
de, no ano anterior, visitarmos o sul de França e o norte de Espanha numa
viagem plena de peripécias, resolvemos convidar desta vez o João e Paulinha
(GPZ 900) e o Manuel e a Cila (Fiat Uno), para nos acompanharem à Holanda, numa
visita aos nossos amigos holandeses Roel e Pascalle.
Se já gostávamos de viajar de moto, a amizade firmada anos antes, quando lhe propus a compra da CB F2, para além dos
constates apelos para que os visitássemos, fizeram com que aceitássemos o
convite. Todos os conhecíamos. Por isso, todos aceitamos. Só o Manuel e a Cila
viajariam de carro.
Esta
‘coisa’ de viajar de moto é muito gira, sobretudo até ao momento em que é
preciso montar a “tralha”. O secador, os (diversos) pares de sapatos e o resto
do guarda-fato da pendura, fazem parte do puzzle com que alguns de nós se
defrontam pouco antes da partida.
Enfim,
este ano, a tarefa iria ter o apoio de um carro, pensei. Mal, já que se, por um
lado, a diferença de andamento foi notória, especialmente quando o trânsito
aumentava, por outro, transportar a bagagem da moto na mala do carro não resulta
quando nos perdemos uns dos outros…
RUMO
A BURGOS
A tradição manteve-se, quer no dia anterior, quer no dia de partida. Na noite anterior, teríamos a visita de seis holandeses. O irmão do Roel e os amigos, que viajavam numa Yamaha RD 350, numa BMW 650 e num Opel Kadett, tinham vindo de férias a Portugal.
Claro
está que a noite foi até às “tantas”. Aliás, na noite anterior à partida já era
prática habitual aparecer alguém, nem que fosse apenas para assistir à montagem
da bagagem. Era raro deitar-me antes da uma da manhã. Para quem queria sair
cedo e aproveitar o ar fresco daquela hora, não era definitivamente o horário
ideal para adormecer…
Por
outro lado, no dia da partida teríamos o habitual calor sufocante espanhol por
companhia, especialmente ao atravessarmos a região de Cáceres, onde almoçamos.
Mantinha-se também a aridez da paisagem, interrompida por pequenos povoados,
porém desertos de pessoas a meio do dia.
Com
a aproximação do final da tarde, a temperatura baixou ligeiramente, pelo que
passamos a sofrer menos quando era preciso esperar pelo Uno. Chegámos ligeiramente
cansados ao hotel Ciudad de Burgos, situado fora da cidade, mas próximo da
auto-estrada para Irun, por volta das nove da noite…
A
BOMBA
Em Burgos, cerca
de duzentos quilómetros nos separavam do local de encontro, aprazado para San Sebastian,
com os nossos amigos holandeses, nessa altura em férias por terras espanholas.
Percorremo-los devagar aproveitando para apreciar a bela paisagem basca, pelo
que chegamos com uma hora de atraso sobre o previsto.
Acima dos Pirenéus
é habitual cumprir horários. Mais abaixo, não tanto. Nós teríamos esperado até
sermos velhos, mas acima dos Pirenéus toda a gente quer ser novo durante
bastante tempo. E não esperam além do previsto. Por isso, não estava
ninguém no quiosque que fica no início da marginal da cidade.
Avançamos para o
parque de campismo, onde estariam os nossos amigos holandeses. Aí, conhecemos a
sua última aquisição, uma BW K100 que, apesar dos seus escassos dois mil
quilómetros, já “babava” óleo da suspensão dianteira… é isso que comentamos na
altura em que a foto foi tirada.
Almoçamos no
restaurante do parque de campismo. Foi quando a televisão espanhola deu a
primeira notícia sobre o rebentamento de uma bomba perto do quiosque que fica
no início da marginal de San Sebastian. Esse mesmo, aquele onde havíamos
combinado encontramos os nossos amigos holandeses…!!
Não ganhamos para
o susto. Mas desconhecíamos que a “procissão ainda ia no adro”. Marcamos novo
encontro para Maastricht, cidade onde moravam, mais conhecida devido a ter sido
lá a assinatura de um dos acordos mais importantes da Comunidade Europeia.
Com a tarde a
aquecer, atravessamos a cidade basca por entre um trânsito caótico. Perto da
fronteira, as filas de carros aumentavam à medida que nos aproximava, da
fronteira. Alguns quilómetros antes, o trânsito chegou a parar na auto-estrada.
E, a partir de certa altura passou a fazer-se por apenas uma via.
A Guarda Civil
havia formado apenas uma fila por onde circulam carros motos e camiões. Todos
eram obrigados a parar. Mirados de alto-a-baixo por um oficial, olhos nos
olhos, e ladeados por um pelotão de metralhadoras aperradas, sustivemos a
respiração até passarmos a fronteira.
ALI
VÃO ELES…!
Entramos em França
pela auto-estrada. A circulação automóvel era imensa a coincidir com o
movimento sazonal dos franceses e dos emigrantes, tendo aumentado à medida que
nos aproximávamos da estrada nacional.
Ainda fomos obrigados a fazer uma
paragem numa área de serviço para verificar o consumo anormal do Uno que estava
a gastar tanto como um Ferrari. A razão estava num tubo que não tinha aguentado
o ritmo e se havia soltado. O João resolveu rapidamente o problema.
Pouco depois, o
João aproveitou um período de maior fluxo de adrenalina e foi para a frente
durante alguns quilómetros. Nós fomos avançando mais devagar e deixamos de ver
a GPZ durante bastante tempo. Para garantir a nossa paragem, o João encostou ao
rail em plena auto-estrada, esperando que daí a pouco nós aparecêssemos.
Mas quem parou não
fomos nós, foi uma carrinha da polícia francesa, cujos agentes lhe perguntaram
o que estava ali a fazer e o alertaram para o facto de ser expressamente
proibido parar naquele sítio. - Estou à espera
de amigos! – disse o João pouco antes de nos ver aparecer ainda longe. – Ali
estão eles…! – salientou ao ver-nos aproximar. – Aqui estão… ali vão eles…! –
disse, estupefacto, ao ver-nos desaparecer lentamente no horizonte depois de
termos passado por eles e pela polícia. “Com que então, à
espera de amigos…?!, ponha-se a andar daqui e depressa porque a multa é muito
cara para si!”, foi o comentário dos agentes. Assim fizeram. O João e a
Paulinha tinham-se safado desta vez, e pouco depois, já estávamos juntos de novo.
Só no parque de
campismo de Saintes pudemos discutir o sucedido e alertar o João para o facto
de ser preciso andarmos juntos o mais possível de modo a não nos perdermos.
Hoje, o episódio é mais um tema de conversa quando começamos a falar de viagens
de moto. Como já chegamos tarde ao parque de campismo, fomos obrigados a cozinhar sopas e a jantar alimentos frios, uma vez que no pequeno bar ainda aberto não havia outra alternativa.
A
CIDADE FANTASMA
No dia seguinte
também não houve alternativa ao calor e aos “engarrafamentos”. Quer na estrada
nacional, quer na auto-estrada, o tráfego era intenso, sobretudo perto de Paris.
A época de férias estava no auge e da capital francesa saiam carros, camiões,
motos, caravanas, especialmente rumo a sul.
Foi uma etapa
particularmente penosa quer pelo calor que se fazia sentir, quer pelas paragens
à espera do Uno. Chegamos a Lille ao entardecer e deparamos com uma cidade
praticamente sem movimento, cujas lojas, cafés e restaurantes estavam fechados.
O cenário era igual nos arredores.
Aliás, não eram
apenas as lojas que estavam fechadas, os bares por onde passamos também não
estavam abertos. Desta vez, fomos mesmo obrigados a recorrer ao fogão de
campismo e a umas míseras salsichas que, todavia, se constituíram como
excelentes petiscos naquela noite. Pudera!
DROGA,
BÊBADOS, CHUVA e MINIATURAS
De manhã, foi
demorado atravessar a fronteira franco-belga, sobretudo a partir do momento em
que alguém disse que o nosso destino nesse dia era Amesterdão. “Amesterdão, logo
droga”, devem ter pensado os polícias. O resultado foi uma revista detalhada às
nossas bagagens, que até envolveu o pacote de cigarros que levávamos. Uma boa
meia hora perdida, para nada!
Depois de almoço,
o tempo começou a “fazer caretas” e pela primeira vez – que não seria
definitivamente a última nesta viagem – vestimos os fatos de chuva.
Atravessamos Roterdão com nuvens negras no horizonte e chegamos a Haia já com a
chuva a bater nas viseiras.
O parque de campismo
de Ockenburg era excelente. Tinha praticamente lotação esgotada e os melhores
lugares já estavam ocupados. Por isso, apenas conseguimos montar as tendas num
terreno árido, onde tivemos por “vizinhos um grupo de idiotas alemães.
Além de nos
confundirem com polacos – provavelmente devido ao “P” aposto nas motos e no
carro – tinham como entretém grades de cerveja e esvaziar o respectivo
conteúdo. Nem com uns berros valentes à noite deixaram de fazer chinfrim.
Arrefeceu muito
durante a noite. No dia seguinte, ainda enregelados, demos uma pequena volta
pela capital holandesa e paramos no Parque Madurodam, onde numa área ao ar livre
se podem apreciar diversas miniaturas de monumentos holandeses, enquadrados num
cenário construído à escala.
E não são apenas
monumentos holandeses, também há réplicas da igreja de Notre Dame de Paris e do
Parlamento inglês. O ambiente era o de um parque temático actual, com muitas
crianças e gente de todo o mundo. Foi a primeira vez que ouvi falar hebreu,
depois de ter reparado em três amigos cuja fisionomia não podia ser outra…
OS
HOLANDESES E A HOLANDA
Foi aqui, em Haia,
que tivemos o primeiro contacto com a profusão de bicicletas que percorriam as
ruas planas e rectilíneas. Desde as “velhinhas” até às mães com os filhos à
pendura, praticamente toda a gente utilizava a bicicleta para se deslocar.
Contava-se, a propósito, de um projecto da edilidade que visava disponibilizar
bicicletas gratuitamente para utilização de qualquer pessoa.
Tivemos ainda
oportunidade de passar por Scheveningen, parar no passeio pedestre que vai ao
longo das praias e observar a diferença de cenário e sobretudo de clima que
contrasta com as nossas praias. Em pleno Verão, não fomos capazes de tirar os
blusões…
De tarde, a chuva
voltou a aparecer e permaneceria durante toda a noite. Jantámos cedo num
restaurante francês – uma vez que a cozinha holandesa não tem tradição – mas
cuja comida se assemelhava muito à nossa. Recordo ainda uma “atravessadela” numa
rua de Haia devido à chuva molha-tolos que persistia.
Mas a Holanda não
é diferente só no capítulo gastronómico ou do clima. São, também, as
influências americanas e das diversas comunidades imigrantes que permitem aos
holandeses uma maneira de estar e de comunicar assaz cordial e interessada. O
facto de falarem fluentemente inglês, francês e ou alemão, além de outras, como
espanhol ou italiano, faz com que a comunicação com estrangeiros seja fácil.
Também a maneira
de ser e fazer dos estrangeiros, pelo menos os do sul, é para eles senão
exóticas, pelo menos muito curiosas, sobretudo as relacionadas com a subversão
das regras. Porém, a tradição nacional não apresenta aparentemente tipicidades
marcantes. Daí, talvez, a grande abertura para tudo o que é novo, diferente e
estranho.
Mas a Holanda não
é só isto. É, também, diques e moinhos, a planura doa campos, os prados e as
flores, as vacas e o cheiro a bosta, os canais, a inexistência de
“engarrafamentos”, a eficácia da sinalização viária, a qualidade geral dos
produtos. E a segurança passiva,
as vivendas com paredes revestidas a tijolo pequeno em muros, os parques
ecológicos, as lojas de batatas fritas e maionese, os inúmeros museus, as cores
garridas das roupas, a cerveja, e muito mais. E, claro, as motos.
Nesta altura, o
panorama motociclístico holandês vivia ainda uma clara influência japonesa e
alemã. Para viajar, usavam sobretudo motos BMW, embora também nos tenhamos
cruzado com muitas máquinas japonesas.Poucos anos mais tarde, particularmente
a partir de 92, começaram a ver-se cada vez mais Harleys e Ducatis.
Mas a Holanda “é”
também neve, frio, vento e chuva, quase sempre, céu cinzento e ameaçador, cafés
especialmente ligados ao tráfico de droga, gangs. Os horários são rígidos e a
concorrência comercia é agressiva. As normas são espartanas e a lei é
omnipresente. Há diferenças regionais e económicas entre comunidades
étnicas.
Não foi obviamente
uma semana na Holanda que permitiu esta análise. Nesta ocasião, apenas foi
possível perceber algumas facetas que posteriores contactos e leituras
confirmaram, completaram ou desmentiram.
MAASTRICHT
Com tudo isto por
bagagem, seguimos viagem até Breda onde, pela primeira vez, visitamos uma
igreja protestante, cujos Interiores austeros despidos de ícones mostravam uma
faceta diferente da atitude religiosa.
Próximos do fim do
dia, a F2, a Ninja e o Uno percorreram os últimos quilómetros que nos separavam
de Maastricht. Só próximo da cidade se quebrou a monotonia da paisagem à vista
das únicas elevações do país, podendo dizer-se que quer der um salto em Masstricht
poderá ver Amesterdão…
A cidade é capital
da região de Linburg, que abrange igualmente algumas zonas da Bélgica e do
Luxemburgo Percorrida pelo rio Maas e polvilhada de florestas, esta região
respira ainda ar campestre. Extensas quintas dominam a paisagem, onde a
agricultura e a criação de gado, a par da pequena indústria e do comércio
caracterizam o tecido produtivo da região.
Conforme
combinado, telefonamos ao Roel do primeiro bar que encontramos ao chegar à
cidade. Poucos minutos volvidos surgiu a BMW que seguimos a caminho da casa dos
pais da Pascalle. Aguardava-nos uma bela casa de dois pisos – ocupada pelos
nazis na Segunda Guerra – com um bom jardim e uma grande garagem.
Os pais da
Pascalle ofereceram um dos quartos da casa ao Manuel, e à Cila (que estava
grávida) e nós ficamos na pequena “casita de bruxas”, a tal outra casa,
estranha mas engraçada onde viviam os nossos amigos holandeses.
Antes de jantar
tivemos ainda a oportunidade para ao estilo reunião de família, conversarmos
com a família Scheren-Toulkens (apelidos dos nossos amigos) sobre a viagem,
sobre Portugal e os portugueses e, claro, sobre as motos, sobretudo do regresso
da F2, olhada com nostalgia pelo antigo proprietário. A F2 regressava às origens.
Saímos para jantar
num restaurante grego com os inseparáveis amigos do Roel, Jerome e Getty. A
escolha do restaurante teve em conta o facto de ser o que servia comida mais
parecida com a nossa, mas que tinha a particularidade do preço ser discutido no
fim da refeição, uma vez que ninguém tomava nota do que tinha sido trazido para
a mesa…
No dia seguinte
demos um passeio pelos arredores, ocasião que aproveitamos para todos guiarem
todas as motos. Considerações positivas quanto à Ninja, sobretudo potência e
estabilidade em curva, não tanto quanto à BMW ainda sem o sistema Paralever,
cujas reacções do veio de transmissão nos pregou alguns sustos. A F2
comportava-se à altura, embora o Roel tenha detectado alguma perda de potência.
À noite, após
termos lavado as motos com produtos Blu-Ray, nesta altura já bem conhecidos
nestas paragens, foi a vez de participarmos num assado nocturno ao ar livre,
possível de praticar com o tempo seco apenas em certas alturas do ano. Antes
teve lugar uma “peladinha” Portugal-Holanda, infelizmente favorável aos donos
da casa. Foi a noite das histórias de viagem “até às tantas”.
Aproveitamos a
manhã para, após um belo trajecto de barco pelo rio Maas que passou perto da
“aldeia dos macacos”, designação dada pelos locais ao edifício onde foi
assinado o célebre Tratado de Maastricht. Depois aportamos perto das grutas de St. Pietersberg, famosas por terem servido de
refúgio da população da cidade durante os bombardeamentos alemães da Segunda
Guerra.
Distribuíram
lanternas a quase todos os visitantes, disseram-nos para nos agasalharmos,
descemos alguns degraus e pudemos depois apreciar as marcas do tráfego de
camiões, ainda visíveis nas paredes da gruta, bem como frescos (razoavelmente
conservados à temperatura ambiente do lugar, 5º) com temas religiosos numa
grande nave que servia de igreja.
Durante a tarde
conhecemos o centro urbano e as muralhas de Maastricht e
com a aproximação da noite foi a vez de visitarmos os inúmeros bares da praça
central da cidade, onde é possível estar a noite inteira com um copo na mão,
entre duas cerveja se uma água com gás.
Acabamos a noite
já na Bélgica – a fronteira com a Holanda estava assinalada apenas com um velho
marco quilométrico – a apreciar as diferentes cervejas belgas, misturadas com
rum, cherry, etc. Nesta noite, foram elas que conduziram, uma vez que por lá, a
condução sob o efeito do álcool é levado a sério.
FRANKFURT-LAUSANNE,
UM DIA DE CÃO
Depois de uma
noite bem dormida e de um belo pequeno-almoço – compota, fruta, queijo,
cereais, nunca falham – eis-nos próximo da fronteira que dá acesso à cidade
alemã de Aachen, sempre acompanhados pelos nossos amigos holandeses. “Boa
viagem, guiem com cuidado e tot wolgn jaar”!
Chegados à
Alemanha, entramos imediatamente na auto-estrada que dá acesso a Frankfurt. A
etapa deste dia esperava-se longa, até Lausanne. Contaria com cerca de 800
quilómetros. Por isso, era preciso não demorar muito nos reabastecimentos, bem
como no almoço.
Talvez por isso, a
paragem na área de serviço foi apressada. Uma distração momentânea encheu o
depósito da Honda com gasolina sem chumbo. “Bom, não deve haver problema”,
pensei preocupado mais com a rapidez da paragem do que com as consequências
daquele engano, que não seria o único nesta manhã.
Com o tráfego
fluido e três faixas de rodagem à frente das rodas, quando a Honda pôs os
“cavalinhos no chão, eu puxei-lhe as rédeas”. Tomei a dianteira e tudo correu
bem até ao malvado desvio para Frankfurt-Mainz. Foi aí que errei. É que as
auto-estradas alemãs têm diversas alternativas de saída, que permitem
paralelamente desviar para as nacionais, mas que também possibilitam o regresso
o regresso ao sentido inicial.
Só que findo o
último desvio, já não há hipótese de, se ter de muitos quilómetros, retomar a
direcção inicial. O que aconteceu foi simplesmente um desvio de quarenta
quilómetros para leste, quando o nosso destino era sul. Eu virei, mas a GPZ e o
Uno seguiram em frente. Entramos perdidos em Koblenz. Só depois de algumas
perguntas, percebemos que estávamos errantes e fomos obrigados a voltar para
trás. Só ao cabo de uma hora conseguimos regressar ao trajecto correcto. Dos
outros, nem sombra.
Entretanto, o céu
toldara-se e a chuva não se fez esperar, obrigando-nos a vestir os fatos de chuva
e a reduzir a velocidade. Até ali, viajávamos na faixa central da auto-estrada
a cerca de 140 km/h, uma média baixíssima tendo em conta que, quer carros quer
motos, passavam por nós e rapidamente os deixávamos de ver.
A questão estava
agora em encontrar a GPZ, e sobretudo o Uno, uma vez que na bagageira deste
viajavam a nossa tenda e os sacos-cama. Começamos a entrar em todas as áreas de
abastecimento, mas nada. E, de repente, percorridos 180 quilómetros desde o
último reabastecimento, eis eu a Honda começa a “gaguejar”. “”Água nas velas?
talvez. É capaz de secar” Não, era a passagem para a reserva. “Estranho. Já?”.
Apesar de
miudinha, a chuva persistia mas, ao cabo de alguns minutos, aumentava de
intensidade. Mais 50 quilómetros percorridos e o motor “calou-se”. “E, agora, o
que será? Gasolina?”. Parei (em plena auto-estrada). Abri o depósito e
verifiquei que não tinha gasolina. “A gasolina sem chumbo…”, pensei.
Apesar de não
sentir qualquer perda de potência, o consumo tinha sido desmedido.
Habitualmente a moto ia até à reserva após ter feito mais de 200 quilómetros.
Depois, ainda percorria mais de cinquenta. Ou seja, um depósito era suficiente
para ir de Queluz a Badajoz pela estrada nacional, e só passava para a reserva
perto da fronteira.
Agora, porém,
estávamos parados na auto-estrada sem gasolina. Restavam provavelmente algumas
gotas, as necessárias para pôr o motor a trabalhar e ganhar algum espaço até
aquela inclinação que se estendia estrada fora… e foi esse ligeiro pendor que,
durante quilómetros, levou a Honda “à vela” até ao fim da descida… onde havia
um posto de combustível!
Com a noite por
companhia e sem vestígios da GPZ e do Uno, (bem como da tenda e dos
sacos-cama), entrámos em França e procuramos um hotel perto de Mulhouse. Mais
uma vez, a França “deitava-se cede” e, só ao cabo de uma hora, conseguimos
encontrar um Climat de France, onde ceámos e dormimos.
Antes, porém,
parar em cruzamentos e não ver vivalma foi uma decepção constante. Ainda não
eram dez horas da noite, estava relativamente claro, mas não havia trânsito.
Alcançamos o hotel após termos perguntado o caminho a um automobilista parado
num semáforo.
Belo dia, não haja dúvida!!